segunda-feira, 22 de junho de 2009

ESPIRAL

Estava na minha cozinha. Pequena para mim. Maior que a maioria. Quando olho para mim vejo-me na minha cozinha, que é pequena para mim e maior que a maioria das cozinhas. Aí olho para mim e me vejo vendo-me na minha cozinha maior que a maioria das cozinhas, mas pequena para mim que gosto de cozinha grande. Nesse momento eu me vejo vendo a mim numa pequena cozinha e aí eu vejo que estou me olhando vendo a mim observando-me numa cozinha quase grande. Eu me vejo. Eu me vejo me vendo. Eu me vejo vendo-me ver. Eu me vejo vendo-me ver me vendo. Eu me vejo vendo-me ver me vendo vendo-me. Eu me vejo vendo-me ver me vendo vendo-me a me ver. Eu...

São seis balas numa boca só. São seis bolas num buraco só. São seis balas num buraco só. Uma criança. Três homens com alguém. Um matando outro. A criança chupa balas. Os homens fazem sexo. Alguém mata com barbaridade. Uma bala de hortelã. Uma de canela. Duas de tuti-fruti. Uma de morango. Uma de maçã. Um geme. Um fala palavrão. Um chama por Deus. Um geme, fala palavrão e chama por Deus. Alguém cai e outro corre. Nós nos vendo vendo-nos ver nos vendo vendo-nos a nos ver.

Ele olha no espelho de frente de outro espelho. Um espelho reflete o outro que reflete o primeiro. Ele se vê no espelho vendo a si se vendo. Ele se vê no espelho vendo a si se vendo. Ele se vê no espelho vendo a si se vendo. Ele se vê no espelho vendo a si se vendo. Ele se vê no espelho vendo a si se vendo. Ele se vê no espelho. O espelho se vê. A imagem se faz. A imagem se faz. A imagem se faz. A imagem se faz. O homem se desfaz. O homem se desfaz. O homem se desfazer. O homem se desfaz. O homem se desfaz na imagem que se faz. O homem se desfaz na imagem que faz de si. O homem se desfaz na imagem que se faz de si no outro.

- Levanta, Benito! Ta na hora de ir para escola.
Uááá! Espreguiço e me levanto estalando a boca. Calço os chinelos e vou tropicando ao banheiro. Vejo o amarrotado da cara. Arreganho os dentes e os escovo. Lavo meu rosto. Saio. Ponho o uniforme. Na escola:
- Fessora! Posso ir ao banheiro?
- que isso, Benito? A aula acabou de começar e já ta querendo sair?
- É sério, professora. To realmente apertado.
- Oia a muié do algodão, Benito. Diz Uili.
E o riso é geral na turma enquanto saio. A minha sala de aula vai se afastando. Não vejo ninguém. Só ouço as pessoas. Ando, ando e ando e nada do banheiro chegar. A sala vai se afastando, o banheiro se aproximando, o corredor vai se afinando atrás de mim e, parece, muito mais largo à minha frente. Como o túnel de uma boca até o esôfago. Chegou o banheiro. Eu paro em sua porta, escuto, olho. Entro. Vou para o cocho. Olhando para os lados ponho o pintinho para fora. Delícia. Escoro na parede e fecho os olhos. Suspiro. Nenhum som no banheiro. Nenhum barulho na escola. Tudo é silêncio. “Ai meu Deus, tem alguém além de mim e está olhando eu fazer xixi. Tenho que guardar meu pinto, mas como se ainda tem muito xixi para sair? E se for a Mulher do Algodão? Ai! Acabei!”. No silêncio eu sinto movimentos. Leves. Gatunos. “Oi!”. Ouvindo esse sussurro indistinto saio correndo. Bato na parede, mas sem olhar para trás acho a porta e saio correndo para os sons da escola. O banheiro não afasta nem a sala se aproxima. Vou andando sem ver. Vou andando.
- Levanta, Benito! Ta na hora de ir para escola.
Uááá! Espreguiço e me levanto estalando a boca. Calço os chinelos e vou ao banheiro. Vejo o amarrotado da cara. Arreganho os dentes e os escovo. Lavo meu rosto. Saio. Ponho o uniforme. Na escola:
- Fessora! Posso ir ao banheiro?
- Oia a muié do algodão, Benito. Diz Uili.
E o riso é geral na turma enquanto saio. A minha sala de aula vai se afastando. Chegou o banheiro. Aí que alívio fazer xixi. Ouço um sussurro indistinto, corro, bato na parede, e saio correndo para os sons da escola. Vou andando sem ver. Vou andando.
- Levanta, Benito! Ta na hora de ir para escola.

quarta-feira, 17 de junho de 2009

CUMEQUIÉ?

