terça-feira, 30 de agosto de 2011

DIA QUINZE VEM AÍ

Obax anafisa.


Cinco horas da manhã saio parar passear com Haicai, Decidido e Vitório e na porta de casa já me esperavam Ouro e Elvira Lata, os cachorrinhos de rua que alimento, mas que não fico pela absoluta falta de espaço em meu apartamento unida aos três cachorrinhos que já tenho e às três pessoas que moram comigo. Penso no que ouvi na reunião¹ que o Prefeito, sr. Robson, marcou com o Conselho Municipal de Cultura e proponentes de projetos aprovados pela CMIC². Creio sem sombra de dúvidas que a frase que define toda a reunião foi dita pelo Procurador Geral Heyder Torre: “Eu não estou sendo político. Estou sendo verdadeiro”. O problema é acreditar se ele e os demais estão sendo verdadeiros ou se estão sendo políticos. Enquanto penso sou interrompido por um rapaz baixinho, levemente gordinho, não difícil de ser visto por não ser feio sem ser bonito. Ele surge da esquina, não vindo em minha direção se aproxima.

- Senhor!

Olho.

- Senhor, poço fazer uma pergunta? Não é dinheiro, não.

Aproxima-se de mim uma vez que não me afastei.

- Não é dinheiro não. – Movimenta as mãos de um modo desordenado, afeminado. E pelo que vi em outras ocasiões, não acho que ele seja guei. Penso, não sei, que o craque atingiu-lhe a coordenação motora. Entre as muitas mulheres afetadas pela pedra, ele é o segundo homem que vejo descoordenado – Pode me arranjar comida? O senhor sabe do meu vício. A assistente social deve nos mandar para outro lugar hoje. Pode me arranjar comida? Por favor, pão não. Comida mesmo. Eu e minha mulher estamos precisando de comida. Precisa nem esquentar não. Pode ser fria mesmo. Se puder arranjar leite para minha mulher. É para desintoxicar. Ela está grávida.

- Espere um instantinho.

Subo pensando se a promessa do prefeito de liberar integralmente o dinheiro no dia quinze de setembro vai se cumprir. O homem convidou o Conselho Municipal de Cultura para uma discussão onde propôs descontar vinte e cinco por cento (depois mudou para quase vinte por cento) de cada projeto para repassar esse valor para o Festival Roda Viva. É claro que o Conselho discordou. Aliás, o Roda Viva também. Ficando claro para nós – Conselho e Roda Vida – que foi, é um meio de nos colocar um contra o outro. Luzia de Resende disse “Aceitar isso é ser conivente com desvio de dinheiro, uma vez que dinheiro tem; só não se sabe onde eles o colocaram”. Refletindo assim pego arroz e esquento com macarrão, as únicas coisas que temos a essa hora da manhã, enquanto ponho leite para os cachorrinhos. Lavo uma vasilha, de sorvete, ponho a comida para os dois, leite num copo descartável e café com leite em outro. Desço com o leite para a mulher e a comida para os dois. Volto e desço com café com leite para o rapaz e leite para os cachorrinhos de rua que alimento. Medito no que está sendo falado a boca pequena: a Secretaria de Cultura vai chamar os proponentes dos projetos aprovados, um por um, dizendo que vai liberar apenas oitenta por cento do valor para repassar a diferença para o Festival. Ficando claro, também, que é um meio de nos desarticular. Elvira está a minha espera perto do casal. Não sorrio para eles, tento, mas não consigo sorrir para a miséria. Eles não são a miséria, mas são o rosto dela que vejo hoje. Tento. Não consigo. A mulher fala com voz fraca de sono e fome “É muito ruim querer e não poder comer”. Respondo “Imagino que sim” pensando “Não consigo saber”. Elvira terminou o leite, pego a vasilha, peço licença aos dois e vou para casa tendo na cabeça, além do casal, a ideia de nos articularmos assim: dia 31 de agosto o Conselho irá se reunir, mais três proponentes, com os “órgãos competentes” da prefeitura, e no dia dois de setembro. Sexta-feira, todos os proponentes entregarão a readequação do seu projeto ao mesmo tempo, às dezessete horas (02/9 às 17h).

Com todas essas coisas na cabeça me arrumo para o dia.


Escrita entre a madrugada de 08 a 30 de agosto de 2011.

Ofereço como presente de aniversário à

Luana Rodrigues, João M. Ferrabbiamo, Matisael Lima e Cleverton Nunes.

