Falar que se passa fome no Brasil é uma grande
mentira. Passa-se mal, não come bem. Aí eu concordo. Agora, passar fome, não.
Você não vê gente, mesmo pobre, pelas ruas com físico
esquelético como a gente vê em alguns outros países pelo mundo.
Temos um problema alimentar no Brasil. Temos, não é
culpa minha, vem de trás. O que tira o homem e a mulher da miséria é o
conhecimento.
Queremos uma garotada sem interesse pela política. Estudantes são idiotas úteis.
Jair M. Bolsonaro
A noite de segunda-feira estava fria na feira livre
no estacionamento do Ipatingão. E Benito, Gabriel Miguel, Vinícius Siman e
Girvany de Morais bebiam cerveja enquanto tomavam canjiquinha e feijão amigo.
- Olha a lua crescente. Que bonita.
- Até hoje não sei distinguir a crescente da
minguante.
- É bem simples. O macete é a forma da lua. Quando
ela parece um C é crescente... C de crescente. E o que mingua é o que diminui,
certo? Quando a lua parece um D é porque está diminuindo, minguando-se.
- Acesso a muitas informações leva a fatos e também a
boatos. – Diz Girvany. – Vinícius, essa informação é fato ou boato?
- Fato. Olhe em uma boa enciclopédia; onde de fato há
mais fatos. Pode olhar até no google; apesar dos boatos serem seus mais comuns
atos.
- E uma biblioteca deve, ou deveria, aprimorar
constantemente o seu acervo para confirmar, ampliar ou corrigir as pesquisas de
seus usuários. – Fala Gabriel. – Pela internete é mais rápido encontrar
respostas. Mas como qualquer um pode dizer lá o que quiser... Fazendo-se passar
por especialistas... Hoje, as quase inexistentes enciclopédias são mais
seguras.
- Mais seguras, mas é uma pena que defasadas.
- É interessante como o discurso muda de sentido
dependendo de quem o faz. – Girvany muda de assunto. – Tereza Cristina, a
Ministra da Agricultura, disse que brasileiro passa fome porque quer, pois
basta levantar a mão e pegar quantas mangas quiser. Anos atrás algo semelhante
foi dito na Seicho-No-Ie. Contudo, ao contrário da Sinistra, digo, da Ministra,
a Seicho-No-Ie falava de gratidão aos muitos recursos naturais do país.
Enquanto a “Musa do Veneno” justificava a fome crescente no país.
- E o Presidente diz que a fome no Brasil é mentira de
um discurso populista.
Falou Vinícius e Gabriel continua:
- Segundo a agência da ONU para agricultura e
segurança alimentar, o Brasil é um dos países com menor índice de fome no
planeta. E de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, a
fome no país ainda não foi erradicada. Pode-se entender que temos um dos menores
índices no mundo e na América do Sul é equiparado apenas com Uruguai. Estamos no
mesmo nível de Canadá, Austrália, Suécia e Finlândia, países altamente
desenvolvidos.
- Mas a pobreza no Brasil está crescendo deste o Golpe
de 2016. – Vinícius retoma a fala.
- Mas o que define a fome? – Benito intervém – Boçalnato
parece entender que fome é só subnutrição total. Contudo, em 2013 o IBGE
constatou que 3,6% do povo tem grave insegurança alimentar. E esse índice
equivale a muito mais de sete milhões de pessoas a passar por privação de
alimentos, podendo chegar à sua expressão mais grave, a fome propriamente dita.
Mas se nem todos chegam a esse ponto ainda assim a grande maioria desse número
tem privação de alimentos.
Um breve silêncio para se esquentarem com o caldo
enquanto pensam na fome que eles não sofrem. Não sofrem por si, mas sofrem
pelos outros.
Enquanto isso, em uma mesa próxima, à esquerda:
- Na parte do bairro onde Marcos mora tem uma só
padaria...
- Sim, a Maná. – Fala Marcos. – E o
que tem ela, Jessé?
- Perto de onde ela fica tinha uma
casa de rações que se chamava Maná.
- Não sabia.
- Quando foram abrir a
padaria descobriram isso. – Fala em tom de suspense.
- E?
- Os donos da padaria,
como verdadeiros cristãos, passaram a orar pelo dono da casa de rações. –
Continua em tom de suspense. – Isso porque tinha o nome que queriam por no
estabelecimento deles...
- E?
- A mulher do dono da casa de
rações adoeceu ao mesmo tempo em que a loja parou de dar lucro. Aí tiveram que
fechar... E a padaria pode abrir sem nada com o mesmo nome...
