Prisão
de confronto entre vós próprios e os outros.
TANIGUCHI,
2017.
Em Português:
Ignorando a mim e qualquer outro
neste mundo o sol não tardará a ser por. Nos minutos que passo olhando-o faço,
desfaço e refaço uma quadra.
Ser não é ter nem estar.
Amamos pelo que é
Não pelo que tenha
Nem por onde está.
Da quadra vou para
meu celular ouvir a música Catedral na voz de Zélia Duncan. Será o silêncio
mais que ausência de sons? Será, penso, sossego e espaço para se autoconhecer.
Contudo, estou no mundo; pertenço a dois séculos. “Você tão longe de chegar
mais perto de algum lugar (...) No silêncio, uma catedral, um templo em mim
(...) Meu coração é secular, sonha e deságua dentro de mim”. Fecho meus olhos.
-
Benito!
Olho
a pessoa que me usou.
-
Oi!
-
Que bom vê-lo.
Continuo
a olhar a pessoa que me usou. Vejo seu sorriso.
-
Tem muito tempo que a gente não se vê. Vamos tomar uma cerveja.
Ainda
olhando a pessoa que me usou vejo seu sorriso e sei que me pedirá algo.
-
Vamos.
No
bar, entre nós dois, a cerveja, os copos e conversas amenas, prosaicas,
inúteis.
-
Desde que saí de sua casa estou passando muito calor no barraco que aluguei. –
Pausa para bebermos um pouco. Em nenhum momento, desde que me chamou, meus olhos
desapoiaram dele. – Como você tem muitos ventiladores em sua casa bem que
poderia me dar um.
-
Cada ventilador de minha casa está em uso. Um para cada quarto. – Com os olhos
continuamente pousados nele esvazio o copo. – Como pensei quando me convidou a
beber, você só me procura quando quer algo; nunca por afeto.
Furioso
ele se levanta e paga a conta enquanto saio do bar.
Abrindo os olhos percebo as nuvens
dourando-se. No celular mudo a música para Dança da Solidão na voz de Marisa
Monte. Quando só bailo comigo. Algumas vezes em doce compasso e outras em
compasso amargo. Mas sempre a visitar os salões do meu museu da memória
tentando não me repetir. “Danço eu, dança você na dança da solidão. (...) Meu
pai sempre dizia: meu filho, tome cuidado. Quando eu penso no futuro não
esqueço o meu passado. (...) Apesar de tudo, existe uma fonte de água pura. Quem
beber daquela água não terá mais amargura”. Fecho os olhos para entrar no meu
museu:
-
Sabe! Essa música me ajudou a sarar a dor de gostar sem retorno.
-
Tudo passa. O único permanente é a mudança. – Filosofa um amigo. – Mas pelo
menos você se apaixonou. Você sempre disse que nunca se apaixonou...
-
Verdade. Nunca me apaixonei e por isso nunca sofri. Nunca pedira pá e chão para
enterrar-me.
-
Sempre me apaixono e nunca sofri nos términos.
-
Talvez porque você tivera reciprocidade.
-
É, pode ser. E também nunca fui largado por estar doente.
-
Leucemia é pesado...
-
Não o justifique fazendo desse adjetivo um advérbio.
-
Agora é você o professor de português.
Falei
sorrindo e sorrindo me responde:
-
Sou do babado fortíssimo, meu bem.
Baixamos
os olhos.
-
A doença é pesada e por isso ele tinha que te ajudar a suportar o peso.
Outra vez abro os olhos para ver
um quase escuro absoluto. E agora escolho para ouvir Mais Uma Vez na voz de
Renato Russo. Sem dinheiro para pagar água, luz e, agora, gás. Doente. Violências
na escola; perseguição política. Mas estou comigo... No meu museu, bailando. E
um raiar de confiança em mim. “Escuridão já vi pior, de endoidecer gente sã. Espera
que o sol já vem. (...) Tem gente que está do mesmo lado que você, mas deveria
estar do lado de lá. Tem gente que não sabe amar, mas eu sei que um dia a gente
aprende. Se você quiser alguém em quem confiar, confie em si mesmo. Quem
acredita sempre alcança! (...) Mas é claro que o sol vai voltar amanhã. Mais
uma vez, eu sei”. Quando ia fechar os olhos:
- Benito!
- Oi, Cecilia!
- Que está fazendo aí sentado na
beira do rio?
No lugar de responder, digo:
- A música de Renato Russo me
ajuda quando a situação está terrível.
- Tudo passa. O único permanente é
a mudança.