2005
- Seu livro é lindo. Com tantos poemas lindos, Benito! Toda C-MICO a-do-rô.
- Obrigado! Mas se gostaram por que ele foi recusado?
- Bem... “São tantas coisinhas miúdas”...
- O quê, por exemplo?
- Olha! Você não definiu um público específico a receber a obra.
- O projeto prevê que a população na rua, durante as apresentações cênicas sobre o conteúdo da obra, iria receber um exemplar.
- É, sabemos. Mas...
- ...
- Olha! A gente sugere que escolha, realmente, um público. Escolas, por exemplo. É estudantes.
- Então, ta. Tial.
- E sugerimos também que você arranje mais pessoas e forme uma equipe.
- Equipe?
- É! Projeto com uma só pessoa não é bem visto.
- Mas é publicação de um livro já pronto. Só faltando editar...
- Que obra linda, Benito! Mas... Pouca gente não dá. Queremos coisas grandiosas. Tial.

2007
- Seu livro é lindo. Com tantos poemas lindos, Benito! Toda C-MICO a-do-rô.
- Obrigado! Mas se gostaram por que ele foi recusado?
- Bem... “São tantas coisinhas miúdas”...
- O quê, por exemplo?
- Olha! Tem poemas assim, meio, digamos, picantes...
- Picantes?
- É! Pornográfico até.
- Pornográfico?
- Sim. – Falando a meia voz – Você falou a palavra sêmem.
- Sêmem? Sêmem!
- Que obra linda, Benito! Que tal você investir assim, digamos, após a sétima ou oitava série?! E, por favor, não basta colocar atores. Que tal se você botar alguém para revisar... Por exemplo...
- Então, ta. Tial.
- Tial, amor.

2009
- Seu livro é lindo. Com tantos poemas lindos, Benito! Toda C-MICO a-do-rô.
- Obrigado! Mas se gostaram por que ele foi recusado?
- Bem... “São tantas coisinhas miúdas”...
- O quê, por exemplo?
- Olha! Tem poemas assim, meio, digamos, picantes...
- Picantes?
- É! Pornográfico até.
- Pornográfico?
- Sim. – Falando a meia voz – Você falou... – abaixando ainda mais a voz e olhando para os lados – em sexo. Que horror...
- Sexo? Sexo!
- Que obra linda, Benito! Que tal você escolher outro público que não seja estudante?
- Então, ta. Tial.
- Espera. Temos mais a dizer.
- O quê?
- Duas coisinhas a-to-a. Primeiro: Sugerimos que você retire três poemas ex-ter-ma-men-tes eróticos. – Falando para si, em voz baixíssima – Sexo! Que nojo. Como tem gente que faz isso. – Voltando a falar comigo. – Segundo: Você arranjou duas pessoas ma-ra-vi-lho-sas para fazerem parte de sua equipe: Moura e Eletro. Mas eles não vão aos debates. Tudo bem que o cachê deles é miúdo, mas... Bem, amor. Tial, meu lindo.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

PAPEL HIGIÊNICO

Rubem Leite – 12-15\6\09


O papel higiênico é muito útil e diria até nobre. Ele serve para assuar o nariz, para cobrir por alguns minutos um corte no dedo até que coloque o material adequado. Serve para... (você sabe bem o que eu ia falar). Isso que estou vendo em seu rosto é rizinho? Quem já falou bem do papel higiênico? Quem já elogiou o ato ou ação do papel higiênico? O papel higiênico pode ser comparado a uma pessoa abnegada. Continuo vendo em alguns rostos um sorriso; já em outros vejo um esgar de desdém. Fazer o quê? Tudo o que se escreve ou se fala sobre o papel higiênico é piadinha ou coisas de gosto duvidoso. As pessoas são assim. Mas não falarei bobagens nem imundícies. Não é meu objetivo. Pelo menos não no momento. Uarrarrá. Se o papel higiênico fosse uma pessoa poderia ser comparada a uma enfermeira que cuida de pessoas com as mais nojentas doenças. Quem aqui já pegou num vomito ainda quente? Já vi um rapaz segurar seu irmão enquanto ele vomitava em seus braços devido a um grave resfriado ou uma gripe feroz. Naquele momento o rapaz foi um papel higiênico. Meu pai, Dr. Rubem, foi um advogado que não se enriqueceu, mas que tinha entre seus clientes aqueles que eram rejeitados pelos outros com o mesmo nojo que se teria por fezes alheias. Entre os clientes de meu pai havia, como se diz hoje, profissionais do sexo. E tantos outros que nada tinham nada para pagar além de couves ou galinhas. E como doía a meu pai ver nos olhos alheios todas essas pessoas serem vistas como fezes. Dr. Rubem tinha uma regra: Se você é culpado não trabalharei para ser inocentado, mas para ter a mínima pena justa. Era assim que fazia. Mas ele não era preconceituoso. Trabalhava com todo o tipo de gente. Um político que estava tendo problemas para se candidatar teve sua advogada juridicamente orientada por meu pai que conseguiu sua eleição para prefeito. Como recompensa ofereceu uma Secretaria a meu pai, que foi recusada, mas pediu que se abrisse no município a primeira Defensoria Pública. Seu pedido foi concretizado.
Você que me lê é ou já foi um papel higiênico?

