quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

CARO ANÔNIMO

Obrigado pelo que me disse. Sinal que me leu e para todo escritor ser lido é uma maravilha. Principalmente para mim que nunca, em hipótese alguma, quis ser dono da verdade, uma vez que isso dá muito trabalho e pouco lucro. Como todo escritor desejo que gostem do que escrevo e como ser pensante que sou quero que meus leitores pensem. Ou seja, concordem ou discordem. Mas que pensem. Assim segue abaixo sua crítica feroz que, mais do que me incomodar me, arrancou um sorriso...

“você é um babaca, não sabes tu e todos os petistas ipatinguenses que o vosso candidato estava sob júdice e que ,por tal causa foi cassada a candidatura dele . sinto muito . mas, nas próximas eleições , votem em candidatos de fato e não candidatos fantamas,ladrões,mentirosos,rejeitados pelas leis de Deus e dos homens;não votem em ferramentas sujas , para que as imundices do tal venha respingar em vós.” *

Permita-me agora fazer alguns comentários:

1º) Não lhe respondi pessoalmente, pois não sei que você, caro “Anônimo”.

2º) Acho engraçado as pessoas pensarem que sou petista. Não. Eu não sou petista, apesar de muitas vezes, a maioria até, ter votado no PT e outros partidos de esquerda já votei e nada me impede de votar novamente em partidos de direita. Também acho estranho que acusem os pensantes ou patriotas de PT, pois discordo que seja preciso ser do PT para pensar e\ou para ter amor, respeito e cuidado pela Pátria, Estado e Município.

3º) Acho terrível que um candidato que esteja sob suspeita possa ser candidatar, mas acho muito pior liberar um candidato para depois fazer, perdoem todos que me lêem, a “merda” que estão fazendo. Tira, põe. Tira, põe. Peço a Deus que não permita que aconteça em Ipatinga a desgraça que foram os quatro últimos anos em Timóteo MG.

4º) Pelo que pude entender e se eu estiver errado, pelo amor de Deus me corrijam, mas me corrijam com fatos e não com “disse-me-disse”. Entraram contra o Chico em diversas estâncias e em todas elas Ferramenta foi liberado. Aí entraram de novo em outra estância. Fazendo uma novela chata.

5º) Quanto ao Quintão... Não sei se uma criatura megalomaníaca pode ter alguma ligação com Deus. Alguém que já se disse Moisés. Aquele do Antigo Testamento. Isso no período eleitoral que disputou com João Magno. Não sei se você se lembra. Segundo palavras do Quintão “Assim como Moisés matou um homem para seguir a vontade de Deus eu também já matei um”. Saiu em alguns bons jornais da época, como o Diário do Aço, por exemplo. Não se contentando em ser um “mísero” Moisés ele já se declarou Deus. Pode procurar nos jornais Estado de Minas e no Hoje em Dias de ... (estou em dúvida se no início de 2006 ou de 2007): “Se Deus pode por Seu Filho para governar o mundo porque eu não posso colocar meu filho para governar Ipatinga?”.

6º) Ainda sobre o Quintão. Não sei se você sabe, mas uma das funções do Vice-Prefeito é substituir o Prefeito quando ele não puder ocupar suas funções. E do Presidente da Câmara substituir quando nenhum dos dois puderem ocupar seus deveres. Se bem que a Marisa Rapina ou o Nadielo fosse duas nulidades... Bem, por Lei (descomprida) se o povo coloca alguém para governar não é para outros mandarem... E o Quintão obedeceu a Lei? O que mais me dói é que poucos ficam sabendo disso e um número menor de pessoas fez algo para a sociedade. Eu fiz. Está denunciado na revista cultural Nota Independente.

7º) Quintão também não pode se candidatar e ele ainda insiste em se manter na prefeitura. Digo, igreja. Pois ele não sabe separar sua vida religiosa (para mim ele não passa de um tartufo, mas isso não vem ao caso agora. Ou vem? Segundo impresso dele quem não for cristão ou da igreja dele deve ter todos os direito cassados. Duvida? Quem sabe ler vai entender. Tenho uma cópia do referido documento que você poderá ver aqui mesmo no blog, postado no dia seguinte ao da eleição. Ou se não acreditar em mim procure alguma cópia). Repetindo, ele não sabe separar sua vida religiosa(?) de sua vida pública.

