Segurança para quem? (...) Segurança para o poder do
Estado. (...) Uma das preocupações fundamentais de um governo é
garantir a segurança do Estado contra a própria população. (...) O sigilo do
governo raramente é motivado por uma genuína necessidade de segurança, mas
serve para manter a população desinformada, às escuras.
(CHOMSKY, 2017, p. 198).
O retorno de quem a gente gosta é nuvens escuras. São
bonitas. Não sem motivo as chuvas lhe encantam.
Depois de admirá-las volta à cozinha e despeja água
no pó. Alimenta-se pensando nos amigos e parentes que lhe fazem falta. São muitos,
mas não tantos assim... Duas horas depois vai ao Parque Ipanema discutir o
país.
- Boulos vai processar a juíza que disse que ele
seria recebido “a bala”.
- É Artista, só assim pra ele ganhar um troco... –
Porque trabalhar que é bom...
- Boulos é professor, senhor Pédi.
Pédi é o apelido do “Pobre de Extrema Direita”.
- Professor comunista e desempregado vagabundo é
quase a mesma coisa. – Pédi olha ao redor e continua: Então é aqui que os
vermes malditos se organizam pra destruir o país? Né por acaso que têm que
cercar o parque; filtrar quem aqui entra. Qualquer um entra... O Pré-fake de
Ipatinga e Mark Zuckerberg precisam ser mais seletivos... É assim que nascem
ditaduras, com pequenos focos... Estado Islâmico que o diga!
- Senhor Pédi, explica-me, por gentileza, a base
racional para comentar ou mesmo crer, que haja sinonímia entre ‘professor com
desempregado’ e ‘comunista com vagabundo’? Ou entre ‘professor com comunista’ e
‘desempregado com vagabundo’?
- Escritor, obrigado por tamanha
formalidade ao direcionar suas palavras a mim; não sou digno de tanto respeito.
Ao senhor respondo que a semelhança entre ‘professor’, ‘comunista’,
‘desempregado’ e ‘vagabundo’ é que estes sobrevivem com desonestidades e
mentiras; e consequentemente dão prejuízo ao erário público. No final das
contas, lá no último cálculo, quem banca esse tipo de gente é o povo que
trabalha duro.
- É, Escritor, juro que também
estava tentando entender qual a semelhança entre ‘professor comunista’ e
‘desempregado vagabundo’. – Diz Professor e ironiza: É que ambos sobrevivem com desonestidade e mentiras, e consequentemente
dão prejuízo ao erário público. Pédi, o senhor nunca teve professor, só
pode. Também não deve ter nenhum professor na família, pois caso contrário saberia
que professor trabalha muito duro. Ou então o senhor sofre de alguma
deficiência mental. Não dê desgosto a sua família.
- Senhor Pédi, a minha formalidade se embasa em
diálogo respeitoso, pois creio que um certo distanciamento permite observar
melhor os fatos e diminuir o risco de ofensas ou de falta de argumentos.
- Além do mais. – Intervém o Professor. – Ainda não
entendi porque ser de esquerda faz dos professores vagabundos. E ser de
esquerda não é necessariamente ser comunista ou pertencer a qualquer partido
político. Eu mesmo sou de esquerda sem ter-me filiado a qualquer organização
política. Também sou um excelente profissional trabalhador. Até porque o
objetivo de qualquer professor, e parto de mim e dos meus colegas para assim
afirmar, é formar cidadãos com capacidades de observação, interpretação,
expressão e atuação enquanto cidadão e trabalhador.
- É verdade que nem todo professor é
comunista e nem todo desempregado é vagabundo. Fui bem específico ao
classificar os sujeitos.
Na roda, baixo das árvores do Parque Ipanema, Pédi
observa os olhares zombeteiros e volta a falar:
- Escritor e Professor, deixa-me desenhar. O
professor comunista ensina ideologias ao invés de preparar os alunos para o
futuro e para viver em um mundo capitalista, globalizado e em constante
mudança; distorce a verdade; nega os fatos; manipula de acordo com sua
preferência política, etc. Como resultado, temos uma geração fraca, sensível,
mimada, abalada, anoréxica, gay e aidética. Gente que não presta nem para
perturbar a ordem pública, pois não são anarquistas de raiz. E uma geração
mesquinha dessa não movimenta a economia o suficiente para que a nação cresça e
se autossustente¹. Aí o Estado tem que arcar com os prejuízos, criando
programas sociais de combate às drogas e à criminalidade; a violência e a
pobreza aumentam. Esse desperdício de dinheiro fragiliza a nação; é assim que uns
países dominam outros nos dias atuais. Para cuidar dessa gentinha inútil o país
é obrigado a aumentar os impostos para não cair em desgraça ou falir. O Brasil
poderia sair de uma vez por todas de sua condição de “país emergente” e se
tornar uma grande e rica nação. Mas aqui tem um monte de jumento e antas; é
tanto burro junto que dá vontade de colocá-los num paredão e disparar uma
rajada de beijos e abraços... Vagabundo Desempregado possui características
semelhantes ás do Professor Comunista.