Bem! Trocando passarinho de toco...
Uma lágrima pode ter um metro?
Uma lágrima pode ter um metro? Não a vejo em litro, mas em comprimento.
Uma lágrima pode ter um metro? Ou deveria medi-la em crono?
Nesses quatro dias cinco livros quis comprar. Um chocolate especial com preço assustador. Pagar a conta do celular. Comprar novos calçados para trocar pelos rasgados.
Nesses quatro dias e outros caminhei sem ter com quem conversar. Se cada qual com sua delícia também cada qual com sua dor. Nem sempre dá para gemermos e chorarmos num vale de lágrima no ombro alheio. É como já me foi dito e repito, o verdadeiro chato é aquele quando perguntado como vai, responde.
Eu sou um bom artista da palavra? Escrevo bem?
Eu fico confuso... Se sou bom contista, cronista, poeta por que ninguém publica meus trabalhos? Se sou ruim por que tanta gente boa tece autos elogios aos meus textos? Num dos meus primeiros artigos aqui postado um poeta indiano pesquisando a literatura brasileira viu meu texto. Como não entende português usou um programinha que o traduziu para o inglês e me mandou um email interessante. Uma poeta respeitada em Mariana enviou-me um email dizendo sempre ler meus textos. Fora os poetas e cronistas da cidade que gostam de meu trabalho. Até o nacionalmente famoso poeta Affonso Romano de Sant'ana já me mandou email elogiando um trabalho meu.
Aí a fonte de minha dúvida. Sou bom ou não?

É LETRO

Prezados,
O Bricoleur, grupo de música instrumental, se apresentará na próxima quarta-feira, 17 de junho, às 20 horas no Relicário, um bar bacana que fica no Horto, em Ipatinga.

Apareçam!Abraço
Cláudio Letro

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Gestão Cultural e Patrimônio Histórico

Prezados (as), Segue abaixo o link de divulgação de uma pós graduação no Unileste (Gestão Cultural e Patrimônio Histórico), na qual Cláudio Letro leciona uma disciplina. Favor divulgarem para os potenciais interessados.Abraço

TitulaçãoEspecialista em Gestão Cultural e Patrimônio HistóricoObjetivoDesenvolver habilidades e competências para atuação sistemática na área cultural em suas duas dimensões: da circulação, no que se refere à gestão de espaços culturais e museus; da produção de programas e projetos culturais, bem como da formulação de políticas públicas relativas à identificação e preservação do patrimônio histórico cultural.Público-alvoGraduados em História e áreas afins. Profissionais graduados que atuam na gestão de Museus e Casas de Cultura. Profissionais graduados que atuam na área cultural nas esferas pública e privada e nas organizações civis do terceiro setor - mais especificamente no campo da gestão, produção, promoção e comunicação. Assessores, consultores e profissionais que desenvolvem atividades em cultura, bem como artistas e produtores culturais, de nível superior

Mais informações:
http://www.unilestemg.br/portal/posgraduacao/cursos/2008_02/gestao_cult_patri_historico.php

sexta-feira, 12 de junho de 2009

POBRES VERSOS POBRES

Rubem Leite – 11-12\6\09

Ofereço primeiro ao amor que ainda não encontrei.
Depois, à Nary Farias (Ipatinga) que encanta quando canta;
À Andréia Donadon-Leal (Mariana) que ontem conheci;
E ao CLESI que sempre tenho o prazer de acompanhar.


Nos rios que mergulhei
E nos riachos que nadei
Nas águas que me perdi
De Minas meu grão país
Se Minas é meu país
O Brasil é meu estado
Minha ação e meu fenômeno
Da natureza que não
Conheço fora de mim

Oh! Desgraçado pavor
Eu, ave engaiolada
Em mim grito: Vem, Iansã!
Janaína te convoca
Libera e lidera seu
Povo que quer exclamar
Sou livre sou de Minas
No Brasil qu’é do Brasil
Euroafroasiocrenaque

terça-feira, 9 de junho de 2009

FINALMENTE

Finalmente, Senhor! Posso ir embora.

