"Temos de ser cruéis. Temos de recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis. Que sorte para os ditadores que os homens não pensam"¹.
As quatro da manhã eu com manha no ainda escuro. Minutos depois, o Sol. E eu sem manha para enganar a mim e a outros...
Desânimo; levanto-me, faço café, limpo a casa. - Pra quê? Dez minutos depois parece que meu irmão bailou na cozinha com pés enlameados.
Olhos fatigados, válvula propussora desanimada e hora de ir ao trabalho.
A chuva branda deixa escorregadio o pátio cinza amarronzado da escola.
Os olhos, como nuvens, molham o rosto pálido esverdeado do professor.
A chuva tranquiliza o céu. As lágrimas escoam a tristeza.
Alunos que não fazem atividades; não se interessam em ser mais eles. Contentam-se em ser mais um grão do barro: sem vez, sem voz. Cobranças administrativas para agilizar o não funcional.
Pelo celular leio o discurso da vereadora Karla Coser (Vitória ES) e pensossinto:
Um pai militar, fanático por Boçalnato, aprecia-dor de brigas de galos, estudante - talvez praticante - do nazismo - possivelmente também do fascismo - ensinou seu filho desde tenra infância a atirar, dirigir sem habilitação, sua "superioridade", a ler Minha Luta, de Hitler, a ler a Bíblia, a não ler Machado de Assis, Victor Hugo, Dostoievski, Cervantes, Shakespeare, Marx, Paulo Freire...
Aos quatorze anos o garoto começou a planejar ataque terrorista - será que ele já sabia que era terrorismo ou só pensou no 'quão divertido seria' ou em 'quanta justiça haveria'? -. Aos dezesseis se traja de preto, calça camuflada, suástica no braço direito, pega as duas armas e o carro do pai, sai de casa, vai a uma escola, a mais perto de sua casa, e em seguida vai a sua exescola. Em ambas deixa mortos, feridos, traumatizados. Em Aracruz, no Espírito Santo, no Brasil ficam milhares de confusos, de amedrontados.
Depois de seu grande (de)feito vai pra casa, estaciona o carro na garagem, recarrega as armas e as põe no lugar, retira a suástica montada com fitas vermelhas e almoça em paz com seus pais.
Onde estou as aulas do dia ainda não começaram, mas já há excesso de vozes. Muitas em minha cabeça: lar, extermínio, escola... Outras tantas do professorado. Saio uns três passos da sala dos professores e volto a uns trechos do discurso de Coser: "O ódio, a exaltação às armas livremente, a normalização de símbolos nazistas são base pra esse crime que aconteceu em Aracruz. Quem apertou o gatilho junto? Essa pergunta é pra toda sociedade refletir. A questão dos tiroteios nas escolas e das violências cotidianas que professoras e alunos sofrem é muito complexo e não pode ser olhada apenas pela ótica da segurança pública. O diálogo e a construção precisa passar pela educação e pela assistência. Não é simples e, por isso, não existem soluções fáceis.".
Cansado, escoro-me ao lado de um vaso de plantas fora da sala dos professores.
_ Por que está aqui fora?
_ Gosto de estar próximo das plantas...
_ Elas não falam mal, não ofendem.
Imagino que ela se refere ao como fui tratado pela minha "chefe" dois dias antes. Digo:
_ Plantas são silenciosas. Anseio a sua serenidade, paciência.
A pessoa se vai e sussurro às folhagens:
_ Meu coração se machuca. Dois ou três dias prostrado, cansado. Chuvas e ventanias.
E as plantam me sussurram em resposta:
_ "Minha estrela vai se apagar"². O que tem que brilhar é a escrita de quem veio denunciar, encorajar.
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Rubem Leite.
¹ RAVELI, Nicoli. A Mente Perturbanda de Adolf Hitler Através de Trechos do Mein Kampf* Disponível https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/a-mente-perturbada-de-adolf-hitler-atraves-de-5-trechos-do-mein-kampf.phtml Acesso 05 Dez 2022. * Minha Luta, em português.
² Música "Planeta Sonho", composição de Flávio Venturini, Márcio Borges, Vermelho.
Imagem: foto tirada a meu pedido por Pedro Henrique.
Escrito e trabalhado entre 16 de novembro e 05 de dezembro de 2022.
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