quinta-feira, 2 de abril de 2009

PELAS GRADES DA JANELA

15-31\3\09



Foram tardes de muito calor. Insuportável. Finalmente umas trovoadas prometeram alívio. E não eram políticas. Ventos se uniram as trovoadas e me disseram que a tarde iria amainar. Por fim, os relâmpagos se uniram aos dois e juntos cumpriram a promessa.

O meu quarto é o mais quente da casa. Na verdade transformei a sala em quarto. E o sol o rodeia do seu nascer ao ocaso. Mas finalmente a chuva me deu o ar de sua graça. Pego uma cadeira e a ponho lado a lado com a janela. Vou à cozinha, faço um café com leite e volto para meus aposentos. Sento na cadeira, como biscoitos mergulhados na beberagem. Alguns pensamentos até tentam me invadir, mas não consigo pensar em nada. Apenas olho para a chuva que cai lindamente sobre o micro jardim.
No meu quarto, pela janela, atrás das suas grades olho para a chuva que cai lá fora. Pelas grades de minha janela o vento me acaricia, os trovões me dizem para esquecer Régio enquanto os relâmpagos me fazem vê-lo.
Como a culpa dói.
Os trovões me dizem:
- Está apaixonado?
Nada ouço.
- Até parece que está apaixonado.
Continuo quase sem ouvir.
- Apaixonado por um macho.
- Apaixonado ou não apaixonado. Eis a questão.
De tanto falar consigo perceber que eles conversam comigo.
- Que dizem?
- Está apaixonado pelo centauro?
- Não! Não é paixão que me faz chorar por dentro. É a minha falha que dói. O meu erro é que me fere. Perdi um amigo. Grande amigo. Talvez mais que um irmão.
- Ainda achamos que está apaixonado.
- Também achei que estava. Mas não era nem é.
Volto para dentro de mim deixando os trovões, os relâmpagos e o vento conversando entre si. Sem eu perceber, a chuva, mãe dos três, pede silêncio enquanto me acarinha.

Pela manhã:
Não sei se é pardal ou beija-flor.
Seja o que for é um amor.
O que sei é que a semana promete gente bacana.
Então sorrio a beça com livro cabeça.
Como seria bom ser feliz.
Didi, Nena, Cida, Bruno, Diane visitam minha cabeça.

Um quarto de século. É o que tenho que esperar. Vinte e cinco anos e voltam os centauros. Errei! Que posso fazer agora? Viver! Se não posso desfazer o feito. Faço o melhor com quem encontrar. Viverei esperando os próximos vinte e cinco anos até encontrá-lo. Se ele aceitar minha desculpa, bom! Se não aceitar, pelo menos tentei. Enquanto isso e depois disso o que farei é viver. Viver, repito, é o que farei.

Vinte e cinco anos.

Estou diante da rocha. E olho para mim. É agora meia noite. Quem virá?
- Ele virá, Benito!
- Maria Tereza!
- Só vim dizer que estou torcendo por vocês.
- Como sabe que será ele?
- Ora! Você sabe tão bem quanto eu. O que faço você faz tão bem também.

Ela vai embora me deixando um sorriso em meus lábios.

- Você?
- Espere, Régio, não vá! Só me deixe falar. Depois, pode ir. Por favor.
- Fale!
- Perdão! Eu errei. Só isso queria dizer. Adeus!
- Adeus!

Encaminho para casa. Sem lágrimas. Sem sorriso. Em paz. Durmo tranqüilo. Acordo com alguém à porta. Sinto Maria Tereza que entra. Prepara-me o café da manhã enquanto vou ao banheiro. Tudo é um silêncio gostoso. E à porta, prestes a sair:
- Benito. Volte hoje à rocha.
- A mim, você quer dizer.
- Não. À rocha. Ele estará lá.
- Disse algo para você?
- Sim!
- O quê?
Maria Tereza se encaminha para uma árvore na calçada.
- O que acabei de dizer. Para você ir.
Ela se desvanece atrás da árvore.

O dia passa normal. Estou em paz.
Meia noite. Bebo a água do riacho.

- Benito!
Estende sua mão para mim. Um sorriso. E mais sabedoria em seus olhos.
Respondo ao cumprimento. Um sorriso. E mais sabedoria em meus olhos.
- Estou feliz, Régio. Você me perdoou.
- Sim! Estudei também a sua alma. Em meu mundo aprendi a ler corações. Com Maria Tereza entendi coisas que ignorava. E me surpreendo por você não guardar rancor... pela rocha...
- Uma parte minha pensou nisso. Meu todo recusou isso. Se antes fui parte do Traidor hoje eu sou eu integral.
- Estou contente por você está aqui.
- Também estou, por você ter me perdoado. E os outros centauros?
- Estão vivendo a vida deles.
- Então vou indo. Só Deus sabe o quanto estou feliz em rever você.
- Vim convidar você para conhecer meu mundo.
Fala enquanto me virava e somente olho para ele, ainda meio de lado.
- Venha comigo, irmãozinho.
Outra vez de frente para ele não tenho fala. Finalmente, após um tempo indefinido:
- E os outros centauros e seres de lá?
- Estão vivendo a vida deles.
- Eu quero ir...
- Venha e fique o próximo quarto de século conosco.
Quero ir, mas é muito tempo fora. E minha vida? Meus livros? O teatro? A contação de estórias? A Seicho-No-Ie? Tudo isso penso.
- Fique comigo, Benito.
- Vou!
- Suba em mim para irmos.

Uma névoa surge e nos envolve levando-nos.

É um mundo bonito. Florestas imensas. Campinas sem fim. Cidades diversas. Mais de uma para cada espécie. E sou o único humano. Se não contar bruxos e feiticeiros. Alguns me recebem com pedras pelo que fui. A maioria me recebe com flores pelo que sou. Todas as crianças me rodeiam para ouvir estórias do lado de lá; daí onde você me ler. Quantos anos será que teria no seu mundo? Seu mundo? Tem horas que fico confuso com qual é meu mundo. Aqui pouco mudo, mas não tarda e voltarei para aí. Aqui é bom. Sentirei saudades. Mas é aí que quero morar. Minha casa. Será que me acostumarei? Bem! Deixemos eu voltar para sabermos. Até daqui a pouco.Ah! Ia me esquecendo. Aqui eu me transmuto em bichos e na forma dos seres daqui se eu quiser. E minhas capacidades mentais aumentaram. E ninguém me estranha

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