Se alguém for falar mal de mim, não o faça
pelas costas. Chame a mim, pois sei coisas terríveis sobre mim que a maioria
nem imaginaria.
Diz Benito Bardo Junior. É importante
separar as coisas. Rubem escreve o cronto, mas quem vive e conta a história é
Benito.
Assim, meu primeiro celular foi por
despeito. Quem eu queria incorrespondidamente tinha e por não o ter comprei um.
Isso na primeira metade da primeira década do milênio.
Meu corpo está enfermo desde 2018. O que
me faz exalar cheiros não agradáveis. Nada insuportável ou demasiado intenso,
mas existentes. Perceptível para quem fica a meio metro de mim.
Na sala dos professores, sempre de modo
velado, vejo as disfarçadas torcidas de nariz; ouço os risinhos discretos
quando me afasto e vez ou outra pego o meio de alguma conversa na sala ao lado.
E não, eles não sabem e continuarão ignorando que sei. E a prova disso é: Rubem
Leite é pouco lido. Amargo demais; excessivamente ácido; ferrenho crítico do
cristianismo e da Bíblia.
Algo que Benito e eu achamos engraçado é:
Nos dias de aniversário de algum funcionário da escola, dia dos pais, das mães,
Páscoa etc. chovem:
Parabéns!
Muitas felicidades e longos anos de vida! Que Deus te abençoe! Jesus te ama!
Feliz Páscoa! Feliz Dia dos Pais, das Mães, da Mulher! Feliz Natal e Próspero
Ano Novo! Etc.
Mas por que achamos engraçado? Lendo o
cronto entenderá.
Por não gostar dessas convenções civilizadas, aviso à diretoria para não comunicarem meu
natalício a ninguém. Irritar-me-ia! – Gostou de mesóclise? Não sou Temer,
graças a Deus. Por isso nada tem a temer. – Eu ficaria irritado ao ser
felicitado por quem me detrata.
Devido a pandemia a rede municipal da
cidade onde leciono seguiu dois modelos criado pela ONU (ERE e ERI)¹ para
ensino em casos de catástrofes, guerras, pandemias... E elaborou como
metodologia nove blocos de atividades. Cada professore cria seus blocos e a
escola os envia para o setor pedagógico da Secretaria Municipal de Educação. Se
for aprovado a Secretaria os devolverá para serem repassados aos alunes. Todos os
blocos possuem breves explicações, exemplos e cem questões que foram
disponibilizados um a um desde metade de março até dezoito de dezembro. Ao
mesmo tempo a escola onde trabalho criou para cada turma um grupo de watzap
para retirada de dúvidas e explicações. Em paralelo, de acordo com sua
personalidade, cada professor elaborou sua metodologia de ensino para ser
utilizado como orientações extras.
- Professores! – A vice-diretora nos chama
no grupo de watzap criado para todos os funcionários do turno matutino. – De
amanhã até sexta-feira vocês terão que vir a escola mostrar seus diários as
pedagogas. Cada um irá pegar um papelzinho com o nome de um colega para
fazermos um amigo oculto. A revelação e troca de presentes será na Reunião de
Conselho que teremos em janeiro.
Benito e eu rimos bastante, mas ele
aceitou, claro. Fazer o quê?...
Por outro lado:
Numa segunda-feira um pai escandalizado
entrou no grupo de watzap e disse:
- Essas perguntas têm conteúdo ideológico
e malicioso. Estou indignado. Independente de qual partido você “torce” não
coloque em nossos filhos. Enviei essas perguntas às pessoas competentes para
puni-lo. A escola é para ensinar; é pra falar a verdade.
Vejamos a charge para responder as questões referidas pelo indignado:
Agora vejamos as perguntas:
Questão 09: Quando o presidente desobriga
a vacinação ele está beneficiando o povo ou o covid-19? Por quê? Questão 10:
Sendo você um estudante sabe bastantes coisas. De acordo com o que aprendeu,
responda as questões abaixo: a) Os gestos corporais e as expressões faciais dos
vírus indicam o quê? b) E a expressão facial do presidente, o que indica? c)
Qual é o verbo que está conjugado na fala do presidente? d) Quantos verbos no
infinitivo têm na fala do presidente? Quais são eles? e) Da fala do presidente
há quatro palavras que não são verbo, escreva-as.
E o pai continua:
- Escola é lugar de ensinar. E é pra
ensinar a verdade. Se você “torce” para algum partido fique só procê. Ensine a
verdade, mas isso daí é partidarismo. Dá pra ver claramente que esse professor
de Português se posiciona contra o governo. O aluno tem que saber português.
Assim tem que ser a visão de um professor, não de um militante.
Vejamos agora a pergunta 16, pois ela se
casa com as duas acima: Estudamos entrevistas em blocos anteriores. Aprendemos
o que é, como fazer e como registrar as entrevistas. Se tiver dúvida pesquise
no google; e se ainda continuar com dúvida, pergunte ao professor ou à professora
de Português. Atenção! A entrevista será exclusivamente por watzap. Lembre-se
de ser fiel ao que disse e como disse a pessoa entrevista. A pessoa
entrevistada será a professora de ciências da escola. a) Pergunte à professora
o nome completo e o grau de estudos dela. b) Qual é a importância da higiene? c)
Por que é necessário escovar os dentes e quantas vezes por dia isso deve ser
feito? d) O que acontece com quem contrai (pega) o corona? e) O que pode
acontecer com quem não recebe vacina contra caxumba, poliomielite e outras?
Como o irritado falou no grupo, não em
particular, transferi a pendenga para a direção escolar. Numa vídeochamada o
diálogo foi assim:
- Analisando as questões nove e dez é
claramente perceptível que somente duas coisas foram trabalhadas: Gramática e
interpretação textual. – Diz o professor. – O texto pode ser escrito ou pode
ser visual, ou seja, imagens. Foram trabalhados gramática e interpretação
textual. É importante lembrar também que o bloco passou tanto pelo crivo da
pedagogia escolar quanto da pedagogia municipal. Ou seja, tem o respaldo da Secretaria
Municipal de Educação.
- Entendi o posicionamento do pai e
respeito a posição dele.
- Também respeito a posição do pai,
diretor. A questão, como ele mesmo disse, é ensinar a verdade. As questões e a
charge apresentam o que estão acontecendo; sem crítica político-partidária. O
que elas discutem é a verdade, os fatos através de uma análise crítica.
- A equipe pedagógica avaliou as questões?
- Sim! Foi avaliada pela Secretaria Municipal.
Mas o mais importante das questões nove e dez é o estudo de verbo e a
interpretação textual. Trabalhar no educando a observação facial da pessoa que
está falando algo.
- Então se as questões foram elaboradas
pelos três professores de Português e a equipe pedagógica avaliou como sem
cunho político-partidário não há nenhum problema. Quanto ao senhor e aos demais
professores oriento: não debatam nem discutam essas questões no grupo.
- Foi exatamente esse o nosso
procedimento. Uma vez que o bloco passou por todos os trâmites essa esfera de
discussão com o pai já não cabe a nós, mas sim ao âmbito administrativo.
- Então está tudo certo. Agiu
corretamente...
- Mas o nosso posicionamento de professor
é trabalhar a verdade; é promover reflexão nem contra nem a favor de qualquer
governo, mas analisar a todos os governos. E não analisar apenas os governos. É
para analisar a vida. Analisar o que padre ou pastor fala, o que o vizinho está
dizendo e até mesmo o que nós, professores, estamos falando. É importante que
haja diálogo, discussão, interpretação textual. É o que os professores de
Língua Portuguesa buscam fazer. Ensinar a verdade é diferente de partidarismo,
pois é apontar os fatos.
- Huuuum. É... É isso mesmo.
- Ah! Um outro ponto relevante é a questão
dezesseis, pois discute a questão da vacinação, a importância da higiene, da
escovação dentária, das vacinas, como se contrai o coronavírus e como
proteger-se. Então, na verdade, as questões nove, dez e dezesseis discutem a
saúde e a doença sobre o prisma da ciência.
- Então não há mais nada a discutir. – Pensa
por alguns segundos e volta a falar. – Professor, já pegou o nome de seu amigo
oculto? É importante a troca de presentes. Ah! E feliz Natal e próspero ano
novo!
