Obax anafisa.
“No amor
basta uma noite para fazer de um homem um Deus”.
(AZEVEDO,
1984)
No escuro o
silêncio, um existir com jeito de não existência. Até que gritos violentos de
dois traficantezinhos e viciados em craque brigando pelo cachimbo. As ameaças
de morte, o ódio nas vozes e os ataques físicos quebram o silêncio tirando-me
da inexistência do sono e enricando-me de adrenalina.
Sem poder
dormir me levanto para encerrar a madrugada com minhas preces e começar a manhã
com meus trabalhos de faculdade. Ó céus! A internete está fora do ar. Ligo
então para a Oi Velox. Gravação chata, clicar número, mais gravação, clicar
outro número e assim indo até que
- Bom dia!
Sou Fulana. Com quem falo?
- Benito!
- O que o
senhor deseja?
Resumindo o diálogo:
a garota me afirmou “em três dias o problema estará resolvido”. No quarto dia
ligo outra vez e Beltrano afirma “o problema está na Central e será preciso
mais três dias”. E pelo que vejo hoje será a missa de sétimo dia... E foi! Só
me resta o procon. Será que valerá alguma coisa?
Nesse meio
tempo, sem internete em casa tenho ido ao Pq. Ipanema. Na volta, os cabelos
negros em um corpo moreno deitado sobre a grama sob as árvores. Belo corpo. Seu
rosto voltado para o lado contrário de onde venho se mostra refletivo ou vazio.
À medida que me aproximo seus olhos se encontram com os meus. Sorri para mim e
eu lhe cumprimento. Ao passar-lhe sua voz me pergunta:
- O senhor tem
um real?
- Devo ter
umas moedas no bolso, não sei.
- Moro em Fabriciano. Estou
com preguiça de ir a pé e estou com fome.
- É! Já são
mais de onze horas. Estou indo para minha casa fazer meu almoço. Se quiser,
venha comigo.
Ante sua hesitação
(ou será outra coisa?) explico
- Não estou vendendo
comida ou comprando sexo. É apenas convite para almoçar.
- A gente não
se conhece...
- Você que
sabe. Somos adultos e é só convite para almoçar. Mais nada.
Em meu
apartamentinho
- Nó! Quanto
livro... O senhor deve gostar de ler.
- Prefiro que
me trate por você.
- Posso pegar
neles? – Aponta para meus livros.
- Sim, pode.
Escolhe um e
lê “minhas professoras co-costumavam passar exercícios de redação. Cada um de
nós tinha de escrever uma carta, narrar um passeio, coisas assim. Criei gosto
por esse dever, que me permitia aplicar para determinado fim o conhecimento que
ia ad-adquirindo do poder da expressão contido nos sinais reunidos em palavras. Daí por
diante as experiências foram-se acumulando, sem que eu percebesse que estava
descobrindo a literatura”².
- Você tem
boa leitura.
- É! Eu
também gosto de ler. Mas não tenho uma biblioteca, muito menos uma assim, feito
a sua.
- Obrigado!
Arroz branco,
feijão preto, carne cozida, salada colorida e retiro sua persistente dúvida
afirmando “Sexo só faço com quem quero e com quem me quer”. O que você acha V
ou F a minha afirmação? Gostaria que você me falasse o que sua imaginação lhe
diz. À noite, porém, mais uma vez sozinho e no escuro o silêncio, um existir
com jeito de não existência.
- Não me
deixe. Eu tinhaaaaaaamooo. – Voz de mulher, nasal, ridícula.
- Para cum
issu, mulé!
- Ai, eu
tinhaaamoo.
- Para cum
issu. Uzomi vão vir aqui.
- Num
mimporta. Eu tinhaaamoo. Ai, Deus!
- Vai acordar
usvizinhu e ozumi vão vir.
- Num
mimporta. Eu quero morrer. Deeeus! Me mata, Deus! Socê num fica cum eu então mi
mata. Eu tinhaaaaamooo. Eu quero morrê, Deus! Socê nunqué ficá cum eu então mi
mata.– Tum. – Aiiê!
Concomitantemente
da janela de meu quarto grito: Vá cantar “nemaquitepá”, peste. Mas bem longe.
Ofereço como presente
de aniversário à
Cláudia Turatti, Luiz
O. Ferreira, Alano O. Barbosa, Sueli M.B. Silva, Ronalla Kelly, Rita E. Rocha.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me
lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 24 de
junho e 02 de julho de 2012.
¹ AZEVEDO, Álvaro de – Poesia / Maria José da Trindade Negrão
– 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984 (Nossos Clássicos), página 41.
² ANDRADE, Carlos
Drummond – Para Gostar de Ler: crônicas, vol. 04 (diversos autores) – São
Paulo: Ática, 1979, página 07.
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