- Grande verdade. Mas estou triste.
Meu Brasil está tratando os professores como inimigos. Tem um prêmio nacional
que se chama “Educador Nota 10” e a ganhadora foi atacada a tiros por
dedicar-se ao ensino.
- É só um momento histórico
complicado.
- Deus te ouça.
- No Caralivro tenha baixo o seu
perfil para não chamar a atenção. E esperar que passe. “Quando encontrar uma
grande oposição, a espere debilitar-se. Aí você avança com resolução!”. Disse Mario
Rodríguez Cobos, um filósofo argentino.
- Obrigado, Cecilia, por suas
palavras. Muito obrigado!
- Não se desespere e nem se
converta a mártir. Os jovens da América Latina te necessitam vivo.
- Obrigado!
- Cuide-se!
- Tento não ser preso. Entretanto,
não posso me calar. Nem na sala de aula, nem nos meus contos. – Desvio o olhar
para o céu. – Minha vantagem é que sou invisível.
Levanto do barranco e recebo um
beijo na testa.
- Benito, você tem que ser
inteligente e, se necessário, fazer-se de bobo.
- Verdade.
Digo sorrindo com os olhos
molhados. Queria poder rir, mas só consigo chorar.
En español:
PRISIÓN DE
ENFRENTAMIENTO
Ignorando
a mí e a cualquiera otro en este mundo el sol no tardará a ponerse. En los
minutos que le paso mirando hago, deshago y rehago una cuadra.
Ser no es
tener ni estar.
Amamos por
lo que es
No por lo
que tenga
Ni por
donde está.
Del
poema me voy a mi celular oír la música Catedral en la voz de Zélia Duncan.
¿Será el silencio más que ausencia de sonidos? Será, pienso, sosiego y espacio
para auto-reconocerse. Pero estoy en el mundo; pertenezco a dos siglos. “Tú tan
lejos de llegar más cerca de un lugar (…) En el silencio una catedral, un
templo en mí (…) Mi corazón es secular, sueña y desagua dentro de mí”. Cierro
mis ojos.
-
¡Benito!
Miro
la persona que mi usó.
-
¡Hola!
-
Estoy contento en verlo.
Continúo
a mirar la persona que me usó. Veo su sonrisa.
-
Lleva un par de días que no te veo. Vamos a una cervecería.
Todavía
mirando a la persona que me usó veo su sonrisa y sé que me pedirá algo.
-
¡Sí, vamos!
En
la taberna, entre él y yo, la cerveza, los vasos y charlas amenas, prosaicas e
inútiles.
-
Desde que salí de tu casa estoy sufriendo con el calor en el cobertizo que he
alquilado. – Pausa para beber un poco. En ningún momento, desde que me llamó,
mis ojos desacotaron de él. – Como tú tienes muchos ventiladores en tu casa me
gustaría que me regalase uno.
-
Cada ventilador de mi casa está en uso. Uno para cada pieza. – Con los ojos
continuamente posados en él vacío mi vaso. – Cómo pensé cuándo me invitó para
beber, tú solo me procura cuándo quiere algo; nunca por afecto.
Enfadado
él se levanta y paga la cuenta mientras salgo de la cervecería.
Abriendo
mis ojos percibo nubes de oro. En mi celular cambio la música para Danza de la
soledad en la voz de Marisa Monte. Cuando estoy solo bailo conmigo. Algunas
veces en dulce compaso y otras en compaso amargo. Pero siempre a visitar los
salones de mi museo de la memoria intentando no me repetir. “Danzo yo, danza tú
en la danza de la soledad. (…) Mi papá siempre me hablaba: hijo, ten cuidado.
Cuando pienso en el futuro no me olvido de mi pasado. (…) A pesar de todo,
existe una fuente de agua pura. Quien la beba no tendrá más amargura”. Cierro
los ojos:
- ¡Oye! Esa música me ayudó a sanar el dolor de gustar sin retorno.
- Todo pasa. El único permanente es el cambio. – Filosofa un amigo. – Sin
embargo, al menos te apasionaste. Vos siempre has dicho que nunca te has
apasionado…
- Verdad. Nunca me apasioné y por eso nunca sufrí. Jamás pidiera “al-coba”
para engañarme.
- Siempre me apasiono y nunca sufrí en los términos.
- Tal vez porque tuvieras reciprocidad.
- Es posible. Y también jamás he sido dejado por estar enfermo.
- Leucemia es pesado…
- No lo justifique haciendo de ese adjetivo un adverbio.