.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

¹ Reunião marcada pelo próprio Prefeito para 10h de dez de agosto de dois mil e onze (10-8-2011) e que ficamos esperando para ser atendidos até quase 13:30h.

O resultado é que foi definido que dia quinze de setembro sairá o dinheiro dos Projetos que deveria ter saído em fevereiro.

² CMIC = Comissão Municipal de Incentivo à Cultura.

terça-feira, 23 de agosto de 2011

MSN


Obax anafisa.





Pensamentos de semanas atrás: Na feijoada beneficente eu trabalhava voluntariamente num mundo de dinheiro e no momento procurava apressado à presidente da ong. “Oi, Anício!”. Olho e levo segundos para reconhecer a voz e seu dono, grisalho agora. “Olá, Hélder” – falo olhando para a cozinha. Precisava urgente dela para uma decisão e, atento ao movimento nas panelas, continuo – “Que bons ventos lhe trazem?”. – Não encontro a mulher na cozinha e sem esperar resposta vou para a portaria procurá-la, não estando, volto. “Tempos que a gente não se vê” – diz o homem. – “Sim. Como ficou sabendo da feijoada?”. “Moro perto do GASP*”. Minha atenção está na cozinha “Legal, que bom que veio. Com licença acho que encontrei a pessoa que procurava”. Saio sem esperar resposta.
Diálogo hoje:
- Oi! Eu sou Willian. Vc?
- Eu me chamava Anício Pereira. E como você vê na fotinha eu era branco, magro, cabelos e olhos castanhos. Não era feio e tinha 1,70m.
- A gt c conhece?
- Não!
- Lgl gent c conhec. Fale d vc?
- Eu estava na cidade de Governador Valadares e eu fui fazer... O que eu fui fazer lá? Que dia era? Eu só me lembro que era noite e queria voltar para casa. E que estava pensando na feijoada beneficente e na urgência que tinha. Na verdade pensava mais no Hélder. No sorriso que ele tinha ao falar comigo e que na hora não reparei. Sorriso irônico? Sardônico? Não sei se sincero, acho que não. Não vindo dele. Sorria como se duvidasse que eu não o tivesse visto ou como se achasse que eu tivesse ido para vê-lo, mas fingia que não. Pensando nisso fui à rodoviária. Era estranha. Era outra. Comprei a passagem. O cara do guichê era gordo de cabelos e barba loiros, que me explicou que só tinha ônibus para São Paulo, mas se eu conversasse com o motorista ele poderia me deixar em algum lugar na estrada. Aceitei, claro. Queria era voltar para casa. Comprei algo para comer e o vendedor era gordo de cabelos e barba loiros. O varredor, os vigilantes eram gordos de barba e cabelos loiros. Todos os trabalhadores eram exatamente do mesmo modo, a mesma cara, o mesmo corpo. Como se fossem gêmeos. Sei lá. Não, espere! Havia um que era gordo, cabelos loiros, mas de barba preta. Finalmente chegou o ônibus, embarquei, não demorou e saiu. O motorista era gordo de cabelos e barbas loiros. O trocador também. Os passageiros... Não consigo me lembrar de como eram. Exceto de uma, que conversarmos na viagem. Loira de uns cinquenta anos. Depois de dois terços da viagem entramos numa floresta. Mas não mais existem florestas no Vale do Aço. Então, então como... Não conseguia entender. Na estrada uma mulher de branco. Vestido longo, como desses filmes de época, um lenço ou um véu na cabeça. O ônibus parou e a mulher entrou. Loira como os outros. Mas eu a conhecia. Estava tão confuso. A gente se cumprimentou e a passageira e ela conversaram. Fiquei só ouvindo. Mas não diziam nada interessante ou esclarecedor então perguntei
- Qual é seu nome? – Falei para a recém chegada, que se voltou para mim. – Você está vindo a pé de Valadares?
- Livre Sereno Diamantino é meu nome. E venho de lá.
- Por que está vindo a pé?
- Não sabia que ainda tinha ônibus.
- Como assim? Não era mais para ter ônibus?
- Ela nada responde e as duas mulheres se olham. Todos os passageiros me olham. Agora eu sei como eram. O ônibus pára. Os passageiros se levantam. Mas o que importa é que eu me chamo Lindo Sol Delirante. Eu sou gordo de cabelos e barba loiros. Meus olhos são azuis e tenho 1,80m. Vejo pela foto que você ainda é negro.
Na casa de Willian batem na porta.
Olho para outro canto da tela e vejo bem os seus olhos. Os seus, que está me lendo agora, logo será na sua que baterão na porta.