8º) Pouco posso falar da “indigestão” que foi o mandato dele em questões como Moradia, Segurança e outros ... e o pouco que vi foi absurdo... diga-me, seu eu lhe dou, por exemplo, R$100,00 e uma lista de compras e você vai ao mercadinho, a mercadoria é sua, que foi lá, ou é minha? Se o Governo Federal dá uma verba é a lista do que tem que fazer, o autor da obra é o Governo Federal ou o Quintão? Sobre a Saúde, vejamos... Passei os três últimos anos tentando tratar de um de meus dentes que está em petição de miséria e no final das contas ouvi da funcionária que tenho duas opções: “O senhor pode continuar com dor de dente ou pode arrancá-lo”. Imagine ouvir isso nos dias de hoje numa cidade do porte de Ipatinga.

9º) Vou parar por aqui, pois se eu falar da cultura vou, na melhor das hipóteses, apenas triplicar as denúncias sobre o desgoverno que foi o Quintão. Se quiser é só me pedir que te mando um mundo de notícias. Mas “para não dizer que não falei das flores”, no caso, “flores do mal”: Sabe quem foram os Secretários da Cultura? É de morrer de ri (para não chorar, claro): Um Zinho qualquer, Zé Osmir e uma lera de incultos. Até pensei “porque não me colocaram secretário da saúde. Afinal, não é preciso entender da área para trabalhar...”.

Mas deixo claro, caro Anônimo, que você tem toda a liberdade para discordar de mim. Só peço a Deus que você seja um pensante e não um vendido.



* Comentário postado por “Anônimo” no artigo Basta: Ipatinga Exige Respeito. Datado de Quarta-feira, 7 de Janeiro de 2009

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

MARIA TEREZA

O galo cantou e Maria Tereza se levantou sorrindo para cuidar da casa. Ela sonhara com o gatinho que tanto queria e que seu pai se opunha: “Custa caro cuidar de gatos e não temos dinheiro. Além disso os gatos miam muito quando estão apaixonados e eles estão sempre apaixonados”.

Maria Tereza arrumou a casa, fez o café, lavou as roupas da casa, fez o almoço, passou as roupas lavadas ontem da cliente, fez o jantar, entregou as roupas da cliente, jantou, deitou e sonhou com o gatinho.

Seu pai sempre lhe sorria, o que lhe dava energia. Seus irmãos sempre reclamavam, às escondidas do pai, até o dia que o velho morreu. Assim eles chamavam o pai pelas costas e disseram: “Finalmente! O velho morreu. Agora podemos fazer o que quiser”. Disse o primeiro. Repetiu o segundo e até o quinto falou o mesmo.

No dia seguinte à morte do pai e no outro, na semana seguinte e na outra, no mês seguinte e no outro, Maria Tereza sonhou com o gato, fez a comida, arrumou a casa, lavou e passou para dentro e para fora. E seus irmãos: “Mulher, que comida ruim. Desse jeito não vai casar. Pega água pra mim, lerda”. Até o dia em que ela consultou o sábio Celular, um mago das redondezas. “Minha menina. A sua vida é outra. Não é na aldeia. Onde quer que você for, o que quer que faça. Você sempre será estranhada. Então seja normal para si” e ela se pôs a pensar. De noite sonhou com o pai sorrindo e lhe dando o tão desejado gatinho. Acordou, fez o café e saiu.

Foi para o interior da floresta. Um medo lhe seguiu. Achou um lugar. Um sorriso ela achou. Riacho à sua esquerda. Rochas à direita. Árvores por todo o redor. Um quadrado perfeito no centro. Maria Tereza cantou:
Sou menina. Vou ser mulher.
Aqui vou morar. Aqui serei eu.
Não serei menina. Serei mulher.
Aqui poderei sorrir e chorar. Mas o mundo será meu.

