1978
Em agosto, faltando trinta dias para eu
completar dez anos, morri!
Foi assim:
Garoto magro, educado e, segundo meus
coleguinhas, com jeito de menininha. O acosso era diário. Sim, vou dizer acosso
e não bulling.
Mas antes de falar de mim falarei do
professor Frederico. Um velho magro de bengala e muito bravo. Eu e uns poucos
gostava dele, mas outros o odiavam.
O bairro era violento e tanto eu quanto o
professor a gente morava perto da escola.
A manhã estava ensolarada, mas fazia frio.
Os quatro alunos que mais me provocavam saíram da sala sem serem vistos pelo
professor a quem desrespeitavam.
- Professor! Breno, Bryan, Kauã e Kaike
foram lá pra fora.
Com um suspiro de desa... desa...
desalento. Isso, desalento. O professor pegou a bengala e foi ao banheiro dos
meninos para brigar com eles. Mas o que aconteceu foi diferente. Enquanto o
professor brigava os quatro começaram a empurrar o professor pra lá e pra cá
fazendo o coração do professor querer parar e quando perdeu o equilíbrio bateu a
cabeça na pia.
Os quatro ficaram com medo e saíram disfarçadamente
do banheiro. Ao ver os colegas com ar assustado e sem o professor fui à diretora
falar que o professor tinha ido ao banheiro brigar com os meus colegas e ainda
não voltou apesar deles já estarem na sala.
Acharam o professor caído perto da pia com
a bengala em sua mão.
Dois meses depois, quando os colegas
voltaram da suspensão. Sim! Eles foram apenas suspensos e não expulsos. Era só
a morte de um velho professor que escorregou no banheiro e a vida de quatro
meninos; filhos de pais perigosos.
O bebedouro perto das salas de aula estava
com defeito outra vez e fui ao bebedouro da quadra de esportes. E lá estavam
Kaike, Kauã, Bryan e Breno.
Foram só cinco minutos.
Bryan me segurou, Kauã me deu uns tapas bem doídos, Kaike ria falando Julinho bichinha, Julinho viadinho, Julinha mulherzinha. E Breno queria fazer um experimento. O que aconteceria se alguém bebesse Diabo Verde? Com a dor quis gritar, mas Kaike tentou tampar a minha boca, mas sua mão queimou e quando me soltou eu já não podia gritar. Fiquei caído espumando e confusionando.
Os quatro pularam o muro porque não podiam
voltar para sala com a mão um pouco corroída de Kaike.
Quem me encontrou primeiro foi o professor
Frederico. Me ajudou a levantar e fomos conversar.
No final das aulas apareceu uma
funcionária para catar o lixo e aos berros chamou a atenção da escola.
Mas não aconteceu nada. Era, de um lado, só
a morte de uma mariquinha preta e pobre e do outro lado a vida de quatro
meninos brancos; filhos de pais perigosos.
Eu e professor decidimos guardar a escola.
2018 a 2022 e nos tempos que hão de vir.
Alan é um mau aluno que maltrata os mais
fracos e no dia que foi ao banheiro sem permissão... – risada assustadora do
Professor do Banheiro que estava ao meu lado – Ele escutou três vezes o toc-toc
de uma bengala, mas não viu nada. Porém, quando terminou... uma bengala cortou
o ar arrancando-lhe a cabeça.
- Mas como uma bengala pode arrancar uma
cabeça?
- É uma bengala assombrada...
Depois o Professor do Banheiro pegou a
cabeça pelos cabelos e com o gancho da bengala prendeu o corpo pelo sovaco. E os
enfiou dentro da privada, deu a descarga enquanto socava com a bengala até
desaparecer no redemoinho que leva as porcarias pro esgoto.
- E como uma privada pode levar inteiros
uma cabeça e um corpo?
- O Professor do Banheiro é assombração. Pode
muitas coisas...
Uma semana depois acharam o que restava do
Alan num córrego onde desaguava o esgoto da cidade.
Nikolly também fugiu da sala e foi ao
banheiro fumar. O Professor do Banheiro bateu com a bengala na porta do
banheiro: toc-toc-toc; parou, bateu outra vez: toc-toc-toc; parou, bateu pela
terceira e última vez: toc-toc-toc. Assim que ela saiu, ainda com um pé no
corredor e o outro no banheiro, a bengala cortou o ar arrancando-lhe a cabeça. Pegou-a
pelos cabelos e com o gancho da bengala a arrastou invisível até o banheiro dos
garotos. Enfiou-a na privada e deu a descarga socando tudo para atravessar o
encanamento e desaguar no esgoto municipal onde antes encontram Alan.
E eu?
Todos os acossadores, quando estão a sós
bebendo água, vou empurrando pelo ralo à medida que vão se dissolvendo com o
diabo verde que me tornei.
E desde então todos maus alunos que saem
sem permissão... – Frederico, o Professor do Banheiro, e eu, o Garoto do
Bebedouro, protegemos a escola.
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Rubem Leite
Imagem retirada da internete.
Escrito
entre 18 e 20 de maio de 2022.
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