Escrita entre a madrugada de 29 de julho e 23 de agosto de 2011.

Ofereço como presente de aniversário à
Grah Ferreira, Carlos G. D. Dias e Marlene C. Rodrigues.

Gente! Mudando de assunto, mas ainda na arte cultura, NÃO PERCA O ENARTCi. É tudo de bão.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

* GASP = Grupo de Apoio aos SoroPositivos.

terça-feira, 16 de agosto de 2011

JOVEM PROTAGONISTA


“O Sol é ‘Deus’.

Somente Deus é satisfação perfeita”.

(Seicho-No-Ie).


Obax anafisa.

Início da manhã em Júpiter:

Na cabeça de Breguinha Brandão as colegas, ao som melodioso de risadas, dançam uma coreografia de dedos apontados enquanto ela entra desajeitadamente na sala com seu vestido azul remendado de todos os dias. Cabeça baixa, olhos não mais marejados de tão acostumados. Sem maquiagem nem o micro chortinho dins e camisa de mangas compridas para o frio de junho-julho que todas as meninas usam.

Início da manhã na Terra:

Na cabeça de Riquinha Brandão as colegas, ao som melodioso de risadas, dançam uma coreografia de dedos apontados enquanto ela entra elegantemente na sala com seu vestido alvinegro remendado, limpo e passado de todos os dias. Cabeça erguida, olhos brilhantes. Sem maquiagem nem micro chortinho dins e camisa de mangas compridas para o frio de junho-julho que todas as meninas usam.

Fim de tarde em Júpiter:

Drog tenta namorar Gata Wordman, colega de Breguinha, que inicialmente está interessada, mas desiste por ver que ele é um usuário de drogas, já viciado.

- Gata! Amar você é loucura e não tem psiquiatra que me cura.

Gata sorri. Encorajado Drog continua

- Você é o ovo frito de minha marmita.

Gata dá um sorriso que se apaga e que o rapaz não entende.

- Essa roupa ficaria ótima toda amassada no chão do meu quarto amanhã de manhã...

Gata não sorri e o tonto não percebe.

- Vou te roubar para mim, porque roubar para comer não é pecado.

- Dá licença que não tenho tempo para perder e quero estudar para ser freira.

Início da noite em Júpiter:

Com sua turma, Drog fuma maconha, cheira cocaína e bebe vodca com rum no Parque Ipanema e vão à casa de Gata para uma serenata.

- Gaata. Ô Gaaata!

Com ela na janela, escora-se na parede e grasna “Amar não é pencadu e sieu tivé erradu quissedani Deus, digo, quissedani u mundo eu quero é voncê” e cai no chão. Enquanto a turma o larga o pai da garota chama seu Joaquim Manuel de Algarves, pai do rapaz que o acorda com um chute:

- Mas o que é esta vergonha?

- ...

- Mais uma vez eu tenho que te buscar?

- ...

- Cala a boca!

- ...

- Por que você está aqui? Fala! Vamos fala!

- ...

- Cale a boca! Sabe de uma coisa? – Começa a tirar o cinto.

- Não, pai! Por favor, não!

- Cale a boca! Você está assim porque sua mãe te dá muita asa. Mas eu vou cortá-las agora.

- Não, pai! Eu não fa...

- Daqui para frente você vai mudar. Mudança ou morte!

Meio da manhã seguinte em Júpiter.

Gata, colega de Breguinha que mais a ridiculariza, vê suas amigas mais íntimas, Antônia e Mel, se beijando.

- É o meu primeiro beijo. – Pensa Antônia.

- É o nosso primeiro beijo. – Pensa Mel.

E sempre em pensamento:

- Sinceramente é muito bom.

- É muito bom. Mas sinto vergonha, nervosismo.

- Ai! Eu me sinto tão nervosa. Um nervoso bom...

- Sinto vontade de chorar. De gritar.

- Acaricia minha cintura enquanto a beijo timidamente.

- O sorriso dela. Os seus cabelos, seu jeito de falar. Tudo me encanta.

- Que lábios lindos. Os dela. Tem um gosto doce.

- Não sei o que fazer quando estamos juntas.

- Ela me beija e se afasta.

- Ela toda me encanta.