Entre sóis e chuvas fez um barraco.
Entre sóis e luas estudou a vegetação próxima.
Entre uma lua e dois sóis adquiriu um gatinho preto e branco. Depois outro todo preto e depois outros gatos.
Entre sóis, luas e chuvas Maria Tereza foi criando corpo de mulher.

Na cidade os homens a enxotavam e as mulheres a xingavam.
Seus irmãos blasfemavam.
Na floresta os homens a cortejavam e as mulheres a consultavam.
Seus irmãos a chantageavam: “Vamos denunciar suas artes”.
E Maria Tereza cantava:
Quem me chama de bruxa vem aqui
Dou a resposta que pedem ou a que querem
Dou a cura pelas ervas e pelo dormir
Sou Maria Tereza, a que todos querem.

Entre sóis e noites Maria Tereza viveu no casebre até se transformar pela Lua. Não se sabe se numa erva, a alfazema, que ela tanto gostava; se num gato ou se numa pedra que ela tanto usava, a ágata musgosa.
O que se sabe é que Maria Tereza sempre foi procurada e sempre repudiada, mas que viveu muitos sóis e luas e noites.
Eu sei. Eu vi. Eu, seu irmão, a denunciei.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM


Texto de Rubem Leite.
Ilustração de Sandro Assunção.


“O Macedo tomou o seu copinho de cachaça e saiu trôpego, apoiando-se à bengala.
- Cabra velho mentiroso! - disseram os outros em coro, mal o viram pelas costas.
- Mentiroso, sim, lá isso é - sentenciou seu Bento gravemente. – Mas, ninguém me tira da cabeça que, desta vez, o Macedo se esqueceu de mentir. – . Se essa história não é verdadeira, já vi coisa parecida” (O Lobisomem, de Raymundo Magalhães).

- O que você viu? Perguntou o Doca.

- “Se ele viu uma lobisomem fêmea eu já enfrentei um lobisomem macho. Fala enquanto uma névoa se forma em sua cabeça e lhe toma a visão. “Quando eu ainda era um rapazote ia à missa todos os domingos e depois, para casa. Mas não tinha jeito, toda semana eu tinha que confessar, pois não parava de pensar nas mocinhas e tinha medo de que nascesse pelos na minha mão”. Falou olhando para sua palma esquerda. E nos rostos ao redor um sorriso zombeteiro que ele não percebeu. “O Padre Francisco era um bom homem. Homem de verdade. Por isso não acho que ele tenha realmente pecado por fazer amizade com a Joana. Mas antes dele morava aqui o Padre Gino. Um italiano. O homem era peludo como um cachorro... ou um lobo. Debaixo das mangas e acima do colarinho saiam uns tufos enormes de uns pelos cinzentos. Seu nariz parecia o nariz de um porco e suas orelhas eram pontudas. Pouco risonho. Apesar de feio suas missas estavam sempre cheias de gente e as beatas todas suspiravam por ele...

- As beatas? Perguntou o Mosqueiro rindo.

- “Sim! As beatas e as moças também. Todas as mulher parecia ter um fogo debaixo das saias quando se aproximavam do padre. Um fogo controlado porque pelo que se imagina ele nunca fez nada com elas e elas se mantinham respeitosas diante do semblante severo do Padre Gino. Mas não é sobre esse efeito dele que vou falar. Como tava dizendo. Toda semana eu ia me confessar. Uma tarde, depois de falar o mesmo que sempre dizia. ‘Pensei na Rosinha’. ‘Pensei muito, cinco vezes, na Chiquinha. Mas em que muito pensei, muito mesmo, dessa vez foi na Mundinha que tava olhado para mim”.

- Mundinha? O senhor ta querendo dizer na mulher do Zenóbi? Mãe do Quinzé? A santa que jura nunca ter pensado naquilo nem mesmo depois de casada? Perguntou Valdivino.

