Obax anafisa.
Cronto inspirado no
conto Bárbara no Inverno, de Milton Hatoum, do livro Aquela Canção: 12 contos
para 12 músicas (vários autores) – São Paulo: Publifolha, 2005. Delicioso livro
que ganhei de presente de Carlos Glauss. Obrigado!
Sol de início
de novembro.
“E me vingar
a qualquer preço”. A voz de Zélia Duncan não ultrapassava os ouvidos de Lázaro
e Cláudia. Seus cérebros gravaram nas retinas a queda de Bárbara, registraram a
calçada manchar-se de vermelho. E só. As fezes saíram com a explosão do impacto,
mas lentamente a urina se misturou ao sangue. Não foi nem um pouco a cena
bonita de A Morte do Leiteiro, de Drummond. Na rua poucos viram a tragédia, mas
muitos farejaram a desgraça e foram se saciar. Na Praça Dona Maria do Dízimo, Veneza
II, pássaros variados cantavam ignorando um cocô humano aos pés de uma árvore
no meio da praça de pinheiros. Ignoraram até a morta poucos metros adiante. Enquanto
o monturinho servia de salão de festas para moscas, nos prédios as janelas
foram se abrindo e as casas se esvaziando. Pouco a pouco e passo a passo os urubus
foram chegando com seus burburinhos eróticos para o cadáver que sorria sem
pensar que tudo partiu dela para o fim de tudo. Zélia ainda cantava “Só pra
provar que inda sou tua” quando o casal se afastou da janela. Não as falaram.
Pegaram o que precisavam. Foram para a rua. Foram embora.
O sol de
meados de novembro ardeu terrível, meus pés pisaram as pedras na terra seca
fazendo um barulho que já ouvi em filmes, mas que nunca eu tinha vivido. É tão
desconfortante sentir tanto.
Mas o sol de
final de novembro quase não apareceu. Nem quando à minha frente uma mulher se
agachou diante de dois grandes sacos de salsicha, rasgou um, cheirou e comeu o
bastão laranja-acinzentado que tirou. Generosa, ofereceu ao vira-lata que passava.
Mas somente as moscas degustaram o seu repasto.
Ofereço como presente
de aniversário
Alejandro Vera, Marcelo
Vieira, Welington G. Silva, Claudiney de Sá, Lorrayne Carvalho, Regina T. P.
Simao, Sergio Lopes e Ana F. R. Santana.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me
lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre os dias
28 de outubro e 03 de dezembro de 2012.
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