Gata fotografa e mostra para sua turma. Que ri e as excluem.

Meio de uma manhã na Terra:

Riquinha acompanha Luís até sua casa e ambos conversam sobre Lúcio, namorado de Luís, que enfrenta a pressão da família por namorar um homem.

- Parecem pensar que ser cego já é desgraça suficiente. Não precisa ser guei. Minha família também não entende. Porque eu, vou querer um cego e, pior, um homem.

- E você? Que vai fazer? – Riquinha pergunta.

- Eu não abro mão. Se não aceitarem, sairei de vez de casa e vou morar com Lúcio.

Chegam à praça onde Lúcio os espera e vão para a choperia se divertir.

Início da tarde em Júpiter:

Drog com as costas rochas sob a camisa vê Breguinha no ponto de ônibus da praça, mancando vai até ela e lhe canta.

- O seu pai é ladrão?

Breguinha, chocada: – Não!

- Então como é que ele roubou o brilho das estrelas e colocou nos seus olhos?

Breguinha sorri.

- Eu sabia que te conhecia de algum lugar... Dos meus sonhos.

Breguinha sorri.

- Não te doem as pernas de fugir dos meus sonhos todas as noites?

Breguinha sorri.

- A gente tem sotaque diferente. Vamos ver se beijamos igual?

O sorriso da menina aumenta.

- Imagina um coco numa ladeira. Rola ou não rola?

Toda eufórica cai na lábia. E seis meses depois, com três meses, vão para o altar.

- Isso é hora de chegar sua vagabunda?

- Eu... Eu atrasei por causa do...

- Não me interessa. Cadê o meu jantar?

- Vo... Vou fazer.

- Anda logo, sua inútil.

- Eu me atrasei porque um ladrão roubou o meu celular.

- O celular que eu comprei? Que eu paguei? Porque deixou, sua perdulária.

Fala já tirando o cinto.

- Por favor, não! Não! Perdão! Eu faço qualquer coisa.

Drog abaixa a mão, levanta o pé. Breguinha se ajoelha, beija e lava o sapato com suas lágrimas.

Tempos depois na Terra:

Riquinha conhece Roberto e se casam meses depois.

- Isso é hora de chegar?

- Desculpa! Eu atrasei porque um ladrão roubou o meu celular.

- E você resistiu?

- Não! Deixei o moleque levar.

Suspira aliviado.

- Mas ele era tão caro... Já passou na delegacia.

- Passar eu passei, mas se eles acharem duvido que devolvam.

Roberto sorri da ironia.

- Deixa eu começar o jantar.

- Ah! Ele já está quase pronto. Só faltam a salada e o ovo que deixei por sua conta porque todos que frito se esborracham todim.

Jantam vendo a novela. Estudam um pouco os cursos que fazem na faculdade e param... ouvindo a cama os chamarem.



Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Ofereço como presente de aniversário à Marilda Lyra.

Escrita no correr do mês de junho,

organizado por Rubem Leite e que escreveu em parceria

com seus alunos de Iniciação Teatral no Projeto Jovem Protagonista,

do GASP e com apoio do FMDCA:

Carol Carvalho, Isac Silva, Mariana Oliveira,

Mayra Gomes, Sarah Silveira, Victor do Carmo.

Ilustração do aluno Luan Luna.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

MEIO TERMO

Obax anafisa.

Se possível, ouçam “Meio Termo”, na voz de Elis Regina.

Se quiserem, peçam que enviarei o arquivo em mp3.


- Gosto de gente. Mas como diz Rubem, o autor de nossa estória, às vezes, muitas vezes, prefiro os cachorros. Costumam ser pessoas melhores...

- É! Ele também disse que está se sentindo, muito e a muito tempo, em cólicas de testículos nos textículos. E o pior é que venho me sentindo assim também.

- Rarrá! Por quê?

- Passa o vinho. Obrigado! Deixa eu ler o que ele me escreveu no faceboock “r-o RO. n-a... n-a? n-a-l NAL. d-i, d-i-n. Ah... não! d-i DI. n-h-o. NHO. RONALDINHO. Escreveu o Gaúcho e a Academia Brasileira de Letras lhe deu um prêmio. O Prêmio Machado de Assis. Máxima dos Dentes: ‘Não sabia que as letras tinham uma academia pra malhar’.”