- Você está dizendo que a culpa é
dos donos da padaria?
- Não estou afirmando nada, só
pensando.
Voltemos aos nossos protagonistas:
- Como é que vocês leem poemas? – Benito fala pela
segunda vez.
- A cada poema – diz Vinícius – leio ao menos duas
vezes. Uma em voz baixa e depois em voz alta.
- Uai! Por quê?
- Assim o faço, Benito, para na primeira leitura, em
voz baixa, compreender o pensamento do poeta. E a segunda, em voz alta, para que
meus ouvidos percebam a cadência do poema.
- Para que isso? – A essa pergunta de Benito Girvany
responde:
- Bem. Nossa época está tão a mercê do relógio;
sempre com pressa que tudo tem que ser rápido, pra já. Assim a maioria das
pessoas, eu inclusive, por exigência social nos habituamos a compreender apenas
metade do que lemos em voz alta. Por isso a primeira leitura é em voz baixa;
para alcançarmos nuances mais que medianos. E a segunda leitura, em voz alta, para
deliciarmo-nos com a cadência e com a harmonia do poema ao mesmo tempo em que
captamos ainda mais o sentido que antes era parcial.
- Então você declama para si mesmo?
- Não. Meus ouvidos estão apenas ajudando-me a
compreender o que nossa época e sociedade dificultaram. Não sei se com vocês é
assim, mas comigo é.
- Mas você segue alguma metodologia?
- Eu tenho uma que aprendi ao ler o livro “A Arte de
Ler”. – Gabriel responde essa pergunta – Para ler bem e igualmente compreender não
se pode ignorar a pontuação. A leitura em voz baixa nos ajuda a antever o
conteúdo do poema, o que o autor está dizendo. E a segunda leitura, aquela em
voz alta, muito mais que a leitura em voz baixa, permite a gente ver e seguir
os pontos, as vírgulas, os pontos e vírgulas, as exclamações, as interrogações,
as reticências.
- Então a primeira leitura é para compreender o
conteúdo do poema e a segunda para reforçar essa compreensão ao mesmo tempo em
que te ajuda a sentir a cadência e a harmonia do poema. É isso?
- Sim, mas lembre-se que seguir a
pontuação é essencial.
- E se o autor não pontuar?
- Se ele não pontuou é porque te
deu ao máximo o direito de ler e compreender conforme você se sinta mais
confortável.
- Mas a pontuação não é apenas uma
questão gramatical?
- Não, não é só uma questão
gramatical. – Vinícius responde. – Apesar de a gramática ser importante para
melhor entendermos o outro ao mesmo tempo em que nos fazemos entender; não é
esse o objetivo de seguir a pontuação.
- Qual é então?
- Respeitar a pontuação é tão
importante para a cadência quanto para o sentido. Por exemplo, vou dizer uma
mesma frase, mas com pontuações diferentes. “Você tem dinheiro? Eu não.”; “Você
tem dinheiro! Eu não.”; “Você tem dinheiro... Eu não.”. Com certeza você
percebeu que, por mudar a pontuação, nessa mesma frase foram ditos três coisas
diferentes, tanto na cadência quanto no significado.
Em uma mesa próxima outro grupo discutia o que lhes
eram essenciais.
- Vocês se lembram de quando a gente pensava que as
pessoas de trinta anos eram adultas e que tinham a vida resolvida?
À mesa todos riram.
- E quando a gente punha um k7 para gravar músicas na
rádio morrendo de medo do locutor falar no meio da música?
Mais risos.
- E minha tia que fica escandalizada quando ouve falar
de sexo. Um dia perguntei: meus nove primos foram feito com farinha, açúcar e fermento?
Quase apanhei dela.
E rizadas.
Voltemos aos nossos amados protagonistas:
- Na troca de Ministros da Educação, infelizmente não
foi apenas trocado seis por meia dúzia. – Diz Gabriel. – Segundo o cientista
político Daniel Cara essa troca afastou um pouco o MEC do Exército, mas não
melhorou. Ao contrário, piorou. Pois o outro visava militarizar o Ensino...
- O que não é bom.
- Sim, bem ruim. Mas este, o Sinistro Sem Educação,
Abraham Weintraub, pretende ainda mais utilizar a “pedagogia de Olavo de
Carvalho” e, pior, retirar toda obrigatoriedade dos Governos em garantir a
educação gratuita e de qualidade. Para a Educação e Saúde os Estados não
precisarão mais reservar um quarto de seu orçamento nem os municípios terão que
repassar quinze por cento de seu orçamento.
