quarta-feira, 16 de setembro de 2009

CAIXA DE JÓIAS

Rubem Leite – 16-9-09

Há muitas flores no mundo, olhando-as, veja.

Desejo que você observe as flores que enfeitam

Mesmo não sendo vistas

E perfumam mesmo não sendo cheiradas.

Parabéns pra você nesta data querida. Muitas felicidades, muitos anos de vida”.

- Para você, um carrinho.

- Muito obrigado! Falo sorrindo.

- Para você, uma camisa.

- Padrinho! Cadê o presente?

- Roupa é presente, Benito. Sem graça e mais ainda irritada me fala a minha mãe enquanto meu padrinho ri.

- Para você, um aviãozinho.

- Muito obrigado! Falo sorrindo.

- Prá você.

- Um livro? Eu digo enquanto penso “Quem é que dá livro de presente?”. Depois de um certo silêncio: Obrigado!

- Para você, um chorte.

- Obrigado! Somente falo.

- Para você, um “playmobil”.

- Obrigado! Muito obrigado! Falo mais do que sorrindo.

- Para você, um sabonete em forma de pirata.

- Obrigado! Mas preferia outra coisa. Digo e vendo o ar sem graça de minha irmã percebo meu erro e tento remediar. Mas é lindo. Dá até pena usar.

E os presentes continuam chegando.

Dia seguinte.

Penso: Roupas não são presentes. Isso a gente ganha o ano todo. Presente é coisa especial e não obrigação. Agora os brinquedos, isto é, os presentes são super legais. E pergunto: Vó! Livro é presente?

- É Claro, Benito. E dos melhores.

Passam os meses e volto para casa de meus pais depois de um ano morando com minha avó.

- Trouxe para você. Minha tia, que me trouxe, fala me dando um livro de presente.

- Não quero.

- Ler é muito bom.

- Não acho.

- Você acabou de aprender a ler. Como pode não gostar de algo tão bom e novo para você quanto ler.

Nada falo enquanto fecho a cara rindo por dentro. Estou só fazendo fita; brincando apesar de nunca ter lido nada fora da escola. Nem o “Negrinho do Pastoreio” que ganhei no aniversário. Nem a “A Formiga e a Cigarra” que ganhei de minha prima carioca Nádia, que visitava nossa avó em Raul Soares. Passeávamos pela praça da cidade enquanto paramos na banca para ela comprar algumas revistas. A prima olhou para um livrinho, olhou para mim, olhou para o livrinho e o comprou para mim. Não sabia ler ainda, mas um presente é sempre agradável. “Livro é presente, sim”. Entendi.

- Você vai ler esse livro e se não ler não sai pra brincar. Fala minha tia ao mesmo tempo que eu encerrava meu pensamento.

Irritado pensei “Não quero ficar de castigo e só estou fazendo ora com a cara da tia. Vou ler sim. E se for chato nunca mais pego nesse troço”.

Pego o livro. Olho para ele. Leio uma página. Leio outra. Vejo a figura. Leio mais um pouco. Leio mais. Continuo lendo. Olho vagamente a nova gravura. Leio. Leio. Leio. Levo o prato do almoço para o quarto e continuo lendo. Lendo. Lendo. Vou ao banheiro. Volto a ler. Olho outro desenho e não paro de ler “Marcelino Pão e Vinho”. Depois li "Negrinho do Pastoreio", “Reinações de Narizinho”. “Renato Renato”. “Heide”. E ...

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