segunda-feira, 26 de março de 2012

Antonio Netto - haicai

A folha desprende

Descer e pousar na terra

O marrom sob verde

ULTRAPASSADO!

Obax anafisa.


A vida passa por nós tantas vezes que ficamos ultrapassados. Então, às vezes fico triste por uma amizade que se vai por causa de religião. Outras, porque ambos se julgam com razão. E estão. Mas não sabendo abrir mão da nossa valorizamos mais a própria posição do que o irmão. Fico triste, choro, sinto frio por dentro, sensação de fome. Levanto e começo o dia. Olho com leve sorriso para a folha e para flores que se desprendem ao vento. Melhor que aquelas que ficam, não largam ou são mantidas. Enfeiando. Olho para a árvore, para o arbusto, para a moitinha. São bem mais lindas. Sorrio e continuo o meu dia, satisfeito porque choveu a noite. Não deu para dormir ouvindo-a, mas refrescou o dia de hoje. O problema é que meus olhos teimam em ver que “tristeza não tem fim. Alegria sim”¹ e confesso, claro, tristeza abunda, mas percebo: há alegrias. Acho que quero sorrir. O que posso fazer para sorrir inteligentemente? Huuum! “A bunda, que engraçada. \ Está sempre sorrindo, nunca é trágica \ Não lhe importa o que vai \ Pela frente do corpo. A bunda basta-se. \ Existe algo mais? Talvez os seios. \ Ora – murmura bunda – esses garotos \ Ainda lhes falta muito que estudar. \ A bunda são duas luas gêmeas \ Em rotundo meneio. Anda por si \ Na cadência mimosa, no milagre \ De ser duas em uma, plenamente. \ A bunda se diverte \ Por conta própria. E ama. \ Na cama agita-se. Montanhas \ Avolumam-se, descem. Ondas batendo \ Numa praia infinita. \ Lá vai sorrindo a bunda. Vai feliz \ Na carícia de ser e balançar. \ Esferas harmoniosas sobre o caos. \ A bunda é a bunda, \ Redunda”². Sorrindo paro na Estação Memória para ver o que está sendo exposto. Antes de entrar ouço o dono da funerária, ao ver um motoqueiro na rua: “chega mais cliente. Temos descontos especiais”. Suspiro para o nada, para ninguém e entro. Na estação, não na funerária. Uarrarrá! Minutos vendo as pinturas e algumas me agradam; pensando nelas saio e sento no jardim vendo os carros indo, os pedestres vindo e indo. Ninguém a minha direita. À esquerda ninguém que conheço. Penso na minha bunda sem graça. Olho minhas mãos. Que lindas! Amo olhá-las. Massageio uma na outra. Passo-as em meu rosto. Se tivesse em casa faria outra coisa com a direita. Publicamente, olho e sorrio! Do cartório um casal vem para a praça tirar fotos. Só os dois, com os pais, padrinhos. Olho-os! Sorrindo, levanto. Vou para casa. Na Primeiro de Maio um hippie pergunta se não quero lhe comprar uma bijuteria. Não vendeu nada o dia todo. Está com fome. Ele com fome e eu só.

- Está com alguém?

- Um amigo!

- Moro aqui. – aponto para um prédio – Em uns vinte minutos você o encontra? Trarei algo para comermos na praça.

O garotão me olha espantado.

- Não o levo para minha casa porque não o conheço e não quero estranhos lá. Desculpe!

- Tudo bem! O senhor vai mesmo trazer algo para nós?

- Minha idade é próxima da sua, então me chame pelo nome. Benito, a seu dispor. E trarei algo para nós três. Não estou a fim de comer sozinho. Se não importarem, claro! Qual é seu nome?

- Campos. E meu amigo, Carmo.

- Daqui a vinte minutos, então.

Entro no apartamento sem olhar se ele vai à procura ou não de seu amigo. Volto com dois cachos de uva roxa, sanduíches de pão integral, salaminho e queijo minas, vinho e copo descartável. Os cumprimentos habituais e nos pomos a comer. Falamos dos cento e quatro anos do GAAALOOOOO, de mulher, de literatura. A bela voz de Carmito me apresentou a poesia do Uruguai, seu país natal, e achei linda: “Nada de aquello que perdura a los ojos \ sobreviverá \ tal vez se muestre de otra forma \ o asome entre las sábanas del viento \ o mientras crece \ se reúna al sol \ con los espejos”³. Conversamos, comemos, bebemos até sentir a hora de me recolher. Gostaria de levá-los à minha casa, queria passar o resto da noite com eles, mas não ousei, e ainda tinha que me levantar cedo. Desculpei-me, entrei no prédio levando o que havia restado para a lixeira. Da janela de meu quarto com luzes apagadas os vi se ajeitando sob o monumento. Deitei. Não dormi.


