Importante observar que o mote do cronto é a ilustração. Seu criador e Rodrigo Lima.
Escrito entre a tarde de 30 de janeiro a 22 de março.
Ofereço como presente de aniversário aos
Maria Cloenes, Vagner Crivellari e Mara Coutinho.
Na cozinha Dna. Maria prepara a feijoada para vinte pessoas numa festa para oito: Quatro amigos. Alemão, louro como só ele na sua calça comprida, esbofeteia o pandeiro; Zulu, seu amigão do peito, na sua eterna bermuda, acaricia o cavaquinho. Ele é de longe o homem mais bonito do que por longos anos seria conhecida como Rua do Buraco. Os dois dividem o teto. Sobre a mesa, cachaça e copinhos. A casa onde estão tem dois quartos. Uma para dona Maria e outro para os rapazes. Tem mais um cômodo que é saaala, coziiinha. O banheiro fica fora, com os dejetos indo direto para o rio. Sentado à mesa, Valdo, pião da Usiminas, é o mais negão na festa e o de voz mais bonita. Dançando está seu irmão Miro. Quem tem mais molemolência do que ele? Comemoram a primeira folga do Valdo. Estão a espera de Carlinda e Maria Flor, namoradas dos irmãos. Ah! Falta ainda Máicon, o caçula da casa. Alemão e Zulu moram no barraco ao lado, o da beira do ribeirão Ipanema. Um barracão de partilha. Uma sala partilhada com cozinha, um quarto onde os dois dormem partilhando a cama mais o banheiro direto sobre as águas. Partilhando águas com os dejetos. E é onde compartilham a vida.
Sete pessoas muito felizes cantam, dançam e comem. Máicon ainda não chegou. Seus quinzes anos lhe mostram Dulce e festejam juntos algo que é só deles e que descobriram juntos. No quartinho da garota seus corpos dançam, suas gargantas instrumentalizam e cantam, bebem seus suores e se comem. Isso é que é feijoada da boa. Pensaria ele anos mais tarde.
A festa é 06 de outubro de 1.963. E o dia seguinte? Massacre de Ipatinga. A polícia mineira, dizem os estudiosos e os professores, é a mais violenta do Brasil. E dizem que a polícia ipatinguense é, ou foi, a mais violenta de Minas.
A festa não parou até o amanhecer e o dia foi passando. Todos nos dois barracões dormiam enquanto a greve começou e enquanto acontecia a nossa estória não parou.
- Eles estão é pedindo confusão. – Bradou o presidente da indústria.
- Querem é bala. – Confirmou o chefe da polícia.
Tiros a mancheia foram o que aconteceu. No posto de saúde a criança que saía no colo da mãe morreu. O barbeiro que ia para o trabalho se feriu e seu parente que visitava a cidade e assistia curioso a pacífica manifestação morreu. Muitos chegaram mortos ao hospital e muito mais morreram depois. Por dias, muitos manifestantes ou mesmo simples funcionários se esconderam em bueiros, porões ou onde pudessem tentando escapar da morte. Incontáveis certidões de óbito desapareceram. Exceto sete, inclusive a da criança morta nos braços da mãe ferida mais na alma que no corpo. Incontáveis certidões de óbito desapareceram. Inclusive a do Valdo, morto na porta de casa, no dia 08, ao sair para o trabalho.
Anos mais tarde, ao contar a história no “Anunciai”, promovido pela Igreja Católica, Máicon, que foi convidado pelo grupo de jovens para contar o acontecido, foi intimado pela Renovação Carismática Católica a se retirar.
- Você não pode anunciar essas coisas aqui. – Disse a chefe do movimento.
- Por quê? – Espanta Máicon.
- Agora é hora de Deus.
- Estou fazendo o que fez Jesus. Anunciand...
- Você está é denunciando. E no local que pertence à fábrica, que nós amamos e nos ama.
- Você prefere a indústria a Jesus?
- Prefiro! Prefiro! Prefiro!
E ao contrário de Pedro, ela nunca se arrependeu.
Um comentário:
Muito bom. O massacre de Ipatinga é um acontecimento que não pode ficar esquecido. Eu me pergunto por que até hoje tem pessoas com medo de falar sobre o assunto.
Obrigada pela homenagem. Grande beijo.
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