Obax anafisa.
“... meus
olhos depois viram a maçaneta que girava, mas ela em movimento se esquecia na
retina como um objeto sem vida, um som sem vibração, ou um sopro escuro no
porão da memória; foram pancadas num momento que puseram em sobressalto e
desespero as coisas letárgicas do meu quarto; num salto leve e silencioso, me
pus de pé, me curvando pra pegar a toalha estendida no chão; apertei os olhos
enquanto enxugava a mão, agitei em seguida a cabeça pra agitar meus olhos, apanhei
a camisa jogada na cadeira, escondi na calça meu sexo roxo e obscuro, dei logo
uns passos e abri uma das folhas me recuando atrás dela: era meu irmão mais
velho que estava na porta; assim que ele entrou, ficamos de frente um para o
outro, nossos olhos parados, era um espaço de terra seca que nos separava,
tinha susto e espanto nesse pó, mas não era uma descoberta, nem sei o que era,
e não nos dizíamos nada”.
(NASSAR).
Thiago, Tuca,
eu e umas cervejas num bar de praça discutimos futebol, mulher e... E no céu a
lua espera a nuvem.
- Eu li uma
matéria no Diário do Aço o que uma pessoa disse a respeito do craque... Na
opinião dela falam do craque de uma maneira muito avassaladora e que esta droga
pode ser comparada a cachaça. Ridículo isso. Que fez varias entrevistas com
usuários e que realmente o craque não é ISSO TUDO que pregam... PELO AMOR DE
DEUS, essa mulher, super bem formada, com Doutorado, ta de brincadeira, não?
Tudo que a sociedade está precisando é DE NÃO OUVIR uma coisa dessas... Eu,
como lutador pelo NÃO uso de drogas e principalmente do craque, fiquei CHOCADO
E TRAUMATIZADO... Leiam no jornal. QUERO REGISTRAR AQUI toda minha
“discordância” com tudo que ela falou. Mesmo “dizendo” haver feito INÚMERAS
ENTREVISTAS e estudos para chegar a este veredicto... SE o craque não for isso
tudo que vejo a, no mínimo, vinte anos por aí, fui MUITO BEM enganado!... DEUS abençoe a todos e nos livre desse mal.
- Calma,
cara! Para você dar uma relaxada, mais um copo. – Garçom, mais uma. – Vamos
falar um pouco de literatura ou de português e depois a gente volta ao assunto.
- Certo! Eu
gostaria de saber se escrevo com h ou não o que disse acima.
- O quê?
- “Se o
craque não for isso tudo que veja a, sem h, ou há, com h, no mínimo, vinte
anos”.
- Quando há
distanciamento no tempo usa-se a preposição “a”, não o verbo haver. Uma dica
para saber se usa o verbo basta trocar por “faz”, se não mudar o sentido, ok.
Se eu disser “há uma semana que não beijo” ou “faz uma semana que não beijo”,
estou falando a mesma coisa, né?
- Sim. Mas cê tá com esse atraso todo? Rirri!
- Cê besta, sô! Tô não. Uarrarrá! Mas ao se tratar
de algo que já passou, usa-se o verbo na forma “há”, mas se falar de algo que
ainda está acontecendo ou de um intervalo no tempo usa-se a preposição “a”.
portanto, se fôssemos escrever sua fala usaríamos a preposição, ficando assim “se
o craque não for isso tudo que vejo a, no mínimo, vinte anos por aí”.
Thiago rindo:
A gente tá normal não. Até gramática entrou no assunto.
- Já que
estamos variado, vamos falar então de literatura, o que você tem lido? –
Respondo rindo.
- Estou lendo
um livro muito interessante, muito bom, mas muito pesado. Lavoura Arcaica. Devido
ao seu forte simbolismo, o Antigo Testamento é um dos meios de compreender a
obra e seus personagens.
- Uai! O que
a Bíblia tem com o livro? – Espanta Tuca
- Porque,
meu, por exemplo, a personagem pai representa o religioso que faz sermão e a
religião que dita os preceitos, conduz a moral, as regras. André, personagem
principal é outro exemplo, transgride as leis, mas retorna depois com melhor
caráter, porém humilhado.
- Entendo! Eu
me lembro que em toda a obra se vê a dualidade humana e André, personagem
central, é tão radical quanto o pai, porém o segundo representa a moralidade ou
o moralismo e o primeiro, que tenta evoluir, mudar; porém sem grandes ou bons
sucessos.