Ofereço como presente de aniversário à

Tiago Fernandes, Liliane L. Melo, Claudinei Souza, Glaciel Farias, Maíto Chagas e Mara Coutinho.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 15 e 26 de março de 2012.

¹ A Felicidade, de Tom Jobim;

² A Bunda, de Carlos Drummond de Andrade;

³ Nada, de Roberto Bianchi, poeta uruguaio – http://banzeirotextual.blogspot.com.br/2012/01/roberto-bianchi-poeta-uruguaio-poema.html.

segunda-feira, 19 de março de 2012

LOUCOS


Obax anafisa.


Foram duas noite. Grito Rock Ipatinga.

Interpretei uma personagem numa... performance, mas não a entendo realmente como tal. Assim chamarei – performance – apenas porque seres humanos necessitam de rótulos para tudo. Minha personagem era um sujeito louco e estávamos num festival de roque. Roque e loucura significam o mesmo? A cena, propriamente dita, é curta, não dura nem dois minutos. Mas resolvi fazer algo diferente. Fiquei sentado numa cadeira por quase três horas. Não era exatamente uma pesquisa, entenda. Não era porque já sabia o resultado. Só queria experimentar, ver a reação das pessoas. E agiram como pensei. A grande e esmagadora maioria simplesmente ignorou o sujeito incômodo, desconfortável. Um número bem menor apontou-me para os amigos, rindo, fazendo piadinhas. Dentre esses alguns se aproximavam para zoar. Cruéis. Ou seriam, se o louco fosse real. Menos pessoas ainda se aproximaram tentando ajudar, perguntando se eu estava bem, se precisava de algo. Um! Apenas um, ao ver o fotógrafo oficial do Grito tirando fotos minhas questionou ao sujeito o que iria fazer com elas. Não me conhecia, mas teve o cuidado em proteger o louco por mim representado. Não queria que minha imagem fosse espalhada causando-me vergonha. Não, claro que ele não sabia que era encenação. Apenas se preocupou com alguém que, para ele, estava sem condições de se defender. E eu, fazendo-me de louco entre os loucos, olhava a multidão que rindo ou chorando fumava, bebia e jogava as latas e os tocos de cigarro no chão. E eu, fazendo-me de louco, saboreava a música no ar.

Foi de madrugada na minha vizinhança.

Eu e meus cãezinhos passeávamos como fazemos todos os dias. Ao longe Neguim Viciado bate uma pedra numa mureta debaixo de uma janela de um quarto. Alheio ao sono alheio quebrava coquinhos.

- Tem algo para comer?

Olho em silêncio.

- Pão na sua casa?

- Não!

- Pode ser biscoito.

Tem, mas não vou dar. Então falo: “Não fez compra ainda” pensando em minha mãe. Nós moramos juntos.

- Não tem nada?

- Não comprou ainda.

- Você é estrangeiro?

Espanto a colocação e respondo que não.

- É que você fala engraçado. Diz “Não comprô... Não fêis compra”. Não fala “Comprei”. É engraçado.

- Hum!

Os cachorrinhos vão para o canteiro de todo dia, fazem seu cocozinho, recolho e voltamos para casa. Imagino que você deve estar pensando “Primeiro falou que poucos pensam no estranho desconfortável e agora conta que negou biscoito para o Neguim Viciado. Macaco senta no próprio rabo para criticar a cauda alheia”. Como Rubem, o autor, disse na semana passada, aqui no aRTISTA e aRTEIRO, no poema Lumens “Calo-me \ O que eu disser será usado contra mim \ Não importa o que digo \ O que faço \ Tudo é laço para meu cadafalso”.

Foi de tarde no Parque Ipanema.

- O senhor é doido? – Pergunta-me uma adolescente.

- Sim, sou doido.

Ela dá dois passos à sua direita, cutuca a colega e diz “Ele falô quié doido. Rerrê rerrê”.

- E você é uma lesada. Cuida da sua vida. – Responde a colega.

Fui assim indagado porque estava desenhando e colorindo o que fiz no meu caderninho.


Ofereço a todos os organizadores do Grito Rock Ipatinga.

E ofereço como presente de aniversário à

José A.C. Silva, Letícia A. Barros, Natalia Souza, Marcelo Oliveira, Letícia R. Xavier, Ranulfo L. Gonçalves.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 11 e 19 de março de 2012.

Imagens de João V. Maciel:

http://www.flickr.com/photos/pedecabracoletivo/sets/72157629229095600/with/6985946115/



segunda-feira, 12 de março de 2012

LUMENS

Obax anafisa.

Fiz um aviãozinho de papel higiênico

E o uso para marcar as páginas de um livro

Que ao lerem

– minhas palavras, não o livro –

Alguns tantos se chocarão

“Diz com o gesto que o livro é o que se limpa e joga fora”

Calo-me

O que eu disser será usado contra mim

Não importa o que digo

O que faço

Tudo é laço para meu cadafalso

Só me importa:

No aviãozinho de papel higiênico

Voei por entre os ditos

Pousei entre os não ditos

Em tudo ali escrito.