São 23 horas de uma noite de lua minguante. Ante a porta, o marido que chega cedo em casa, ouve o lamento da mulher amada e se estanca. A princípio suspeito da fidelidade da mulher.
Não sei o que posso ter feito de tão errado para merecer tamanha dor.

Fora do quarto, num imenso corredor, tão largo que até parece um salão para os sete quartos do casarão, a prece é substituída por um imenso choro. Um minuto. Cinco minutos. O tempo passa e a mulher continua sua oração agora permeada pelo choro.

E agradeço a piedade que finalmente me chega. Ah! Morte tão esperada, você é bem vinda.

O marido ouve o choro e o lamento de sua mulher. Seu rosto, paralisado em sentimentos confusos.

Senhor! Como cristã, não posso crer na reencarnação, mas como posso ser castigada tão cruelmente? Castigada por coisas que não sei como posso ter feito. Como? Eu, que sou toda amor por meu marido? Não posso... Finalmente, Senhor! Agora mereço morrer, pois já não tenho como pagar mais por algo que nem sei.

Entre o engasgar do choro e grossas lágrimas, sua voz se perde na solidão e o marido se perde numa lágrima.

Sempre me dei inteiramente a ele, que me pagou com amantes. Uma casa maravilhosa para mim. Visitas às suas amantes. Uma linda cama para mim. O melhor sexo com seus amantes. Jóias para mim. Orgias com suas mulheres. Mas, finalmente, morro! Morro! Morro!

Um clique sufoca seu soluço. É a luz que se apaga. A mulher se deita. Um minuto. Cinco minutos. Silêncio.

A porta se abre. A mulher ronrona no sono. Ele se senta numa cadeira. Com o nascer do sol os pássaros cantam no jardim e o silêncio é absoluto no quarto. Os olhos pousados na mulher toda a madrugada.

O marido chora.
A casa acorda lentamente.
Alguém bate à porta.

quinta-feira, 4 de junho de 2009

CLESI


BONDADE E FIRMEZA

Rubem Leite – 03-04/6/09

Ofereço a crônica Bondade e Firmeza a Bruno Grossi, que aniversaria dia 03 de junho. Pessoa que muito respeito, amo até, e que sinto ser uma pessoa boa e firme.


“... na relação inter-humana, dominar ou ser dominado depende unicamente da firmeza de caráter” (A Verdade da Vida, vol. 19, Dr. Masaharu Taniguchi – Biografia).


Na nossa sociedade, ser bom não é importante para ser respeitado. O que importa é ser firme. Ou talvez seja preciso ser bom e ser firme.
Antes vamos conversar sobre quem é forte sem ser bom nem firme. Tal será temido, mas não amado nem apoiado.
Ser firme sem ser bom será antipatizado mesmo que não contestado.
Ser bom sem ser firme será ridicularizado.
Ridicularizado é não ser amado nem apoiado; e ser antipatizado e contestado.
Dos três – ser apenas bom, ser apenas forte, ser apenas firme – o pior, por incrível que pareça, é ser apenas bom. E o melhor, ou menos pior, é ser apenas firme.

Benito vai à escola.
Ele é um bom menino, mas é desarticulado. Não sabe falar em público e é ruim no futebol. É um babaca, dizem.
Kio Kan é uma linda menina e Benito está apaixonado.
- Kio, o... a... você já viu no jardim a flor rocha que...
- Que só nasce no coração do trouxa. Disse Marina. E todas riram.
- U... i... É bonito seu vestido.
- Quer emprestado? Disse Kio.
Só o rosto. Rosto impassível. Benito se afasta.

- Benito! Eu te vi conversando com minha garota. Você a estava incomodando com sua babaquice.
- Só só que-queria conversar.
- Não tem que conversar com ela.
Falando para os outros:
- É babaca mesmo. Com mulher não tem conversa. Basta dizer bobagens e depois cumê.
Entre risos.
- Respeite!
- O que você disse? Estou te esperando lá fora, depois da aula.
Só o rosto. Rosto impassível. Benito se afasta.

O que fazer? E se ele me machucar? Se eu fizer o que sei...
- Professora! Quero sair mais cedo.
- Por causa da confusão que você aprontou?
Na sua cara, seu pensamento.
- Pode ir.

Eu vou.
E não acaba aí. Sou mais que isso...