- Pelo que estou
entendendo do que vocês estão falando, o pai representa o conservadorismo...
Mas conservadorismo também tem bons aspectos.
Não é só coisa ruim.
- É. Não
podemos nos esquecer disso.
- Raduan, o
autor, trabalha as emoções do leitor através do controle de pontuação, ora
colocando-a bastante e ora retirando-a.
- Depois
desse “riléquissi”, e seu Galo, eim?
- Ele é tudo
de bão.
- Sei não,
mais é meu Gavião.
- Mais nada,
você quer dizer. Bicho bom é Raposa.
- Falem o que
quiserem, os fatos dizem por si. GAAALOOOOOOOOOO!
Rindo mudamos
de droga.
- Tuca,
participei junto com meu amigo El Chico, do seminário de prevenção as
drogas, craque, álcool e demais. O seminário foi realizado pelo Fórum
Intermunicipal. O que pude perceber na palestra proferida pela Doutora convidada
com ampla pesquisa na área que a raiz do problema é muita mais séria do que
imaginamos envolvendo toda uma sociedade divinizada em seu
individualismo hedonista. Nossa sociedade esta doente buscando a
felicidade no consumismo, buscando resultados rápidos para vida passageira. A
mídia tem focado no que chama de droga e esquecendo as licitas e estigmatizando
o usuário das ilícitas como o lixo, principalmente do craque. Sai com uma
pergunta na cabeça, se a sociedade não mudar seus valores, o que acho quase
impossível, continuaremos ver estigmatização do usuário, rótulos sociais,
repressão e violência e internações compulsórias.
- Heim? Que Thiago
ta dizendo? Divinizada, hedonista... Como é mesmo a outra coisa que disse...
estig... estigue o quê?
- Uarrarrá!
Estigmatização. Está havendo uma supervalorização dos prazeres egoístas por
parte da população e ao mesmo tempo só se fala das drogas proibidas e de seus
usuários, deixando de lado, ignorando mesmo os males do fumo, das bebidas
alcoólicas, inclusive nossa cervejinha. E todas são muito ruins.
Ainda
conversando pagamos a conta. A nuvem passa pela lua e os galos cantam na rua.
Ofereço como presente de aniversário:
André Q. Silva, Rinaldo A. Gomes, Wendel Go Round, Emi Eidi, Grupo
Farroupilha, Elaine Lima, Helio G.T. Melo e Daniela Vieira.
Estou contente! Em breve o ebook bilingue (espanhol-português) de
poemas URDIDUMBRE – URDUME, pela editora Círculo de Artes. Espero que adquira e
creio que vai gostar.
Recebi de Alano O. Barbosa a seguinte ideia que serviu de mote para o
cronto. Não segui a risca a sugestão, mas me inspirou:
Boa noite Rubem. Ultimamente estou me refazendo das necessidades
“bucólicas”, o ar puro, o cheiro da terra e do mato, o orvalho caindo o que nos
“levita” até o poente por de trás dos morros, sem cheiro de xixi, ou de “pitorra”
(bosta seca no cú com ou sem acento) e merda alguma. Também do coaxar dos
sapos, dos cricilhar dos grilos. Gostara se possível você algo escrever sobre o
chiquete. Não a goma de mascar, mas no sentido conotativo da palavra, o puxa
saku, o sem caráter, o hipócrita... Um abraço.
Sítio eletrônico visitado na manhã de 25-5-13:
NASSAR, Raduan. Lavoura arcaica. – 3ª ed rev. pelo autor - São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. A Partida, parte. 1.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é
minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 01 de maio e 24 de junho de 2013. Viva São João Batista.
Louvados sejam os Santos Juninos.
Um comentário:
Rubem, Rubem... vc é mesmo muito divertido. Fui lendo seu texto e me sentindo parte desse dedo de prosa numa mesa de bar, ou numa praça, enfim... Confesso que gritei Gaaaaloooo e me resguardei com a Lavoura Arcaica que ainda não li. Tá lá na estante olhando pra mim e eu pra ela. No meio do caminho, Mia Couto e Adélia me arrebatam. Preciso ler este livro... socorro. O perfume de suas flores estão chegando aqui. Bj.
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