- Pédi, olha com atenção o caminho que o presidente
que vocês elegeram tá traçando até agora. – Entra na conversa o até então
calado Pope; apelido de “Pobre Pensante”. – E faça uma análise carinhosa aí,
meu amigo. Não é possível que você seja assim tão ingênuo, para não dizer
ignorante, que não vê a família Boçalnato só falando e fazendo burrice; uma
atrás da outra.
- Pope, estamos apenas no terceiro mês de governo.
Não consigo fazer nenhuma análise ainda. Só os jornalistas videntes e a galera
do Elenão julgam saber o resultado em tão pouco tempo.
- Já se perdeu a conta de quantas decisões imbecis o
Imprevidente, digo, o Presidente tomou até agora, Pédi. E você ainda nada viu?
– Pope responde. – Veja só algumas das mais recentes: Comemorar o Golpe de
1964. Entende isso? Querer comemorar a ditadura brasileira enquanto diz querer
combater a ditadura venezuelana... Todavia, em um ponto você tem razão em achar
absurdo que Boçalnato faça algo em menos de um trimestre já que nada fez em
vinte e oito anos. Exceto, claro, dar de machão corajoso para voltar atrás
quando é chamado para a luta. Assim fez antes de eleito ao fugir dos debates e
agora fez ao fugir de umas poucas dezenas de estudantes da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Além de ser subserviente de EUA; entregando o país a
eles. Mas você tem toda a razão, Pédi. Tem toda a razão em nada esperar desse
governo.
Ao nosso redor crianças brincam. E uma fala para a
outra:
- Mamãe não gosta de unicórnios.
- Por quê? São tão fofinhos.
- É que não são de Deus. E têm muito arco-íris...
- Uai! Quê que tem os arco-íris?
A resposta se perde por voltarmos ao assunto.
- Pope, não viu a explicação que o Ministro das
Relações Exteriores, Ernesto Araújo, deu na Comissão de Relações Exteriores e
de Defesa Nacional? Não houve golpe em 1964, mas sim uma ação civil e militar
para que não houvesse ditadura no Brasil*. Estamos em uma democracia e elegemos
nossos representantes no Governo. Eu votei no opressor para oprimir. Eu sou só
um cidadão comum e espectador apenas. Quero assistir e dar risadas. Só isso.
Rarrarri.
- Outra vez continuo sem compreender. – Escritor
interpela. – “Votou no opressor para oprimir?”. É muito estranho para mim uma pessoa
optar pelo mal; a opressão, por exemplo. Escrevo porque não me posso calar; não
me posso omitir². Escrevo para proporcionar maior liberdade ao outro, maior
competência profissional e maior participação cidadã.
- Pédi! Como? Também sou pobre igual a você, mas
diferentemente penso. Me entristeço² por você amar a violência e ignorância em
detrimento do conhecimento e da fraternidade. Lamento mesmo. Pense, irmão.
Pense!
- Nós, da extrema direita, não estamos abertos ao
diálogo, não estamos dispostos a manter uma relação pacífica com os opositores,
não economizamos ofensas; e se houver manifestação na rua, a gente pega no
sentido contrário e bate de frente. Vocês mataram a minha geração, e eu não sei
nem se existe uma forma de pagarem essa dívida. Lula, seu líder, está preso. E
o Brasil está diante de uma oportunidade de ouro. Nossos representantes devem e
irão agir de forma democrática e equilibrada, por questões éticas e políticas.
Mas o exército das ruas tá com sangue no olho e agonizando de ódio pelo sofrimento
que causaram ao nosso país. E essa oportunidade, talvez a única, de dar um
pouco de dignidade para o nosso povo sofrido será defendida com unhas e dentes.
- Pédi, não sei o que dizer. Se o senhor não quer
diálogo... por que veio para esta roda de conversa? Só pelo prazer de agredir?
Ou de discutir? Que tolo. Poxa, o senhor deveria pegar os contos de Machado de
Assis, que lhe cairia bem.