Os três amigos riem. Estão no Parque Ipanema, no píer. E olham ao redor. Oscar atravessa o lago com o olhar e encara o arbusto. Camilo observa entre as frestas. Sérgio presta atenção nos patos. Camilo, ainda sem olhar para os amigos, diz

- Estou me sentindo infeliz nos últimos meses. – Os amigos olham para ele que brinca com as arestas de uma fresta. – Vocês sabem que tem tempos que freqüento uma religião e... E estou sentindo que estou sobrando. Não, não que eles tenham falado ou feito algo. Pelo contrário. É justamente porque nada falam. Nem me convidam para as atividades, pedindo meu apoio ou colaboração. – A umidade de seus olhos não é vista, mas é sentida pelos companheiros. – E eu queria apenas falar para alguém. Por favor, não me façam perguntas agora. Só queria mesmo por para fora minha tristeza.

Comem banana verde frita. Camilo olha para o lago. Oscar vê o poste e Sérgio fala após mastigar

- Ontem a Câmara dos Vereadores votou o repasse financeiro dos Projetos enviados para a Comissão Municipal de Incentivo à Cultura. Votou também uma proposta de renúncia fiscal para projetos culturais onde as empresas de Ipatinga poderão receber um “selo amigo da cultura” e poderão apoiar os projetos aprovados pela Lei Estadual de Incentivo à Cultura. Foram os projetos de lei 103/11 e 93/11. Todos os projetos foram aprovados por unanimidade. E o que me dói é que além de mim nenhum artista apareceu. Amanhã será a segunda votação obrigatória... Será que alguém comparecerá? E eu comuniquei a todos os meus conhecidos. Como podemos querer ser respeitados se nem nós nos respeitamos... Ou valorizamos?

Sérgio fala enchendo os copos descartáveis de Camilo e Oscar. Os dois olham para a lua que desponta.

- Todos dizem que a vida é curta. Acho-a tão looongaa. Não me olhem assim. Não sou suicida. Não mesmo.

- “A barra do amor é que ele é meio ermo. A barra da morte é que ela não tem meio termo. Ah como eu tenho me enganado, como tenho me matado por ter demais confiado nas evidências do amor. Como tenho andado certo, como tenho andado errado. A barra do amor é que ele é meio ermo. A barra da morte é que ela não tem meio termo”. – Canta Camilo e continua – Nós três amamos. Eu na religião, você – aponta para Sérgio – nas artes e Oscar à vida. – E os três riem e só param quando Oscar continua

- Por mais lindo que aqui seja tenho certeza que lá é mais belo. Pelo menos acho que não mereço nenhum lugar pior... E se posso ter o máximo porque me contentar com o mínimo? Calma, gente. Não vou fazer nada para acelerar o processo, mas tenho vontade de ir rápido. Além do mais é triste quando a maioria das pessoas que a gente conhece perde para os cães no quesito amizade, amor, fidelidade.

- Engraçado! Nunca fui acusado de heterossexual por escrever estórias de amor entre homem e mulher, mas me chamaram de homossexual por escrever estórias de amor entre dois homens. – Sérgio da breve pausa. – Pergunta retórica: Por que uma e não outra denominação?

- Vai entender. Coisa curiosa! Hoje uma usuária de drogas me pediu um cigarro. Disse-lhe que não fumo então ela me respondeu "Graças a Deus". Diariamente, quando algum deles me pede cigarro, me respondem algo parecido. Fazem-me pensar em muitas coisas. – Compartilha Oscar e Sérgio volta a falar:

- Dou aula de teatro para adolescentes, estudantes do ensino médio e para desenvolver o processo de criação ensinei haicai e nenhum, nenhuzinho sabia nem o basicão do que sejam sílabas tônicas ou átonas, ou seja, forte ou fraca. Assim vejo que pouquíssimos professores recebem pouco, mas a grande maioria recebe muito bem porque não trabalham. Então uma mulher me replicou “Achei o comentário do ‘professor’, no mínimo, infeliz. Ensinar e aprender é uma via de mão dupla. Não é mágica... rsrs” e contrarrespondi “É, sou mesmo infeliz. Como ser feliz com um monte de professores que não ensinam? Entendo que um ou dois alunos não aprendam, pois tudo é uma via de mão dupla nada mágica. Mas se nenhum aprende é que a via de ida não está funcionando resultando numa via de entrada à espera”. E o assunto reverberou, mas me calei. Já dei minha opinião. Tudo mais não passaria de discussão sobre o sexo dos anjos.

Os três olham para a lua que se despe de nuvens e se mostra inteira. Sedutora. E bebem o vinho.


