Obax anafisa.
Era uma tarde
de primavera linda e bonita. Os passarinhos cantavam e voavam. As borboletas
voavam e enfeitavam o céu e no alto de uma árvore nasceu um filhote de
tico-tico. Era uma primavera muito mais que as outras. Sabe por quê? Porque
nasceu o nosso herói, o filhote de tico-tico que foi batizado Tiquim.
Tiquim era um
desses filhotes possuídos pelo desejo de que o mundo seja exatamente como eles
querem¹. Era, enfim, um filhote metido a filósofo e ficava sofismando sobre a
primavera, os pássaros, as borboletas, as árvores. E se julgando, pela
imaturidade, sempre certo e criticando os “errados”.
Ao nascer o
sol nem procurava se alimentar para poder questionar o mundo por mais tempo.
Mas não fazia assim por real preocupação, e sim por ser metido a intelectual,
por achar bonito ser um mártir social. Ele não se preocupava em perder a
refeição porque sabia que sua mãe logo-logo o “obrigaria” a tomar seu café da
manhã.
Foi crescendo
até se tornar um bonito tico-tico da taquara, meio magrinho porque acreditava
no estereótipo de que “nerde” tem que ser magro. Mas até que não era bobo o
nosso amiguinho, pois estava sempre namorando. Se falava sobre os poetas
brasileiros e pensadores estrangeiros falava também o que as “tica-ticas”
queriam ouvir. Era bom de bico. Aliás, era não, é bom de bico porque Tiquim
está vivo até hoje e passa bem de saúde, obrigado!
Durante a
noite sonha em ser famoso e rico. E durante o dia voa de árvore em árvore pensando
pseudas intelectualidades ou então comendo ou ainda cantando e conquistando.
Mas antes de
ser um conquistador foi um cdf padrão. Levou tanta porrada dos pássaros
grandões que aprendeu a ser dissimulado. Tomar jeito mesmo que bom, nada. Para
você ter uma ideia, um dia falando com empáfia sobre Marx, Descartes e outros, um
joão-de-barro e um melro o bicaram tanto e ele só não morreu porque as outras
aves seguraram o galo-do-mato que também queria entrar na briga e a turma do
deixa-disso conseguiu tirá-lo de lá. E Tiquim se emendou? Não! Continuou um
chato. Só que de tanto apanhar dos pássaros grandões e de não pegar nenhuma
passarinha acabou mudando o comportamento. E se corrigir mesmo que é bom, neca
de pitibiriba. E assim o tempo foi passando: sofismando, criticando de modo
velado, comendo, cantando, seduzindo, o passarinho foi envelhecendo solitário,
sem um amor de sua vida. Ontem, quando eu escrevia o cronto que você lê, o
passarinho olhava o por do sol e disse: “‘Está sem ‘tica-tica’, \ Está sem
discurso, \ Está sem carinho, \ (...) \ Se você cantasse \ A
valsa vienense, \ Se você dormisse, \ Se você cansasse, \ Se
você morresse... \ Mas você não morre, \ Você é duro, Tiquim!’²”. –
Estende o olhar por todo o horizonte vermelho, alaranjado e dourado e junto com
a última cor, com o último raio de sol disse – “A noite veio. Será que amanhã
poderei fazer diferente?”.
Eu creio que
Tiquim ainda pode. E você? Por quê?
Ofereço como presente
de aniversário à
Victor do Carmo, Monir
Charaf, Rogério Pires, Freddy Cosme, Martin Ramirez, Goret Martins e Camile
Gracian.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço
votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 15 de
março e 30 de julho de 2012.
Observação: a ideia central
contida no primeiro parágrafo encontrei escrito à caneta num livro que achei
nas ruas. Não sei quem a escreveu.
¹ Parodiando: MCEWAN,
Ian – Reparação; tradução Paulo H.
Britto – São Paulo, SP: Companhia
das Letras, 2002, página 13.
² Parodiando ANDRADE,
Carlos Drummond – José – retirada na
manhã de 29 de julho de 2012 no endereço: http://www.tanto.com.br/drummond-jose.htm
Imagem: Retirada na
manhã de 29 de julho de 2012 no endereço: