Obax anafisa.
Tal qual
donzela de Álvares de Azevedo estava encolhida sobre a grama, debaixo de uma
dama da noite, protegida por um lençol branco, sujo, florido, sob o manto negro
que escorre pelo sumo da laranja que desponta.
Assim é a nossa
protagonista. Mas ela não é uma, é muitas. Muita gente será descrita através de
nossa donzela azevediana; algumas mais claramente. Mas não acredito que ela
seja donzela e por não saber seu nome vamos chamá-la de Alvarina.
- Bebê! Que
Deus abençoe seu dia. – Acordada pela Piaf, a cadelinha de rua que estou
cuidando em parceria com Aparecida, minha vizinha, e com Marcony (já falei dele
no cronto Travestido, aqui no blogue. Se não leu, aproveite a dica. Se leu,
recomendo que volte lá para pegar mais informações sobre o trabalho maravilhoso
do cara). Alvarina me diz e acrescenta: depois vonassua casa tomá café.
De uma das
pessoas representadas aqui por Alvarina já falei no cronto Anjinho da
Clarineta, também publicado no aRTISTA e aRTEIRO (abril 2012). É ela que tem um
escravo. Chocou-se, ficou curioso? Pois é! Vá lá dar uma lidinha.
- Viu como a
rua está, Benito? Viu como ficou?
- Realmente,
Aparecida! Quinta você varreu tudo, de uma esquina à outra, e já está imunda de
novo.
- Foram as
Alvarina!
Rindo para não
chorarmos:
- As nossas
vizinhas. As moradoras “da” rua.
- As
inquilinas.
Mas a vida,
assim como o dia, não pára. E pela manhã fui ao GASP¹ para o Dia V. De lá terei
que ir ao bairro Nova Esperança trabalhar. Fui! Foi uma manhã boa. Ninguém
comigo, mas até que não é de todo ruim. As crianças queriam que queriam que eu
lhes desse preservativo. Não entreguei. Outras crianças, as menores, muito me
ajudaram a organizar os “quites”. E expliquei dst’s para algumas meninas que
riam de qualquer coisa e enquanto respondia a pergunta de uma, outra
perguntava. Nesse momento, vi mais tarde, os garotos maiores afanaram uma
caixa, distribuíram uns para os outros e fizeram balões. Ais meus sais.
Uarrarrá!
Para mim, um
Pastor pregou “Camisinha é do diabo”; pregou “Viado é o diabo”; pregou “O
‘homossexualismo’ é doença”; pregou “As ‘doença venera’ – venera? – são
castigos de Deus”. Só lhe dei meu olhar de tédio e refleti: Esse Pastor prega
Jesus na Cruz com seus ódios e orgulho; ele “venera” por onde passa.
De volta ao
lar.
- Nossa! Que
monte de gente suja é essa na rua?
Perguntou-me
a motorista que me levou e trouxe.
- São as
Alvarina!
- É Morte e
vida Alvarina².
- Suas vidas
são Memórias do Cárcere em corpos de Vidas Secas².
- É triste!
Muito triste.
Entro para
casa e almoço.
Ofereço
aos aniversariantes
Mª Amélia Oliveira,
Hildete Teixeira, Luana Rodrigues, Michel Ferrabbiamo, Luís F. Rezende e à
Escola de Música Tom.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço
votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 22 e 27
de agosto de 2012.
¹ GASP ó
Grupo de Apoio aos SoroPositivos – 31-3822-4565.
Dia V ó
Dia do Voluntário.
² Autores das obras:
João Cabral de Melo Neto (Morte e Vida Severina) e Graciliano Ramos (Memórias
do Cárcere e Vidas Secas).
Um comentário:
Obrigada pelo carinho, Rubem. Sinto-me lisonjeada por receber este presente seu. Amei o texto. Grande abraço.
Maria Amélia
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