Já no grupo de watzap da turma a discussão
retorna as oito da manhã: “É absurdo! Essas ideologias... Já não basta
ideologia de gênero ainda têm que ficar fazendo ideologia política? Absurdo!”.
Mas não ecoa nos demais pais. Não sei se por discordância ou se por comodismo.
Como Guimarães Rosa “Eu quase que nada que não sei. Mas desconfio de muita
coisa.” Assim, pelo que observei até hoje da sociedade, suspeito que é a
segunda hipótese. A eterna espera de um messias, de um mito salvador. Esperá-lo
é mais cômodo do que conquistar seus direitos.
Quase onze da noite, no meu celular
aparece uma mensagem de watzap de algum desconhecido. É o pai:
- Feliz Natal! O senhor pode explicar a
questão dezesseis? Eu e meu filho não estamos entendendo.
Não resisto e sorrio. Mas ninguém vê, já
que estou em minha casa atendendo os dois fora do meu horário de plantão.
- A questão dezesseis é muitíssimo
simples. É uma entrevista. Em alguns blocos atrás estudamos e fizemos
entrevista. Esta questão é um reforço do que foi aprendido. Ou seja, o aluno
questionará à professora de Ciências sobre vacinas, higiene e saúde. Fiquem atentos.
As questões nove, dez e dezesseis têm uma ligação. Todas falam de saúde, mas a
nove e dez priorizam gramática e interpretação textual; onde o texto pode ser
escrito ou pode ser imagético mais o estudo de verbo. As três questões têm como
objetivos o estudo e compreensão de saúde e doença. Então preste bastante
atenção nestas três questões para que mantenham o bem-estar e o conhecimento
dos fatos, da verdade.
O professor vê que visualizam a resposta,
mas nada mais dizem. Então nós dois rimos apesar da vontade de chorar pela
sociedade que vivemos.
Ah! E cuidado com a vacina: Vocês irão
transformar-se em jacarés. Eu não. Serei um crocodilo do rio Nilo ou dos
igarapés.
Ofereço
como presente aos aniversariantes:
Joe
Arthuso, Victor F. Matos, Wilson Filho, Ziza Saygli, Bruna A. Menezes e
Deiverson Tófano.
Recomendo
a leitura de:
“Voz
dos corvos”, de António MR Martins:
http://poesia-avulsa.blogspot.com/2020/12/voz-dos-corvos.html
¹
O que são ERE, ERI, EaD?
O
EaD – Ensino a Distância – é algo permanente, com professores preparando suas
aulas que serão repassadas aos estudantes via tutor.
No
ERE – Ensino Remoto Emergencial – os professores continuam trabalhando com seus
respectivos alunos em uma situação de caráter emergencial e provisória como
guerras, pandemias ou catástrofes naturais. Como é algo imprevisto não há como
planejar previamente o ERE, pois as condições de estudos variam de acordo com a
crise enfrentada. Mas, à medida que professores e alunos vão se adaptando e que
se torna possível antever como agir e reagir, o ERE se converte em ERI.
Já
o ERI – Ensino Remoto Intencional –, apesar de ainda continuar dentro da crise,
já se torna possível à equipe pedagógica e professores planejarem de modo
adequado como tornar mais eficaz os estudos para que realmente ocorra o
ensino/aprendizado.
Rubem Leite é escritor,
poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA
aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente
em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em
Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte
da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG
(representando a Literatura).
Imagens:
ZÉ
DA SILVA. Boa notícia pra quem?.
Disponível https://www.instagram.com/p/CGla5IVHU3Z/?utm_source=ig_embed
. Acesso 16 Dez 2020.
Versos
Ácidos do Vale do Aço. Foto do autor.
Escrita
iniciada na noite de 28 de julho e trabalhado entre os dias 15 e 20 de dezembro
de 2020.
3 comentários:
Amei!! Muito interessante (e quase real.rs)
Obrigada!
Bjs e parabéns!!
Amei!! Muito interessante (e quase real.rs)
Obrigada!
Bjs e parabéns!!
Eis o mundo atual retratado no cronto.
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