- Ahora eres tú el profesor de español.
Hablé sonriendo y sonriendo me contesta:
- Soy de los chismes fuertísimos, cariño.
Miramos al suelo.
- La enfermedad es pesada y por eso él tenía que ayudarte a soportar el
peso.
Otra vez abro los ojos para ver un casi oscuro absoluto. Y ahora elijo
para oír Una Vez Más en la voz de Renato Russo. Sin plata para pagar agua, luz
y, ahora, gas. Enfermo. Problemas en la escuela: persecución política. Pero
estoy conmigo… En mi museo, bailando. Y un alboreo de confianza en mí. “Negritud
ya vi peor, de enloquecer gente sana. Espera que el sol ya viene. (…) Hay quien
está del mismo lado que vos, pero debería estar del lado de allá. Hay quien no
sabe amar, pero yo sé que uno día todos aprenderán. Se quieres alguien en quien
confiar, confía en ti mismo. ¡Quien acredita siempre alcanza! (…) Es verdad que
el sol va volver amaña. Más una vez, lo sé”. Cuando cierro mis ojos:
- ¡Benito!
-
Hola, Cecilia.
-
¿Qué haces sentado en orilla del rio?
En
lugar de contestar digo:
-
Esa música de Renato Russo me ayuda a lograr cuando la situación es terrible.
-
Todo pasa. Lo único permanente es el cambio
-
Grande verdad. Pero estoy triste. Mi Brasil está tratando a los profesores como
enemigos. Hay un premio nacional que se llama “Educador Nota 10”. Y la ganadora
fue atacada a tiros por dedicar-se a las enseñanzas.
-
Es solo un momento histórico complicado
-
Dios la oiga.
-
Perfil bajo no llamar la atención y esperar a que pase. ‘¡Cuando te enfrentas a
una gran fuerza espera que se debilite y avanza con resolución!’, dijo Mario
Rodríguez Cobos, filósofo argentino.
-
Gracias por su palabra. Muchas gracias.
-
No desesperes ni te conviertas en un mártir. Los muchachos de Latinoamérica te
necesitan vivo.
-
Gracias.
-
¡Cuídate!
-
Intento no ser preso. Sin embargo, no me puedo callar. Mi ventaja es que soy
invisible.
Me
levanto del barranco y recibo un beso en la frente.
-
Tienes que ser inteligente y si es necesario pasar por tonto
-
¡Verdad!
Digo
sonriendo con los ojos mojados. Quería poder reír, pero solo consigo llorar.
Ofereço como presente aos
aniversariantes:
Gedeon Oliveira, Roberto J.W. Leite,
Felipe Valderrama, Renato Gomes e Nei Gomes.
TANIGUCHI, Masanobu. Bem. Canto em Louvor ao Bodisativa Que Reflete
os Sons do Mundo. Tóquio: Seicho-No-Ie, 2017.
Rubem Leite
é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário:
aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o
Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo –
Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”,
“Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de
Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em
Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
GOURMELEN, Jacques. Jornal Ouest-France.
06/4/1972
Sobre a foto: Muito mais do que retratar a
luta dos trabalhadores contra o Estado
opressor, esta foto simboliza o reencontro de dois amigos em posições
antagônicas. O jovem, cuja expressão continua a causar comoção mesmo 45 anos
depois da data do evento, é o operário Guy Burniaux, um dos líderes dos
trabalhadores grevistas que lutavam por um aumento de setenta centavos por cada
hora de trabalho; o policial, o qual ele segura pelo colarinho, é Jean-Yvon
Antignac, seu inseparável amigo da época de escola. O que ficou registrado,
porém, na fotografia de Gourmelen, é o desespero de alguém que se depara com
seu amigo lutando ao lado do oponente e é tomado por um momento de fúria e
revolta, levando-o a gritar para que o antigo companheiro de escola fosse para
cima dele, enquanto o outro permanecia impassível sem sequer levantar o
cassetete. / A foto que circulou o mundo e tornou-se ícone
do embate entre trabalhadores e força policial, representando o autoritarismo
do Estado, revela muito mais que isso, é um registro de imensa carga subjetiva,
retratando toda a intensidade do embate entre dois amigos cujos caminhos voltam
a se cruzar num momento em que ocupam lugares sociais completamente opostos.
Homem pelado no
jardim se prepara para o combate – foto do autor.
Luz na Noite –
foto do autor
Foto do autor –
Vinícius Siman.
Escrito em abril e trabalhado entre os dias 27 e 29 de
setembro. Tudo em 2019.