domingo, 10 de fevereiro de 2019

ADENTRO MUERE GENTE


Llueve y no gotea donde no asustan los guapos por más guapos que sean.*
Libertad a los problemáticos que la sociedad moderna creó.** 

En mi pecho alguien se muere
La sangre en dolor escurre
A fecundar la tierra de rojo mugre
Hasta que otro nacimiento ocurre.
A pensar sobre a dor de alguém saindo do coração cria a quadra enquanto se senta debaixo de uma árvore no Parque Ipanema. Lá já estavam três amigos e logo em seguida chega uma conhecida. Só então fala: “Nos jornais, manchetes como”:
Bombeiros Civis voluntários são dispensados em Brumadinho e ficam indignados.
- Olha aqui, Esquerdinha! – Diz a conhecida. – Antes de comentar qualquer notícia, primeiro deve verificar a real necessidade do que está dizendo. Pois se trata de uma situação muito delicada. Uma organização como o Corpo de Bombeiros tem profissionais formados e estudados para tal atuação. E como toda organização militar é regida por um alto comando que também atua de forma bastante rigorosa, pois não se admite erros. – Enquanto ouve ri por dentro da militar inadmissão de erros. – E número nem sempre é qualidade. A tragédia já aconteceu, infelizmente. E muitas vidas perdidas não voltam mais. Mas ficar atacando partidos políticos nesse momento só mostra para mim a cabeça do brasileiro: pequena e individualista.
Pausa para respirar para melhor voltar a rosnar:
- A culpa do crime que ocorreu não é do Presidente Mito. Pelo amor de Deus, será que nem na dor, as pessoas vão parar de querer atacar os partidos políticos? Ainda mais agora que corre risco de morte como o verdadeiro mártir que tentou salvar o país do petismo? Deveríamos nos unir mais ao invés de criticar. A eleição já passou. O período para esse tipo de coisa também. Criticar uma instituição como a do corpo de bombeiros é pensar nunca mais precisar dele. E tomara que não precise mesmo. Nenhuma decisão de afastar os bombeiros civis parte da cabeça de nenhum presidente...
Respira para pegar impulso e grita:
- Mas de toda a equipe gerenciadora das buscas de salvamento.
- Dona Direita Raivosa. A senhora não distingue a diferença entre “atacar” e “cobrar” ou “atacar” e “criticar”? De acordo com o dicionário Michaelis:
A-ta-car = significa agredir, assaltar; ou assaltar reciprocamente.
Co-brar = significa proceder à cobrança, receber (o que nos pertence ou é devido).
Cri-ti-car = dizer mal de, censurar: critica impiedosamente os erros do próximo; examinar como crítico, notando a perfeição ou os defeitos de (obra literária ou artística); analisar: Com reconhecida autoridade, pôs-se a criticar das esculturas renascentistas às dos tempos modernos.
Depois da explicação pelo dicionário, continua sua resposta:
- O atual presidente declarou incontáveis vezes que leis ambientais dão prejuízos. Assim, critica-se o presidente por ser conivente com tais crimes ambientais, uma vez que ele declara que tais leis são bobagens, frescuras e prejudiciais. Aí te pergunto: como assim prejudiciais? A culpa é do presidente sim. Primeiro do Ferrando Arri Mardoso que privatizou a Vale do Rio Doce e agora do Boçalnato que desvaloriza o que é nosso e valora o que é estrangeiro.
- Do Mito nãããão!
- As Forças Armadas são, também, para atuar em caso de catástrofes – naturais ou criminosas –. Nem a manchete por mim lida e nem o artigo que a senhora não leu criticam o Corpo de Bombeiros. Criticam a Vale e o Boçalnato por recusá-los assim como o impedimento tanto dos Corpos de Bombeiros como das Forças Armadas atuarem. A senhora não está sabendo disso? É, vê-se que não. Pois não prestou atenção na manchete e nem leu o artigo. É por isso que a senhora está falando mal sem conhecimento.
- Mas, Esquerdinha, ficar atacando empresas e políticos só mostra para mim o quanto você é pequeno e individualista. Desejar a morte do mártir é horrível.
- Ninguém em sã consciência deseja a morte do Boçalnato. – Diz o Professor. – Primeiro porque quem deseja o mal alheio é ele e seus seguidores. Segundo e mais importante porque em menos de cinquenta dias já mostrou, em Davos, a seus eleitores que não consegue fazer nem um discurso politiqueiro; que faz o Brasil passar vergonha; e que suas medidas são desmedidas para o povo. E morrer agora é fazer-se o que não é: mártir. Enquanto viver martiriza seus merecidos eleitores e os não merecidos pensadores.
- Mas não é justo atacar o Presidente, seus intelectuais de merda, pois a culpa não é do Mito. Pelo amor de Deus, a gente deveria unir ao invés de criticar. A eleição já passou. O período para esse tipo de coisa também. Nenhuma decisão de afastar os bombeiros civis parte da cabeça de nenhum presidente, mas de toda a equipe gerenciadora das buscas de salvamento.