Professor ‘pedagogia’ e Pope acrescenta:
- Tenha dó, Pédi! Até parece. Se houver manifestação
na rua vocês correm é pro outro lado, isso sim. Exceto, claro, se tiverem em
muito maior número ou armados. O único acertado em sua bravata é bater boca;
principalmente pela internete. Como o seu tão amado Mitocôndrio cancroso. Que xinga e calunia, mas não parte pra luta.
Bater? Nem debater ele tem coragem.
- A pessoa apoia quem xinga os professores, tira
médico dos pobres, libera armas para os ricos, diminui o salário mínimo, quer
eliminar todos os direitos trabalhistas, além de ansiar por ignorância e pela
violência. E nós, os artistas, os professores e os pobres pensantes, é quem
somos a destruição não só de uma geração, mas de todo o país e, quiçá, do
mundo?
- Foda-se essa oposição fraca de vocês. Dá nada não.
Porque a opressão vai rolar solta. Já está rolando. Viva, Ustra! Viva, a
democrática ditadura!
Ao redor as crianças continuam a brincar. E não sei o
que pensar dos adultos.
Ofereço como presente à aniversariante Juliana Wailer e aos
meus mais recentes contatos no fb: Odilón R. Boza e Mila Eduarda.
Recomendo a leitura de:
“Eu + Taquara = Patrono da Feira do Livro”, de Caio Riter:
“Passagem de Peões, Vulgo Passadeiras”, de António MR
Martins:
CHOMSKY, Noam. O valor do Sigilo. Segurança para quem? Como
Washington protege a si mesmo e ao setor corporativo. Quem Manda no Mundo?. [Trad. Renato Marques]. São Paulo: Planeta,
2017.
¹ Primeira diquinha de Português:
“Auto” e o hífen:
Do segundo elemento, auto se separa por hífen quando aquele
começar com “o” ou “h”: auto-observação, auto-oxidante, auto-hipnose,
auto-hemoterapia.
Se o segundo elemento iniciar-se com a consoante “s” ou com
a consoante “r”, é necessário dobrá-las, mas sem hífen: autorretrato,
autosserviço, autossustentável.
Nos demais casos, quando o segundo elemento se inicia por
outras consoantes ou vogais, não há hífen e nem, claro, dobra de letras:
autoajuda, autobiografia, autocontrole.
Fonte da
informação:
SÓ
PORTUGUÊS. “Auto” e o hífen.
Disponível https://www.soportugues.com.br/secoes/FAQresposta.php?id=105 . Acesso 28 Mar 2019.
² Segunda diquinha de Português
Pronome oblíquo em afirmações negativas.
Existem três modos de posicionar o pronome em uma oração:
Ênclise (O pronome vem depois do verbo; e ela só deveria
acontecer quando nem a próclise nem a mesóclise seriam possíveis: Silenciem-se
todos); mesóclise (o pronome vem no meio do verbo: Semana que vem realizar-se-á
a festa); e, da qual falaremos hoje, a próclise (o pronome vem antes do verbo
porque há palavras que o atrai).
O pronome é atraído por palavras de sentido negativo: não,
nunca, ninguém, jamais, etc. Reafirmando: na próclise o pronome vem antes do
verbo.
Exemplos:
Não se esqueça de mim. Ninguém me ama. Jamais nos verá novamente. Nunca te
esquecerei.
A próclise ainda ocorre quando há advérbio (Agora se negam
a depor); conjunções subordinativas (Sou que me negariam); pronomes relativos
(Identificaram duas pessoas que se encontravam desaparecidas.); pronomes
indefinidos (Poucos te deram oportunidade); pronomes demonstrativos (Disso me
acusaram).
A próclise ocorre ainda em orações iniciadas por palavras
interrogativas (Quem te fez a encomenda?). E por orações que exprimem desejo
(Que Deus o ajude).
Fonte da
informação:
EQUIPE. Colocação Pronominal. Disponível https://www.portugues.com.br/gramatica/colocacao-pronominal-.html
Acesso 31 Mar 2019.
* BLOG DA CIDADANIA. Bolsonaro
pode perder o cargo se festejar ditadura. Disponível https://www.youtube.com/watch?v=erL5wYE1ULM&feature=share.
Ver nos minutos 2:25 a 2:56.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo
domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua
Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do
Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Nascer do sol em minha varandícula – duas fotos do autor;
Céu de árvores – uma foto do autor
Rubem de chapéu – foto de Vinícius Siman.
Escrito e trabalhado entre 19 de janeiro e 31 de março de
2019.
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