Ofereço a
carta que recebi de Thiago Domingues, grande poeta e amigo maior ainda, à Solange
Maria, diretora da Agência Oz. A missiva é meu voto de que minha querida agente
cultural supere o que nela está doendo...
Mulé, mostre-se
resiliente. Afinal, você é “sol dos anjos”.
São Bernardo do Campo, 10 de
Julho de 2012
Bom amado
professor e poeta Rubem Leite, que imensa satisfação corresponder-me com você!
Estimada
referência nesta minha curta trajetória no mundo das letras, felicito-me em
trazer neste diálogo um assunto que muito me interessa: a Educação.
Em uma de
nossas conversas lembro-me de ter dito o quanto me inspiro naquelas pessoas que
pintam o mundo com a cor da renovação e da esperança, e você, além de poeta, é
uma dessas pessoas que tem deixado o mundo mais colorido.
Entre tantos
modelos educacionais, penso que nós dois entendemos a Educação como ferramenta
para a liberdade e autonomia, para o desenvolvimento do espírito crítico e
reflexivo; aquela educação que consiste em ler o mundo, para em seguida
significar as palavras, como preconizava outra grande inspiração minha: Paulo
Freire.
Acabo de ler a
reportagem do seu projeto teatral que saiu no site do Jornal do Vale do Aço.
Simplesmente inspiradora!
Penso que a
Arte tem uma importância nuclear em nossas vidas. Seja com as crianças ou com
qualquer idade. Refiro-me à arte em seu sentido pleno, ou seja, a metamorfose
das emoções como linguagem essencialmente humana, o êxtase das nossas potencialidades criadoras.
É preciso
reavivar no homem a relação com os mananciais criativos, inerentes à nossa
condição e a Arte é a encubaroda desta potência. Identifico-me (intimamente com a linguagem da poesia,
pois é ela que, no meu caso, oferece este canal fértil de diálogo e aproximação
com estas esferas. É com a linguagem
poética que tenho investido algumas práticas aqui, na biblioteca, meu local de
trabalho.
Há em nossa
cidade um projeto fascinante e no qual me orgulho de fazer parte. É a concepção
REBI (Rede Escolar de Bibliotecas Interativas) de Bibliotecas Escolares, criada
muito antes da Lei federal 12.244 que dispoe sobre a obrigatoriedade das
bibliotecas nas escolas. É uma Rede que possui uma organização específica, condizente
com a realidade escolar e que visa atender à ideia de um ambiente favorável aos
diferentes modos de expressão e produção. Estimula-se a busca e a seleção da
informação em um espaço de livre
acesso, ou seja, não há barreiras
físicas, tampouco psicológicas, que inviabilizam o acesso aos elementos
informacionais (livros, fantoches, CDs, etc.) e o usuário. Há alguns princípios
que norteiam a utilização do espaço, rompendo com a ideia de um simples “espaço
de livros”. É possível citar a
infoeducação (educar para a informação) a leitura, cultura e memória, em que
estimula-se um belíssimo trabalho de resgate e restauração das relações da
comunidade e o contexto escolar. Dito
isso, não se faz necessário acentuar o papel importante que a biblioteca
desempenha aproximando a comunidade da escola, enaltecendo por sua vez, uma
educação para além dos muros da escola, parafraseando o grande filme francês¹.
Atuando como
um mediador das ações que podem desenvolver neste espaço atendemos o que
chamamos de ensino fundamental I, ou seja, as crianças de primeira à quarta
série, aqui em São Bernardo
do Campo, além da comunidade local ou não.
Recentemente
realizei um trabalho com poesias com as “minhas crianças”. É interessante observar o quanto a sala de
aula “absorve” muito dos conteúdos internos do professor, sua dinâmica
subjetiva e aspirações. Em uma visão
psicoanalítica é impossível desconsiderar uma neutralidade na relação
professor-aluno, um amplo espectro de
relações inter e intra inconsciente. Disse isso para frisar o quanto aquele famoso
axioma “e quem vai educar os educadores?” tem validade. Em algumas salas em que o professor sentia-se
impaciente ou não nutria qualquer interesse por poesia, a atividade ocorria aos
trancos, enquanto naquelas turmas em que o professor tinha uma “afinidade” maior
com a linguagem poética, indo além do famoso “poesia é rima” a atividade fluia com uma leveza
encantadora! Por isso, futuramente,
antes de trabalhar com as crianças, vou fazer o percurso inverso e começar com
os professores...
A atividade
foi realizada na biblioteca e tinha por objetivo o diálogo entre duas paixões que tenho: Poesia e Hip Hop.
Aproximar as
crianças do olhar poético, aquele movimento que rompe com a dicotomia de que há
apenas possibilidades restritas, entre o “sim e o não ou bem e mal” foi o meu
objetivo maior. O olhar poético surge
para mostrar que a poesia pode ser um mundo de infinitas possibilidades e o
encorajamento para a descobrir o que
existe de melhor de si, seja a sua melhor contribuição para o mundo.
O Hip Hop é a linguagem das ruas que
possibilitou aproximar os conteúdos programáticos aos conteúdos internos da
história de vida de cada um. O Hip Hop como retomada da oralidade (também
trabalhamos com a literatura de cordel, o repente e a embolada) e o uso do
corpo dentro da escola (através das danças e movimentos típicos dos B.Boys) foi o caminho que usamos para concretizar a
poesia como linguagem comum entre os “pequenos”. Para isso, nada melhor do que usar o legado
dos nossos grandes “poetas-mestres” como
Pessoa, Neruda, Quintana , Drummond e João Cabral para revelar o potencial
de cada um dos nossos “pequenos” e a
partir da aproximação poética, incentivar a criação autoral de cada um em
diversas plataformas.
O trabalho foi
discriminado por cada ano/ciclo e teve desde a realização de saraus temáticos
na biblioteca, passando por mini-eventos de improviso ou freestyle até a elaboração
dos trabalhos dos alunos, expostos aqui na biblioteca em formato de cordel ou impressos.
Tivemos também belíssimas apresentações de “poemas pintados”( alguns poemas
viraram pintura das crianças ou foram retratados em paineis em foram de
grafite) ou declamados à la MC
(mestre de cerimônia, figura importante do movimento Hip Hop).
Pois é, meu
grande amigo, sou muito feliz no que
faço! Peço todo dia, ao acordar, que eu
tenha sempre inspiração e transpiração de sobra para inovar e acreditar sempre
no potencial do ser humano. Se hoje eu
sou o que sou, é pelo fato de ter pessoas que acreditaram em mim.
Castro Alves, certa vez disse que “é preciso ouvir o gênio
que borbulha em cada um de nós”, e é com este espírito que busco moldar o presente para que o amanhã não seja
estreito e repetitivo, e o brilho nos olhos não seja privilégio de poucos...
Acreditar não mais pela ingenuidade, mas pela certeza.
Inspirações
duradouras,
Thiago Domingues.
¹ Entre os
muros da escola (Entre les Murs ) é um filme francês do
ano de 2008. O diretor Laurent Cantet retrata a realidade escolar francesa e
aborda o impacto do sistema educacional nos alunos. Ao direcionar as críticas ao sistema de ensino local,
encontramos no filme também muito do que
o pensador Michel Foucaul (1926-1984) disse sobre a educação, entre eles o
caráter “adestrador” do pensamento e as relações de poder exercida neste
espaço.
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