- Boçalnato, no discurso de posse do novo Ministro,
afirmou que o objetivo educacional será desestimular nos estudantes o interesse
por política e incentivá-los a contentarem só com conhecimentos técnicos. –
Fala Girvany. – E o meio disso acontecer é incapacitando os estudantes. Dizendo
melhor, quando chegarem à fase adulta, preparados para o mercado de trabalho
sequer consigam interpretar textos, desconheçam as regras de três simples¹ e
não consigam responder as questões básicas da ciência.
- Vi isso. – Vinícius completa e abre uma revista que
estava em suas mãos e lê: As palavras do EleNão na posse do “Véintráubi” foram
“Queremos uma garotada que não esteja ocupando os últimos lugares no PISA. Queremos
que não mais de setenta por cento dessa garotada não saiba fazer uma regra de
três simples, não saiba interpretar textos, não saiba perguntas básicas de
ciências. Nós queremos uma garotada que comece a não se interessar por
política, como é atualmente nas escolas, mas comece realmente a aprender coisas
que possam levar a quem sabe ao Espaço no futuro”. O que entendi foi o mesmo
que você.
- O que é PISA?
- Programa Internacional de Avaliação de Estudantes
que acontece de três em três anos.
Gabriel retoma o assunto:
- Na última, em 2016, o Brasil teve queda. Ficando em
sexagésimo lugar em Matemática; sexagésimo terceiro em Ciências; e
quinquagésimo nono lugar em Leitura. O que é contraditória a fala dele. Querer
que o Brasil esteja em melhor colocação justamente impendido os estudantes de
se desenvolverem em Matemática, Ciência e Linguagem.
Girvany compartilha um micro conto seu: “ANENCÉFALOS.
Arranquem nossos neurônios, já não precisamos pensar, seremos autômatos, robôs,
seremos a massa desprovida de cérebro, seremos cobaias de um experimento
macabro, a urdir a nossa total insignificância...”.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Beto (Gilberto) M.
Weber e Rodrigues Rosemberg.
Recomendo a leitura de:
“Fausto”, de Goethe.
Pela editora Martin Claret pode-se encontrar a tradução
integral do original.
“Socos e Alívios”, de Girvany de Morais. Pode conseguir com
o autor através de:
“Rumo à vitória”, de António MR Martins:
MILANESI, Luís. Bibliotecas para quê?. O Que É Biblioteca. São Paulo: Brasiliense, 1983. Coleção Primeiros
Passos.
FAGUET, Émile. A
Arte de Ler. [Adriana Lisboa (trad.)]. Rio de Janeiro: Casa da Palavra,
2009. P. 62.
¹ A regra de três simples, na matemática, é uma forma de
descobrir um valor a partir de outros três, divididos em pares relacionados
cujos valores têm mesma grandeza e unidade.
Dizendo de outra maneira:
Regra de três simples é um processo prático para resolver
problemas que envolvam quatro valores dos quais conhecemos três deles. Devemos,
portanto, determinar um valor a partir dos três já conhecidos.
Passos utilizados numa regra de três simples:
1º) Construir uma tabela, agrupando as grandezas da
mesma espécie em colunas e mantendo na mesma linha as grandezas de espécies
diferentes em correspondência.
2º) Identificar se as grandezas são diretamente ou
inversamente proporcionais.
3º) Montar a proporção e resolver a equação.
Exemplo:
1) Com uma área de absorção de raios solares de
1,2m2, uma lancha com motor movido a energia solar consegue produzir 400 watts
por hora de energia. Aumentando-se essa área para 1,5m2, qual será a energia
produzida?
Solução: montando a tabela:
Área (m²) ó Energia (Wh)
1,2 400
1,5 X
Identificação do tipo de relação:
Inicialmente colocamos uma seta para baixo na coluna que
contém o x (2ª coluna). Observe que, aumentando a área de absorção, a
energia solar aumenta. Como as palavras correspondem (aumentando -
aumenta), podemos afirmar que as grandezas são diretamente proporcionais.
Assim sendo, colocamos uma outra seta no mesmo sentido
(para baixo) na 1ª coluna. Montando a proporção e resolvendo a equação
temos:
Logo, a energia produzida será de 500 watts por hora.
Além
dessa, que é de grandezas diretamente proporcionais, há também as regras de
três com grandezas inversamente proporcionais. Poderá ver mais sobre isso no
endereço abaixo:
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve
todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o
Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo –
Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”,
“Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de
Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em
Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Foto do autor – Vinícius Siman.
Escrito na tarde de 06 de maio de 2018 e trabalhado entre
20 de junho e 21 de julho de 2019.