- “É”! Entre os risos ele continua “O Padre me disse ‘Bentinho, meu menino, isso é coisa da idade. Apesar de feio. Quando você ficar pensando nisso não deve ficar sozinho. Vem para cá para a gente rezar juntos’. A 6ª feira seguinte era treze de agosto e lua cheia. E eu comecei a pensar muito na Chiquinha, na Rosinha, na Mundinha e por aí vai. Para não cometer pecado fui à casa paroquial para rezar com o padre. Chegando lá o padre estava rezando com as beatas o terço do Ângelus e rezei também. Terminado a reza ele despediu depressa as beatas e estava suando muito e me chamou para sua casa. Fui. E ele suava cada vez mais. Começamos a rezar só nós dois. De repente percebi que algo nele estava crescendo. Suas orelhas estavam mais pontudas. Suas narinas, mais abertas. Seus dentes... Mas o que mais me assustaram foram seus olhos. Selvagens. Famintos. Ele me segura os ombros e se aproxima de mim com sua boca arreganhada. Suas mãos peludas. Nunca entendi como sua batina se abriu tão rápido. Nunca vi tanto pelo num homem. Não! Não era um homem. Era... Eu me soltei de suas mãos ... ou patas e andei para trás e ele, monstruoso, ia até mim. Suas mãos. Seus olhos. Sua boca. Seu”. Todos olhavam fixo para seu Bento que continuava sem vê-los. “Nós estávamos na sala. Corri até a cozinha e vi sobre a mesa uma faca prateada. Ele andava e seus dentes estavam maiores. Sua boca, mais aberta. Suas orelhas, mais pontudas. Suas mãos estavam mais compridas. Suas unhas negras. Seu. Ele me segurou forte como só alguém que não é desse mundo pode segurar. Ele tentou me comer”. E todos, mais do que até então, nem respiravam e só olhavam para seu Bento. “Gritei PAI NOSSO QUE ESTAIS NO CÉU E NOSSA SENHORA, PROTEGEI-ME. Enquanto pegava a faca e metia em seu ombro. Ele gritou. Caiu desmaiado por cima de mim me jogando no chão e me mantendo preso debaixo dele. Não consegui tirar o cadáver de mim”.

- Cadáver! Exclamou Baé.

- “Na hora achei que tinha morrido, mas não demorou muito e ele começou a se mexer. Saiu de cima de mim. Normal. Feio como sempre, mas normal. E perguntou o que aconteceu. Assustado contei tudo”.

- E ele, o que fez? Perguntou Zé Preto.

- “Ele me disse que se eu falasse para alguém o que aconteceu, antes de ser preso ele iria até minha casa”.

- E você nunca falou para ninguém? Perguntou Januário.

- “Não! Fiquei com medo”.

- Mas também nunca mais voltou a igreja. Perguntou o cético Doca.

- “Como disse antes. Ele era assustador, mas tinha um fascínio. Nunca mais voltei à sua casa, mas também nunca mais faltei à missa dele. Até que alguns anos depois ele morreu. Era 6ª feira treze de agosto. Treze horas depois das trezes horas. Madrugada de lua cheia”...

- Como você sabe a hora que ele morreu? Perguntaram Doca e o capitão.

- “Apenas sei”. E a névoa se desfez em sua cabeça e sua visão voltou. “Mais uma cachacinha, pessoal. Essa é especial. Só a dou em ocasiões como essa. É por conta da casa”. Enquanto entra para pegar a branquinha. Todos comentam entre si a bobagem que ouviram. “Aqui está, pessoal”. Todos bebem sob o olhar de Bento que vai de um para o outro. Enquanto o dia passa eles vão indo embora. Os últimos a saírem, já começando a escurecer, são o capitão Mosqueiro e o poeta Doca. E os olhos de Bento estão vermelhos, seus pelos, maiores e tudo vai crescendo lentamente enquanto ele fecha a porta e observa os dois sumindo na penumbra. É 6ª feira treze de agosto de uma noite de luz cheia.



sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 4

Raymundo Magalhães
www.dominiopublico.gov.br

- Não me mate, seu Targino! Não me mate que eu sou a Joana do padre Francisco.
Era a Joana mesmo, minha gente. Estava diante de mim nua em pêlo, suja de terra, com o sangue a escorrer de uma facada do lado esquerdo. Eu tinha desencantado a bicha...
- E depois?
- Depois a Joana confessou-me tudo. Era castigada, por ser amiga do vigário, há muitos anos. Todas as sextas-feiras, houvesse o que houvesse, tinha de cumprir aquela penitência: saía de casa, à meia-noite, e quando chegava a uma encruzilhada, tirava a roupa e espojava-se no chão como uma besta. Imediatamente, virava um bicho feroz e partia a galope para correr as cinco partes do mundo, até o dia clarear. Só de manhãzinha voltava a ser gente. Mas, agora, ficara livre de tudo, porque eu havia quebrado o encanto...
- Isso não foi sonho, seu Macedo? - perguntou um gracioso.
- Sonho? Eu também pensei que fosse sonho quando acordei no dia seguinte. Mas, logo me convenci de que tudo era a pura realidade. Fui à casa da Joana e encontrei-a muito doente, estirada numa rede. Dizia ela às mulheres que lá estavam que lhe tinha dado uma dor, de repente, numa costela, do lado esquerdo.
Mas, a mim, quando ficamos sós, pediu-me pelo amor de Deus, por alma de minha mãe, que não dissesse nada a ninguém. Jurei. E só agora, depois que ela e o padre já estão com os ossos brancos, é que eu me atrevo a contar a história.

Acabou, triunfante. Tomou o seu copinho de cachaça e saiu trôpego, apoiando-se à bengala.
- Cabra velho mentiroso! - disseram os outros em coro, mal o viram pelas costas.
- Mentiroso, sim, lá isso é - sentenciou seu Bento gravemente. – Mas, ninguém me tira da cabeça que, desta vez, o Macedo se esqueceu de mentir. – . Se essa história não é verdadeira, já vi coisa parecida.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 3

Raymundo Magalhães
http://www.dominiopublico.gov.br/

... o governo e a nossa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, em vez de instruírem o povo, tratam de embrutecê-lo, cada vez mais, para que ele permaneça eternamente, a mesma besta, fácil de governar com um freio - quer esse freio seja o terror do inferno, quer o terror da lei!
Calou-se, desolado, com aquele desabafo, certo de que ninguém compreendia a beleza do seu pensamento. Bebeu mais um copinho. Zangou-se por se julgar um incompreendido, no meio daqueles matutos broncos e passivos. E, de zangado, engoliu, logo em seguida, outro copinho. Irra!

- Esta mocidade de hoje - disse o velho Macedo. - Esta mocidade de hoje não crê mais em nada. Por isso é que o mundo está perdido e acontece tanta desgraça feia... Se até os meninos como você, Doca, já são ateus, maçons, dizem que Deus não existe... Pois fique sabendo, moço, que Deus está lá em cima e que há muita coisa, muita coisa... Almas do outro mundo, lobisomem, tudo isso é verdade. Eu nunca vi alma, mas lobisomem já topei um...

Explodiu uma gargalhada na roda. Seu Macedo, um velhinho pequenino, melgaço, de olhos azuis, cabeça enorme, era conhecido como o maior mentiroso das redondezas. Não abria a boca que não fosse para contar histórias de onça, cada qual mais estapafúrdia, e ficava furioso, quando punham em dúvida a sua palavra. Como, de resto, as suas mentiras não faziam mal a ninguém, não passando de arrojadas fantasias, todos gostavam de ouvi-lo e muitos o estimulavam a contar casos maravilhosos.
- Pois conte, lá seu Macedo, conte lá a história do lobisomem. Vamos.

- Foi em Santa Quitéria, meninos. Vocês sabem que eu sou daquele sertão, de onde vim para aqui na seca dos três sete. Eu era rapaz moço, dos meus dezoito anos, e nesse empo não tinha medo de nada. Corria atrás de boi no mato fechado, matava onça de faca, pegava cascavel pelo pescoço e quando ela abria a boca para morder, cuspia-lhe dentro mel de fumo. Depois soltava a cobra. Ela estrebuchava, estrebuchava, e morria. Eu era doido varrido... E se havia coisa que eu tivesse vontade de ver de perto era um lobisomem. Se fosse possível, até pagava para me encontrar, frente a frente, com um bicho desses. Queria tirar-lhe o encanto. Como vocês sabem, o lobisomem é perigoso, mas basta que a gente o fira, mesmo de leve, com uma faca, de ponta, para ele desencantar. Pois bem. Parece que foi mesmo um castigo. Uma noite, escura como breu, eu vagueava sozinho, pelas ruas da vila, levando como única arma uma faquinha de cortar fumo, um quicé à toa...