- Dona Direita Raivosa, se o Boçalnato pôde trazer o exército de Israel, poderia levar o Exército brasileiro... Então não é simplesmente má vontade da Vale. É má vontade da Vale, a criminosa, e do Boçalnato, o cúmplice eleitoreiro querendo fazer o povo amar o genocida exército israelense de olho em nosso nióbio próximo da catástrofe da Vale em Brumadinho. Aliás, é possível que a senhora também ignore que a vinda do exército israelita só deu prejuízo e causou atrasos. As despesas são por nossa conta e a espera da vinda de quem está longe não é curta. A propósito, para salvamento as aparelhagens dos militares israelitas não serviram para nada... Foram e são incompatíveis com o que se precisa nesse tipo de catástrofe. Enquanto que a aparelhagem que os bombeiros brasileiros possuem era a mais adequada.
Com um som agradável, o vento balança os galhos da árvore sobre nós.
- Parabéns pela análise, meu caro Esquerdinha. Não é uma guerra política partidária, mas o exercício da cidadania é cobrar posturas adequadas daqueles que nos representam. Afinal, são estes os que deliberadamente flexibilizam as leis ambientais. Esquerdinha e Direita, estão lembrados do Leunada Quintão dos Infernos? Eu me lembro.
A Direita faz uma cara obtusa e Cidadã continua:
- Ele foi relator de um novo Código da Mineração. E este absurdo código eliminou, na prática, qualquer regulação independente das atividades dessa indústria sabidamente poluidora e perigosa. Ele admitiu ser financiado por grandes mineradoras e é defensor dos interesses delas no Congresso¹. Então, o Quintão foi escolhido pelo Fômix Lorenzetti para compor a Casa Civil, um cargo político relevante e de confiança. Segundo uma reportagem da Época, o ex-deputado federal, depois de não ser reeleito, fez um “plantão” na casa no Boçalnato. Isso é só uma evidência mínima do relacionamento entre o governo Boçalnato e todos que são a favor da desregulamentação, liberação de agrotóxicos etc². Não é certamente por seguir os mesmos “princípios cristãos”, como o Leunada disse quando estava implorando pro novo cargo. Todo mundo sabe que Boçalnato há anos afirma que o IBAMA é uma “indústria de multas”, e que deve acabar; que é preciso “estimular a atividade mineradora”, que as licenças ambientais para novas minas demoram muito... Oh, coitadinho do ramo da mineração... E há malucos seguindo um negacionista do aquecimento global. E o pior é que o clã Boçalnato sempre vota em tudo que vai contra o meio ambiente. Esse clã é um mar de lama tóxica.
- Direita, menos com essa de “não ponham isso na nossa conta”, como disse o general vice-presidente Murrão. – Intervém Escritor. – Ou ainda pior, como acabei de ouvir na Esfera News: “O governo tem sido rápido e competente”. Na grande mídia a exceção é André Trigueiro, único jornalista a contrapor-se de forma coerente e enfática.
- Pelo amor de Deus, amigos intelectuais! Quanta ignorância a suas de culparem o atual presidente desse crime ocorrido com apenas vinte e nove dias de atuação. Não, não. Nada do que ele disse ou criou nesses poucos dias poderia influenciar no que aconteceu. Ajudem aí, né. E quanto a atuação do Exército Brasileiro e dos Corpos de Bombeiros? Vejo que não sabem nada dessas instituições e nem tão pouco de como cada uma delas funciona, nem como elas as regulamentam. Falo por conhecer. Não sejam ignorantes a ponto de culpar uma pessoa com vinte e nove dias no poder de um crime que só aconteceu por negligência ou imprudência de anteriores. Mais sensibilidade às famílias das vítimas e menos choramingos partidários.
E depois de tudo que foi argumentado, a Direita Raivosa repete as mesmas tolas ideias. Triste, triste. Como é triste aferrar-se à ignorância e ao ódio, mas não aos fatos e à fraternidade.
A Direita sai da conversa não se sabe para onde; ainda.
Esquerdinha sai da conversa com João Cabral de Melo Neto e lê ‘O Fim do Mundo’, fixando na estrofe: “O poema final ninguém escreverá  /  desse mundo particular de doze horas.  /  Em vez do juízo final a mim me preocupa  /  o sonho final.”.
Mal terminara o poema quando foi convidado por milicianos armados a entrar em um camburão para explicar suas ideias na delegacia.
É o fim da liberdade dos problemáticos.
Então ele disse por última vez: “Em vez do juízo final a mim me preocupa o sonho final”, não o medo do que vai acontec...


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Alejandro Comnisky, Luciano S. Brska, Maya Gonzalez, Rodolfo Bello, Claudina Abrantes, Rodri Go e Rodrigo M. Capa.

* CABRAL, Maximiliano Antonio. De Buenos Aires, Argentina. Año 2017 en Facebook.
** CABRAL, Julian Ariel. En Ipatinga, Minas Gerais, Brasil. En el día 07 de septiembre de 2018. En una charla personal con el autor. El título también es de Julian.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
 Imagens:
Nascer do sol - foto do autor;
Rubem dando bandeira - foto de Vinícius Siman.

Escrito entre os dias 29 de janeiro e 10 de fevereiro de 2019.

Nenhum comentário: