domingo, 23 de outubro de 2022

ENTÃO APENAS DIGO

_ ... Não fique preocupado, professor.

_ Não estou preocupado. Estou é estressado. Eu me incomodo muito mais com a mau que sou do que com o mau que os outros são.
Um segundo olhando-a nos olhos conta essa historinha¹:
- Jesus, você é bom.
- Sou não.
-É bom sim, Jesus.
- Só o Pai é bom.

Olha-me como se dissesse a mim: "você não pratica religião e fala de Deus". O que sei é "Deus e religião são totalmente diferentes". Nada iria dizer, mas ela acrescenta:
_ Ânimo! A gente pode mudar o mundo.
_ Queria dizer sobre o professorado: É uma missão mais que profissão, mas não nos veem nem como trabalhadores. Que temos o poder de mudar o mundo, mas somos impedidos de instruir a maioria dos estudantes. Que somos a elite intelectual da cidade, mas tem até quem vota no Boçalnato. Que somos respeitados e amados, mas só gostam de nós enquanto dizemos o que querem e não os fatos - seja comportamental ou acadêmico. - Pauso um, mas pouco efeito teve minha fala. Só digo então:
_ Peço licença.

Volto pra casa matutando:
Não compreendo o medo que se tem da morte. A vida divide as pessoas em classes ou grupos. "Viver é perigoso", segundo Riobaldo (Grande Sertão: Veredas) e já disseram Lau-Tse, Jorge L. Borges, Schopenhauer e...: A morte iguala a todos.
Em casa, sinto-me um pouco melhor, talvez em paz ao regar meu pequeno jardim, depois tomar banho, beber um drinque admirando a terra ainda molhada, o verde, o amarelo, o branco, o rosa e o vermelho das plantas. Botânico, biólogo, psi-cólogo/quiatra - algum cientista - explicaria a química. Poeta pode explicar o 'anima'. Todavia o meu sentir não explico. Sinto e partilho as sensações.
Cara gente que lê, encerro minhas palavras de hoje sentindo o que penso.
Sentado na cadeira, com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos seguram a testa. A respiração está descompassada, o estômago a revirar e a cabeça dói. Ele é todo cansaço.
O barulho ao redor diminui e ele levanta a cabeça.
Olha para quem, na sala, ninguém mais vê. Sorrindo o compasso volta à respiração, com os braços faz um ninho para as mãos servirem de travesseiro à cabeça que não mais agoniza.
Ele segura a mão de quem sempre quis e se vão juntos.
Se fosse temer algo seria: Não temo a inexistência. Tenho medo da morte. Esta é a continuidade da tragédia da, aparente, existência. Aquela é o fim da comédia humana.


_____
Rubem Leite.

Escrito entre os dias 18 a 23 de outubro de 2022.

¹ Marcos 10,18.

Foto do autor.

2 comentários:

Glaussim disse...

Triste. Vejo fantasmas do passado saido do meu livro História, adquirido li na banca do lado de fora do Hugo Duarte, me chamando: "Glaussim! Leia sobre movimento tenentista de 1918, 1932 e sobre a Crise de 1929...O liberalismo nunca resolveu nada... " Lembrei que os fantasmas são almas dos que morreram injustamente. Vejo longe o Juízo Final, mas acho que tentariam humilhar até os juízes se não concordassem com o que pregam.

Anônimo disse...

Que lindo Rubem sus emociones son bellas