Fui andando, fui andando, perfeitamente calmo, sem encontrar nada no caminho, a não ser uma ou outra rês deitada na rua e que se levantava à minha passagem. Cheguei assim até perto do patamar da matriz, quando um bicho medonho, quase do tamanho de um jumento, com os olhos de fogo e dentes enormes, se botou a mim, como se me quisesse devorar. Tomei um susto pavoroso. Pulei para trás como um gato. Só tive tempo de gritar pelo nome de Nossa Senhora e arrancar o quicé. O bicho estava em cima de mim, danado. Mandei-lhe o ferro de rijo. As primeiras facadas perderam-se e o maldito, de um tapa, arrancou-me o peito da camisa. Fugi o corpo de banda e toquei-lhe a faca mesmo com vontade. Nisto ouvi um grito horroroso, que me fez arrepiar os cabelos.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 2

Raymundo Magalhães
www.dominiopublico.gov.br

Certa manhã, ainda com escuro, estava a rodinha formada, uns sentados no balcão, outros em caixas vazias de gás. Era em junho. Fazia um frio de bater o queixo. A cachaça corria com mais abundância e a palestra aumentava de animação, à medida que os copinhos se repetiam. A neve, como lá se chama a cerração, era tão espessa que não deixava ver nada a vinte metros de distância. Por isso, ninguém reparou na chegada do Zé Vicente, um lavrador de Pavuna, senão quando ele, depois de ter amarrado o cavalo à gameleira da porta, entrou na bodega, muito maneiroso, dando os bons dias e apertando a mão de cada um.

Seu Bento quis saber logo que novidade era aquela, porque aparecia ele assim de madrugada. Haveria doença em casa?

- Foi a mulher que quebrou o resguardo - explicou o Zê Vicente. Teve criança há três dias e estava passando muito bem, quando, ontem de noite, aconteceu uma desgraça...
- Que foi? que foi? - perguntaram todos ao mesmo tempo.
- Acho que foi um lobisomem. Pela meia-noite, ouvimos um bicho rosnar e arranhar a porta do quintal com muita força. A cachorrinha, parida de novo, deu logo sinal do lado de dentro e o bicho largou um grunhido que nos encheu de pavor. Talvez seja um guaxinim, disse eu à mulher. Quis-me levantar, sair fora, para ver que marmota era aquela, mas a Maria não deixou. Depois, mais nada. A Baleia calou-se. Pegamos no sono e, hoje de manhã, ao despertar, verificamos que à porta dos fundos estava aberta e o bicho havia comido a ninhada de cachorrinhos que estava na cozinha. A Maria jura que foi um lobisomem. Eu também acho que sim. O certo é que a pobrezinha tomou um susto medonho, quebrou o resguardo e, agora, está para morrer.

Seu Bento consolou o pobre homem sobre cujo lar desabava uma tamanha calamidade:
- Isso não é nada, Zê Vicente. Dá-se um jeito. Tenha coragem e fé em Deus.
Consultou demoradamente o Chernoviz:
- O remédio é um purgante de Leroy ou então Água Inglesa. Leve o laruá (era assim que ele pronunciava) leve o laruá e venha me dizer, amanhã, se a mulher melhorou.
Ninguém se atrevia a interromper seu Bento, quando ele tratava de medicina. Quem o fizesse, imprudentemente, podia ter a certeza de que o velho curioso esmagá-lo-ia com um olhar colérico e com esta simples apóstrofe - Filho!... Filho, apenas. Não dizia de quem mas todos sabiam o verdadeiro sentido daquele palavrão...

Zé Vicente guardou o remédio, pagou-o, despediu-se dos circunstantes e partiu a galope. Tomou-se mais uma rodada e os comentários, então, esfuziaram.
- Santa simplicidade! - observou seu Doca. - Quanta gente estúpida existe ainda por este mundo! Crer em lobisomem e almas penadas, em pleno século XX, no Século da
Eletricidade, só mesmo nesta infeliz terra! Mas, não pode ser de outro modo, porque o governo e a nossa Santa Madre Igreja Católica Apostólica Romana, em vez de instruírem o povo, tratam de embrutecê-lo, cada vez mais, para que ele permaneça eternamente, a mesma besta, fácil de governar com um freio - quer esse freio seja o terror do inferno, quer o terror da lei!

Casamento Negro - curta metragem

ola pessoal.
Já começamos os preparativos para as gravações do curta-metragem "Casamento Negro", com direção de Sávio Tarso. A previsão é começar as gravações em Janeiro e estamos selecionando o elenco para o filme.
Teremos uma reunião agora dia 08/01 as 18h no Espaço Hibridus - Av. 28 de Abril, 621 sl.402 Centro Ipatinga ( ao lado Igreja Catolica no JG SHOPPING) onde estaremos explicando o projeto, o único requisito é que a pessoa seja negra.
favor divulgar o email entre amigos.
maiores informações: 8829-9591.
Abraços.
Leila Cunha

BASTA: IPATINGA EXIGE RESPEITO!

AQUI ESTAMOS
Boletim Informativo do
Movimento Ipatinga, Nossa Cidade – Janeiro/09 - n° 2


BASTA:
IPATINGA EXIGE RESPEITO!

Os resultados das eleições de outubro foram golpeados pelos que pensam que o dinheiro tudo pode. Contra a vontade do povo, Quintão é o prefeito de Ipatinga. Um golpe judicial, irresponsavelmente, entrega a administração do município nas mãos de um cidadão rejeitado pela esmagadora maioria dos seus moradores.

Com manobras judiciais, os golpistas de plantão tentaram, primeiramente, impedir que Chico Ferramenta disputasse as eleições. Mas a Justiça frustrou suas intenções.

A candidatura de Chico foi registrada e o povo de nossa cidade, consciente do que é bom para Ipatinga, impôs, nas urnas, uma derrota inquestionável ao principal representante dos golpistas de plantão.

Nas urnas, os votos dos ipatinguenses gritaram, bem alto:

FORA QUINTÃO!

Mas os poderosos não desistem. Eles são capazes de tudo para atender aos seus interesses.

Com a colaboração de certos órgãos de imprensa, promoveram uma campanha sistemática de manipulação da opinião pública, semeando em todos a incerteza quanto ao futuro da Cidade.

Num verdadeiro arrastão junto à justiça eleitoral conseguiram, na última hora, a peso de ouro, impedir a posse de Chico Ferramenta e Lene Teixeira, democraticamente eleitos pela maioria do povo de Ipatinga.



BASTA!

Com a cumplicidade de certos juizes que nada conhecem da nossa Cidade, de nossa gente e da nossa história, os verdugos conseguiram dar posse àquele que foi derrotado fragorosamente nas urnas e cujas contas eleitorais foram rejeitadas, tornando-o inelegível por 3 anos.

Foi dada posse a um candidato com extraordinária taxa de rejeição que obteve o voto de menos de 30% do eleitorado da Cidade e não mais de 36% dos votos válidos. Um candidato derrotado por uma diferença de 15 mil votos.

A vontade popular foi aviltada! E a isso o povo diz: BASTA! Não toleraremos uma administração autoritária, despótica, corrupta e incompetente. Uma administração medieval, fundamentalista, que, numa afronta direta à Constituição do País, desconhece que a religião, no Brasil, está separada do Estado desde a proclamação da República.

O POVO QUER:
CHICO DE NOVO

Acreditamos na Democracia. Ainda acreditamos na Justiça. Esperamos que nossos Tribunais corrijam o erro da decisão de um juiz que desconheceu o resultado das eleições e a soberania popular manifesta nas urnas e nas ruas. Com certeza, desta vez, aplicarão a Lei, considerando, em sua decisão, os interesses de nosso povo, interesses presentes e interesses futuros e, mais uma vez, farão justiça, recolocando as coisas no trilho das decisões democráticas e coerentes com um verdadeiro Estado de Direito. Afastarão de imediato o Usurpador da Prefeitura e darão posse, também imediata, a Chico Ferramenta e Lene Teixeira, legitimamente eleitos pelo povo, em 5 de outubro.

