Obax anafisa.
O vento inventou de ler os jornais. Passa pela janela
e vira as páginas ao seu modo. Gosta muito das variedades e se enaltece com as
crônicas dos poetas. Ouve Resposta ao tempo. Não conta para mim sobre o que
anda fazendo, suas viravoltas, seus problemas com os tufões e as tempestades.
Ele é discreto e faz piadas refinadas. Acompanha o farfalhar das palavras
caindo aos pés do meu amor. Eu imagino que ele, um admirador de John Constable
e de Cecília Meirelles, esteja um pouco estressado com as artimanhas que o
tempo vem fazendo. Não que ele seja uma daquelas pessoas intransigente. Não. O
vento é um espírito de criança. E, no seu jeito luxuoso de ser abre uma barra
de chocolate, passa a mão no gato e abarca o jornal lendo-o aqui, bem aqui,
pertinho de mim, na minha sala, neste apartamento pequeno preparado para ele e
seus piercings de prata.
ARRUDA.
Em uma manhã
de sol sobre os jardins onde os pássaros cantam entre as árvores floridas dois
catedráticos encarcerados por quatro paredes austeras discutem quem é o maior
enquanto ignoram as belezas da natureza e as profundezas da literatura.
- O menino
vento, como diz o artigo que nos precede, é definido. Foi fecundado na noite
predeterminada pelos astros, nasceu no dia de melhor algúrio, estuda na melhor
escola de sua cidade, quiçá do estado, e vai ser, veja só, escritor. Com tanta
profissão no mundo e ele vai se dedicar às artes.
- Que me
importa o moleque? Yo no soy
ni virgen ni puto. Soy un libre guerrero culto. Suas falácias não me atingem.
- Por que
tanta agressividade? Que está aconte...
Você que me
lê, um momento de sua atenção, por favor. Para lhe poupar do vocabulário
pernóstico (chato e metido) dos intelectuais estou traduzindo as falas deles
para algo mais popular nos idiomas em que discutiram. Tinha também inglês, mas
como eu não vou com as fuças dessa língua ficarei só nas duas com mais
sutilezas e nuances. Obrigado pela sua atenção e voltemos ao cronto.
- Por que
tanta agressividade? Que está acontecendo?
- Ah! Vai me
dizer que não sabe?
- Não, não
sei.
- Então não
te interessa. Ficará sem saber. Suas falácias não me atingem.
- Falácias?
Do que está falando?
- ¡Envidia!
- ¿Envidia? No sé se la tengo pero
codicio muchas cosas… ¡Y personas!
- Suas
falácias não me atingem.
- Não? Vi
hoje pela tv o Papa Francisco I ao lado da Presidente Dilma.
- Verdade!
Era como ver Deus e o Diabo juntos.
- Verdade! O
diabo fica tão bem de branc...
- RESPEITO,
rapaz!
- Respeito...
O que é respeito?
- Para quem
acha que diz coisas inteligentes questiona cada bobagem...
- Então não é
de mim que está falando porque não sou inteligente. Apenas pensante.
- Chega de
asnice. Vou-me embora.
- Sim, vai!
Também me vou. “Vou-me embora pra Paságarda. \ Lá sou amigo do rei. \ Vou-me
embora pra Paságarda. \ Aqui eu não sou feliz. \ Lá a existência é uma
aventura. \ Eu quando estiver cansado \ Deito na beira do rio, \ Mando chamar a
mãe-d’água \ Pra me contar as histórias
\ E quando eu estiver mais triste \ Mas triste de não ter jeito \ Quando de
noite me der \ Vontade de me matar \ — Lá sou amigo do rei — \ Terei a mulher
que eu quero \ Na cama que escolherei \ Vou-me embora pra Pasárgada”¹.
Há uma manhã
de sol sobre os jardins onde os pássaros cantam entre as árvores floridas. E em
um de seus bancos alguém saboreia as belezas da natureza e as profundezas da
literatura.
Ofereço aos
aniversariantes
Mª Amelia
Oliveira, Carol S. Portinelly, Hildete T. Santos, Michel Ferrabbiamo, Luana
Rodrigues e Luís F. Rezende.
ARRUDA, Mara Paulina. O vento. Recolhido no “feicebuque”, no início da
tarde de 28-5-13.
BANDEIRA, Manuel. Poema colhido na tarde de 17-8-13:
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é
minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras
preciosas.
Escrito entre
os dias 28 de maio e 26 de agosto de 2013.