Ofereço como presente de aniversário à

Lene Teixeira, Elisângela A. Santana, Maison F. Viana, Elton da Costa, Darone Chagas.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 16 de fevereiro e 12 de março de 2012.

Versos inspirado no livro

“Lumens, em prosa e verso”, organizado por Andréia Donadon Leal

Mariana: Aldrava Letras e Artes, 2011. 1ª edição.

segunda-feira, 5 de março de 2012

NADA CONTRA, DESDE QUE DISTANTE

Obax anafisa.

- Oi, meu anjo! Meu amigo B me disse via email “estamos recebendo livros do Governo Federal pela Biblioteca Nacional, temos que escolher alguns autores, você sugere algum?”. Você é um dos que pensei. Que tal procurá-lo no facebook? Poderá encontrá-lo pelo nome JTB.

- Meu anjo? Que merda, caralho! Então, muito obrigado. Se for o caso de eu ter que dar o livro, não tenho condições no momento. Agora eu não curto ser cantado por homens, na boa. Fica o recado. Às vezes, por ser educado com todos, porque realmente sou, aproveitam-se da chance para darem cantadas. Sou totalmente contra homofobia, mas isso não quer dizer que eu curta cantadas de homens. Mas não se preocupe, viu. Não é por isso que deixaremos de ser amigos.

Momentos de raiva. Depois, quase autocontrole e

- Cara, quatro coisas: 1- Não é de graça o livro. É comprado. Entre em contato com o B se quiser e se informe. 2- Desculpe! Mas você é lesado. De minha parte não te cantei mesmo. De onde você tirou isso? Anjo é apenas algo educado de ser falar. Como mandei a mesma mensagem para meus amigos escritores e para não ter que escrever para cada um em separado usei um termo que serve para homens e mulheres. 3- Se se sentir incomodado comigo é muito simples, retire-me de seus contatos. As pessoas que aceitei ou convidei foram porque achei interessante (e como parece que para você tudo tem ligação com sexo, interessante, no caso, é artístico), mas não esmolo companhia. Sinta-se a vontade para me excluir. Aliás, pode deixar que eu mesmo te excluo de meus contatos. 4- Você é preconceituoso sim. É do tipo que décadas atrás falaria “Não tenho nada contra preto”. Desde que na sua família seja apenas empregado, claro.

- Benito, se certas pessoas me chamarem de anjo, entenderei como metáfora ou brincadeira. Há pessoas e pessoas, e não quero dizer que você é isso ou aquilo, isso o tempo dirá. Por não te conhecer “a fundo” acho sim uma cantada. E o recado foi dado. Não excluo ninguém, só fui contundente no meu ponto de vista. E você ainda está me devendo o meu livro. Fora isso, você é um cara aparentemente bacana. E creio que temos de somar, não de sumir; e respeitarmos os posicionamentos sexuais de ambas as partes.

- Você é contraditório.

- O que sei é que por acreditar em sua palavra, levei um calote. Vinte reais não matam ninguém, mas fará falta no momento. Não ganho com meus livros, apenas não tenho prejuízo.

- Se até hoje não tinha te pago é porque nas três vezes que lhe pedi o número da conta você não me enviou. Mas como não gosto de dívida, mandei via correio o dinheiro. Adeus!

- Não seja tão impulsivo, isso não leva a nada. Noves fora, quando quiser me adicione, sem problemas.

- Não, obrigado! Não vale a pena nos contatarmos mais. Não me arrependo de cortar relações com quem se sente ofendido com cantadas... Principalmente quando não são dadas.

Momentos de raiva e, depois, autocontrole. Então penso

Espera aí! Não decidi viver segundo o princípio do relógio do sol? Registrando apenas as horas que o sol brilha? Vou permiti então que qualquer um faça de mim o que quiser? Não! De que adianta ficar pensando nas perdas ou ofensas se tem coisa melhor para ver e pensar? Jogo fora o bagaço e conservo apenas o bom sabor, as vitaminas da laranja. Se um ladrão tentasse entrar em minha casa eu o expulsaria mesmo que quisesse levar apenas um par de tênis. Então vou expulsar o ladrão da felicidade: as más lembranças. Que lembrança agradável tenho de tal pessoa? Seus poemas! Seu livro é bom. É isso que registrarei: o poeta.


Ofereço como presente de aniversário à

Carol Magalhães, Emersom Franklin, Átila F. Silva, Marco A. Parisotto, Lúcia Ramos e Thiago Vaz.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 27 de janeiro e 05 de março de 2012.

Para saber sobre o princípio do relógio do sol veja a revista Seicho-No-Ie, edição especial, páginas 21-24 – Masaharu Taniguchi.