Obax anafisa.
- Do que podemos conversar?
- Podíamos falar do que lhe aconteceu, Benito!
- O quê?
- Que você é bailarino.
- É... Eu sou um artista da dança e não sabia. Senti a picada de uma abelha sádica e psicopata e fiz uma grande apresentação de balé clássico em plena avenida. E com direito a aplausos e tudo.
- Rarrarrá! Rarrarrá!
Não falo mais nada. E me perco em meus pensamentos.
- Benito!
Olho para frente e depois para onde veio a voz. Lóri! Atravesso a rua, não sei porque, e lhe ofereço do petisco que como. Eu sorri? Acho que não. Senti a cara dura. Nem triste, nem alegre. Não senti nada. O costume de gentileza me moveu.
- Vai para a casa, Benito?
- Vou!
Paramos numa esquina e lhe pergunto se seguirá pela rua que corta onde estamos.
- Sim!
Então me afasto despedindo com a cara firme. Nem triste, nem alegre, nem nada.
- Bê! Você está me escutando?
- Claro! Podíamos falar da minha vontade de dar uma de Greta Garbo e não ver ninguém, Benta.
- Isso é estranho. Você é o único homem que conheço que não gosta de sair. Que prefere ficar em casa.
Apenas lhe olho.
- Isso não é... muito coisa de... homem.
Não é coisa de homem... Devo dizer que isso me irritou? Como assim não sou homem?
- Acho que não estou rico porque se tivesse, penso, não iria ver ninguém nem recebê-los. Assim não aprenderia tanto como acontece ao conviver com outros.
- Benito! – Benta continua a falar sem se aperceber que não mais a ouvia. E por falar em ouvir... perco-me numa discussão que tive sobre educação:
- Não entendi o texto... Os alunos houvem ou ouvem? – Pergunta Gina Cava.
- Com “h” é do verbo haver. – Interfiro. – Então “os alunos houvem”, com h, não tem sentido. Com “o” é do verbo ouvir “os alunos ouvem”, a frase tem sentido.
- A carência de educação se revela até na minha capacidade de “houvir”. – E ri D. Laerte.
- Benito! Eu entendo o sentido da frase. Até porque falo português há, com h, exatamente quarenta e um anos. O suficiente para ter aprendido a diferença entre (h)ouve, com h ou com o.
- O que esperar de um país onde escritores escrevem houvir com h e ninguém iscuta? – D. Laerte continua rindo mordaz.
- Como professor de português, fica difícil para mim não interferir. Sou professor de português, mas enfrento uma barra porque deixo claro para meus alunos que não falamos português. Isso foi uma ideia de pomba descerebrada do Marquês de Pombal... Se o Brasil fala português, Portugal fala latim.
- Benito! Difícil para “mim” não interferir? “Mim” conjuga verbo?
- Viu? O Brasil não fala português. – Respondo bem humorado.
- O Brasil fala brasilês e escreve muito bem do jeito que fala. – Proclama D. Laerte. – A Língua é viva e desconhece normas. Quem gosta destas são os gramáticos, que cumprem sua função cientificista, mas não tem o poder de interferir no atributo humano da “expressão”. Por isso digo, “agente iscreve, iscreve, e cada um ler da meneira que quer...”
- Mas o que importa, gente! É que a situação é caótica, talvez não nas mínimas ações. – Vaticina F. Rei. – Mínimas não no sentido da iniciativa em si, que é grandiosa e nobre, mas no sentido em que as autoridades (in)competentes são inertes. Não preparam adequadamente os professores, não respeitam o cidadão. Até dão comida para o povo, mas não alimentam a alma.
- BENITO!
Benta me traz de volta para suas conversas intermináveis.
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Ofereço como presente de aniversário à
Juan Fiorini, Alessandra Cássia, Renato Fraternidade, Therezinha Armani, Edílson Mendes, Alberto Carvalho, Alex de Sá, Christine Sathler, Helena L. Lopes.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O texto é minhas flores para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 13 e 20 de fevereiro de 2012.