Ofereço como presente de aniversário à Tiago S. Barreto e aos meus queridos sobrinhos

Priscilla P. Leite, Guilherme A. L. Macedo e P. Melanie B. Leite.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrita entre 21 de julho e 09 de agosto de 2011.

BAETA, Lourenço e CACASO – Meio-termo.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

EU NÃO SEI

“Não bastasse o bandido,

tem-se a polícia,

o juiz"*.


Obax anafisa.

Não sei! Eu, Willian Costa, simplesmente não sei se é melhor eu me calar ou se devo falar mais.

Descia para o Parque Ipanema e sob o viaduto a radiopatrulha parou. Três policiais. Nenhum gordo, nenhum magrelo, todos fortes.

- O que você leva aí? – Berrou o carona com suave voz de mel.

- Meu notebuque.

Dois desceram com armas na mão.

- Deix’eu ver. – Ordena um com suave voz de mel então abro a bolsa. – Tem nota fiscal?

- Aqui comigo, não. Está lá em casa. – Suspiro, ainda sem me levar pela raiva da inutilidade policial. Retiro o aparelho, que é preto, e mostro dizendo “tem um adesivo do Galo e outro da trupe Maria Farinha”. O descerebrado tenta usar o que não tem – cérebro – e diz

- Veja aí, siu “I not buck” tem alguma acaracterística.

O motorista pergunta pelo rádio e a resposta se faz entreouvir

Taf raf taf masfsfcis marca massosfsres branco. Taf raf.

- Nelinão. – Fala o caladão guardando a arma e, voltando para o veículo, o falastrão continua enquanto a guarda também

- Cetende porque a gente te parou-te.

- Entender eu entendo, mas não compreendo porque precisavam me acuar.

- ACUAR! – Grita o falastrão enquanto rosna o caladão e os dois voltam para mim com as mãos na arma ainda guardada.

Com raiva, mas em tom baixo, parte por medo e parte para não perder a compostura, digo

- Acuar e coagir. Três homenzarrões com armas não mão enfrentando um magrelo é o quê?

O caladão com arma na mão. Não apontada para mim, mas pronta. E o falastrão com suave voz de mel:

- QUÉ RECLAMÁ, PÓ RECLAMÁ. POMI DENUNCIÁ EU. DIGA QUIÉU LUCIANO. – E continua gritando. Agora ambos com armas na mão. Não apontando, mas prontas.

- Não! Quero não!

Penso: denunciar para quem? A polícia para polícia? Como aconteceu em 2002 com Heder, um conhecido meu, preso por não aceitar os desmandos da polícia que revistava com agressão um negro. Ambos foram presos, Heder passou o resto da madrugada apanhando e ao amanhecer lhe perguntaram se tinha alguma queixa...

- OCÊ TÊINQUI TÊ RESPEITO PELAS AUTORIDADE.

Penso: respeito? Como aconteceu com minha irmã que teve sua casa assaltada, prenderam os ladrões e os policiais disseram não terem encontrado os objetos. Meu pai, advogado, entrando na delegacia – a que fica no Centro, na avenida João Valentim Pascoal, para ser mais preciso – encontrou lá os objetos roubados que eles não tinham encontrado...

- A GENTI SOMOS TRABALHADORES.

Penso: trabalhadores? Como no ano passado eu dando aula de teatro para adolescentes na rotatória do bairro Canaã e tinha, quando chegamos, dois policiais obesos e sedentários ou sedentários e obesos no posto de gasolina. Meus alunos, de olhos vendados, examinavam toda a rotatória. Exatamente vinte e dois minutos depois os policiais aparecem mandando com suave voz de mel que os garotos tirassem as vendas. O que foi feito. Então, depois que estragaram minha aula, falaram “podem colocá-las”.

- OCÊ TEM QUI SABER CONVERSAR, VIU?

- Penso: conversar como? Primeiro eu os detesto pela suas inutilidades e desmandos. Segundo eles não tem capacidade de dialogar. Terceiro, eu, Willian Costa, simplesmente não sei se devo falar mais ou se é melhor me calar quando se encontra com quem desmanda com armas nas mãos e nenhuma capacidade de dialogar...


Ofereço como presente de aniversário à

Martin Dali e Camile Gracian.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

* DELARTE, Willian – Sentimento do Fim do Mundo – poema Existencialidade – São Paulo: Editora Patuá, 2011.