quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

BEIJO DEMORADO, PROLONGADO, QUE SELOU

Rubem Leite – 02-12-09

Ouvindo Casinha Pequenina, de Sílvio Caldas escrevo

Matei! Matei sim e mataria com prazer muito mais se eu pudesse. Sou uma soberana. Nunca uma soberana qualquer. Mas a soberana de suas vidas. Agora a polícia virá me prender. Como? Suas mãos indignas não poderão me tocar. Tocar a mim! A mim! A sua senhora. Não Nossa Senhora, mas a senhora sua. Deliciei com seus sexos mais do que se deliciaram com o meu. Beijei demorado, prolongado, que selou suas mortes. Mas vocês me mataram antes. Mataram-me primeiro. A mim, sua soberana. Mataram meu garanhão. Tão majestoso. Tão soberano. Tão rijo. Lindo. Vocês o tomaram. Não poderia ser de vocês então não seria de ninguém. Meu garanhão. Meu! Cresci. Tornei-me soberana. Eu me fiz soberana. Eu! E a polícia quer colocar suas mãos corruptas em mim. Nunca. Jamais. Mas agora mostrei que o único macho digno de mim era meu garanhão. E eu sou a fêmea soberana. A fêmea soberana que se deleitou com vocês. Eu! A fêmea soberana. Soberana. A polícia imunda, indigna não me tocará. No meu nobre salão real espalho, jorro perfumes. Acendo a lareira tropical. Tranco a porta. Espojo-me no divã de veludo e seda de ouro. Em pouco tempo o calor tropical é vencido pelo calor das chamas. Eu, soberana, me deito com o fogo que me come e que eu governo.

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