Obax anafisa.
Foram duas noite. Grito Rock Ipatinga.
Interpretei uma personagem numa... performance, mas não a entendo realmente como tal. Assim chamarei – performance – apenas porque seres humanos necessitam de rótulos para tudo. Minha personagem era um sujeito louco e estávamos num festival de roque. Roque e loucura significam o mesmo? A cena, propriamente dita, é curta, não dura nem dois minutos. Mas resolvi fazer algo diferente. Fiquei sentado numa cadeira por quase três horas. Não era exatamente uma pesquisa, entenda. Não era porque já sabia o resultado. Só queria experimentar, ver a reação das pessoas. E agiram como pensei. A grande e esmagadora maioria simplesmente ignorou o sujeito incômodo, desconfortável. Um número bem menor apontou-me para os amigos, rindo, fazendo piadinhas. Dentre esses alguns se aproximavam para zoar. Cruéis. Ou seriam, se o louco fosse real. Menos pessoas ainda se aproximaram tentando ajudar, perguntando se eu estava bem, se precisava de algo. Um! Apenas um, ao ver o fotógrafo oficial do Grito tirando fotos minhas questionou ao sujeito o que iria fazer com elas. Não me conhecia, mas teve o cuidado em proteger o louco por mim representado. Não queria que minha imagem fosse espalhada causando-me vergonha. Não, claro que ele não sabia que era encenação. Apenas se preocupou com alguém que, para ele, estava sem condições de se defender. E eu, fazendo-me de louco entre os loucos, olhava a multidão que rindo ou chorando fumava, bebia e jogava as latas e os tocos de cigarro no chão. E eu, fazendo-me de louco, saboreava a música no ar.
Foi de madrugada na minha vizinhança.
Eu e meus cãezinhos passeávamos como fazemos todos os dias. Ao longe Neguim Viciado bate uma pedra numa mureta debaixo de uma janela de um quarto. Alheio ao sono alheio quebrava coquinhos.
- Tem algo para comer?
Olho em silêncio.
- Pão na sua casa?
- Não!
- Pode ser biscoito.
Tem, mas não vou dar. Então falo: “Não fez compra ainda” pensando em minha mãe. Nós moramos juntos.
- Não tem nada?
- Não comprou ainda.
- Você é estrangeiro?
Espanto a colocação e respondo que não.
- É que você fala engraçado. Diz “Não comprô... Não fêis compra”. Não fala “Comprei”. É engraçado.
- Hum!
Os cachorrinhos vão para o canteiro de todo dia, fazem seu cocozinho, recolho e voltamos para casa. Imagino que você deve estar pensando “Primeiro falou que poucos pensam no estranho desconfortável e agora conta que negou biscoito para o Neguim Viciado. Macaco senta no próprio rabo para criticar a cauda alheia”. Como Rubem, o autor, disse na semana passada, aqui no aRTISTA e aRTEIRO, no poema Lumens “Calo-me \ O que eu disser será usado contra mim \ Não importa o que digo \ O que faço \ Tudo é laço para meu cadafalso”.
Foi de tarde no Parque Ipanema.
- O senhor é doido? – Pergunta-me uma adolescente.
- Sim, sou doido.
Ela dá dois passos à sua direita, cutuca a colega e diz “Ele falô quié doido. Rerrê rerrê”.
- E você é uma lesada. Cuida da sua vida. – Responde a colega.
Fui assim indagado porque estava desenhando e colorindo o que fiz no meu caderninho.
Ofereço a todos os organizadores do Grito Rock Ipatinga.
E ofereço como presente de aniversário à
José A.C. Silva, Letícia A. Barros, Natalia Souza, Marcelo Oliveira, Letícia R. Xavier, Ranulfo L. Gonçalves.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 11 e 19 de março de 2012.
Imagens de João V. Maciel:
http://www.flickr.com/photos/pedecabracoletivo/sets/72157629229095600/with/6985946115/
5 comentários:
Agradeço Rubem pelo cronto.
Leticia Reis Xavier
amei
Rubem tu sabes bem quem sou, e lhe digo a voce, tu e realmente louco pela vida...... Maioral do humor e descontração.
Tiago fernandes da silva
linda tua escrita, passei pela historia e a vivi!
Uai... Somos todos loucos... Lindo texto e reflexão Rubito !!!
Beijos, Le.
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