DIRETAS JÁ !

Enquanto a democracia e a justiça não prevalecem, que todos fiquem alertas e manifestem seu repúdio e descontentamento a tamanho golpe e vilanias.

A história da democracia de Ipatinga foi enxovalhada. As eleições de Ipatinga só serão revestidas de legitimidade e de legalidade, quando a vontade popular for respeitada e prevalecer o acatamento às suas decisões soberanas. Só assim o processo eleitoral e nosso voto terão valido.

Ou é Chico de novo ou o povo exige nova eleição.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

O LOBISOMEM – parte 1

Raymundo Magalhães
www.dominiopublico.gov.br

A primeira bodega que se abria, na feira do Jacaré, era a de seu Bento. Logo muito cedo, mal o dia começava a raiar, ele saía de casa, embrulhado num cobertor de lã, por causa do frio cortante, escancarava as duas portas da frente, ia à ancoreta de cachaça pousada em cima do balcão, tomava um tronco, para esquentar o corpo e ficava, por algum tempo, passeando dentro do quarto, à espera dos primeiros fregueses. Estes não demoravam a chegar. Eram, de ordinário, os mesmos: seu Valdivino, marchante, dono do açougue vizinho, conversador inesgotável e cacete, depois da terceira golada; o capitão Mosqueiro, espírito alegre e vivo, grande contador de anedotas picantes, que, apesar de muito repetidas, arrancavam formidáveis gargalhadas; seu Doca, o mais moço de todos, prosador e poeta, que assombrava a terra com os seus violentos artigos políticos nos jornais da capital e já era uma celebridade consagrada pelo Almanaque de Lembranças... Tivera estudos. Toda a gente o
considerava um moço preparado. Fazia graça de um grosseiro materialismo e, de vez em quando, atracava-se em polêmica com o vigário da freguesia, um santo homem, que tomava a peito converter o herege... Só mais tarde chegavam o Baé, o Januário, o Zé Preto, o velho Macedo, o Caboquim, e outros negociantes das imediações, que formavam uma grande roda, aplicada, toda a manhã, até à hora do almoço, a beber copinhos de cachaça e a falar da vida alheia...

Quando seu Bento abria a porta, vinha de dentro do quarto um bafo morno, nauseante complexo, em que se misturava o cheiro de mil coisas heterogêneas: sardinhas secas, jacas, rapaduras, fumo de corda, álcool, drogas, plantas medicinais, queijos, alhos e cebolas brancas, bananas, atas, avoantes. . . Além de negociante de gêneros alimentícios, seu Bento era também muito entendido em assuntos de medicina caseira. Como na terra não havia médico nem boticário, ele desempenhava o papel de curioso: com o auxilio do seu bojudo Chernoviz, aconselhava remédios a quantos recorriam à sua experiência, e dizia-se que estava só para tratar das doenças do mundo... Jalapa para estes, batata para aqueles outros, eram os seus remédios prediletos. Se não fizessem bem, não podiam fazer mal. Custavam pouco, mas esse pouco lhe bastava para ir vivendo folgadamente, em meio à sua vasta
clientela.

Seu Bento era um belo tipo de homem, muito branco, de nariz aquilino, com uma barba cerrada e longa, cujas pontas tinha o hábito de retorcer, com arrogância. Andava pelos setenta anos, mas estava forte, esperando viver, pelo menos, o dobro... Extremamente desasseado, sempre de corrimboque em punho, a fungar pitadas de tabaco, com um enorme lenço de ganga sobre um dos ombros, era uma figura pitoresca pelo seu modo de vestir. Quer de verão, quer de inverno, calçava tamancos e o seu traje compunha-se de uma calça de riscado e de uma camisa de madapolão com as fraldas soltas que lhe alcançavam os joelhos. Nada neste mundo o obrigaria a passar os panos ou a enfiar um paletó. Ia assim a toda parte, à igreja como ao mercado, e, mesmo quando se faziam eleições, era em fralda de camisa que dava o seu voto ao governo.