Gerusa Lem.
Toda a região era assombrada.
O menino que sumiu à beira do Ipanema. Outro que sumiu à beira do Rio Doce. E quantos à beira do Santo Antônio? Sempre à beira.
O começo foi na beira do Ribeirão Ipanema. A origem do terror.
Brincava o menino. Brincavam outras crianças. Sempre só criança só.
O menino entrou na água. Saiu. Sentou na areia. As crianças corriam no pique-pega.
O menino.
E assim foram os outros.
Só um vulto. Grande. Era visto por todas as crianças. Um vulto. Adulto nunca viu. Nunca tinham adultos. Só eu vi.
E Gerusa Lem?
Quinze anos
Decidi que tinha que acabar. Sou irmã do primeiro menino. Os sumiços tinham que parar. Meu filhinho foi ao Santo Antônio. Ouvi sem me mostrar a conversa do menino com os amiguinhos. E sem me mostrar foi com eles. Eu vi um homem. Vi um cavalo. Segui o homem sem me mostrar. Ele estava tão confiante que nem me percebeu. Não percebeu a faca. Não tinha certeza de sua culpa, mas decidi matá-lo. Ele era o culpado.
Três anos e o medo continuava em todos.
Gerusa Lem.
Os africanos dizem que só uma lenda acaba com outra.
Então vou criar uma lenda. Gerusa Lem. Vi meu irmão olhando um cavalo ou era a sombra dele? Não! O vulto era um cavalo. Mas o homem, sim, tenho certeza, só pode ter sido um homem. O homem que matei, que arrastei, que joguei no rio. Tem que ser ele. Se o vulto era um cavalo colocarei Gerusa Lem como quem matou o vulto. Outras crianças voltarão ao rio. Vou com eles sem me mostrar. Gerusa vai comigo. Eu porei um peruca desgrenhada e a deixarei sanguínia. E seus gritos ecoarão nos ouvidos de todos.
Crianças no Ipanema.
Um menino entrou na água. Saiu. Sentou na areia. As crianças corriam no pique-pega. Um vulto. Grande barulho. Os meninos gritam. Empurro Gerusa Lem que corre até o vulto. Somem os dois no ribeirão. Silêncio. Quietude.
Voltam para casa.
Fomos salvos? Quem nos salvou? Foi Gerusa Lem, disse o menino da beira.
Cinco anos e os desaparecimentos se extinguiram. Bem! Vez ou outra some alguém, mas é só acidente. Agora temos uma protetora – Gerusa Lem.
Matei minha porca premiada Gerusa Lem. Mas, os africanos dizem que só uma lenda acaba com outra.
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Rubem Leite – 25-5-08
arterubemleite@gmail.com
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