Obax anafisa.
São nove horas e a lua está linda. Pedro e Maria Flor sentados no sofá gasto demonstram toda sua tristeza. Rico e Cátia sentados no tapete empoeirado tentam murmurar Bolero, de Ravel. Ambos igualmente tristes. Wagner, só, olha para a porta sem vê-la. Lá fora, a lua e o vento.
- Parem! – Reclama Maria Flor.
- Não é momento para música. – Pedro completa.
Rico e Cátia se calam desanimados para brigar. Wagner nada fala. Nem ouviu.
A porta se abre e Beto entra sorrindo como sempre. Wagner chora com a entrada do amigo. Uma lágrima silenciosa.
- Que isso, rapaziada. Finalmente depois do temporal de ontem e anteontem finalmente o dia, quero dizer, a noite está linda e vocês com essa cara de enterro. Vamos fazer uma fogueira e contar umas estórias de terror. Vamos!
Bate palmas exortando o grupo a se levantar e ir para fora. Entreolham-se e Wagner se põe de pé. Os demais também se erguem e o seguem para fora.
A fogueira gostosa os espera, mas não lhes reflete o íntimo e nem eles a ela. Beto se senta e Wagner de ombros caídos se posta ao lado e os outros quatro se sentam.
- Que isso, gente! Que coisa. Deixa que eu começo. Conheço uma bem legal. Li num livro chamado “Histórias mal-assombradas em volta do fogão de lenha”. Era uma vez em uma cidade onde vez ou outra os seus moradores escutavam sempre às três horas da madrugada os sons de um cortejo fúnebre – fala tremeluzindo a voz –. Todos tinham medo de ver o que era, pois poderia ser uma procissão das almas. Sabem o que é uma procissão das almas? – Ninguém responde. Fingindo não perceber o desinteresse dos amigos e empenhado em levantar a moral de todos, continua –, mas naquele dia, naquela hora, um carro chega e pára espantado pensando “e isso são horas de procissão”, mas fica esperando eles passarem. Nisso uma mulher sai do cortejo, dá-lhe uma vela e volta para seu lugar na fila. O homem, espantando e sem jeito, por não ser religioso segura a vela até todos sumirem de vista e quando vai apagá-la percebe que é um osso. Osso humano. – Fala de modo assustador. – Bem, gente que isso. Vamos! Alguém conte outra estória. Wagner?
Sem graça Wagner começa: O pai de Pedro morreu 19 anos atrás, mas todos agiam como se ele estivesse vivo todo esse tempo. Mas e as outras coisas? O gato que lhe odeia, procura, persegue e ataca numa inteligência humana. Uns olhos vermelhos. Uns miados roucos, de garganta não usada e dentro de uma caixa... Eram assim os miados. E as vespas? Em seus ninhos marrons avermelhados, disformes como se fosse obra cubista, fora de casa logo acima da janela da sala e quase do meu tamanho. Ferrão duas vezes maior que elas. Na derradeira noite a porta do quarto trancada, janela fechada e a lua entrando por ela enquanto escrevia “a quem possa interessar”. Uma vespa, duas, na janela. O gato na gameleira. Cinco, sete, dez vespas na janela. O gato mia no galho da gameleira. Quase metade da janela com vespas. Seus ferrões no vidro. Quíqui. Quíqui. Quíqui. O quarto escurecendo. O gato mia no galho quase encostado à janela com mais da metade coberta de vespas. Quíqui. Quíqui. Quíqui. O rapaz acende a lâmpada. O gato olha para ele entre os centímetros ainda não cobertos do vidro. Quíqui. Quíqui. Miado. Quíqui. Tásqui. A luz se apaga. Miado. Quíqui. Tásqui. Outro rachado no vidro: Tásqui. Batida na porta. “Filho”! Miado. O vidro se quebra. Seu pai arromba a porta...
Ninguém mais conta ou fala nada enquanto a noite passa entre a amargura de todos. Até Beto se silencia. O sol surge e com os primeiros raios de sol Beto desvanece.
- Hoje, enterro o corpo. – Diz Wagner. Não vou mais esperar quem nos tire daqui.
Rico e Pedro concordam com aceno. Cátia se levanta para preparar algo para comerem. Wagner procura algo para abrir a terra. Lágrimas. Maria Flor pensa ser castigo pelo pecado de Wagner e Beto. Pedro toca solidário o ombro do amigo. Os demais apenas olham o corpo vendo suas próprias dores.
Escrita entre 20 de agosto e 13 de setembro de 2011.
O cronto acima é contundente prova de que sou antropófago.
O que peço a Deus é que ele seja não simples merda e
sim adubo da imaginação, informação, prazer.
Ofereço como presente de aniversário aos queridos
Jéferson Santos, Willian Delarte, Sandro Assunção e Cláudio M. Miranda.
E ofereço aos meus seguidores aqui no aRTISTA e aRTEIRO:
Luiz Yuner, Patrícia Cruz, Fátima L.W. Macedo, Hermita,
Thiago Fabiano, Laudemir Silva, Camila Souza,
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O cronto é minha flor para você
e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
MESSIAS, Adriano – Histórias mal-assombradas em volta do fogão de lenha – editora Biruta.
http://artedoartista.blogspot.com/2010/08/meu-pai-o-gato-e-as-vespas.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário