A cidadania plena só pode ser atingida através da
arte, única ferramenta capaz de mudar a visão de mundo. (BOAL, 1991).
Pela janela se vê um muro e há nele a minha vontade
de ver flores. Mas em sala o que se vê é:
- O conto e a crônica são sempre histórias pequenas.
A crônica se inicia quando os fatos principais estão para acontecer. Seus
assuntos geralmente são coisas comuns, do cotidiano. É o autor, com sua forma
de dizer, que transforma uma coisa simples ou banal em algo excepcional. O
tempo em que ocorre a história é curto, não dura dias, semanas ou meses. O
lugar costuma ser um só. E as personagens também são poucas.
- As personagens, professor? Não tem personagem
homem?
- Eu disse no feminino porque quando eu era criança a
palavra “personagem” era obrigatoriamente feminina. Mais tarde passou a poder
ser usada tanto no masculino quanto no feminino, mas como já tinha acostumado a
falar “a personagem” e é aceitável então continuei. Mas pode falar no
masculino, se preferir.
- Aaam!
- Sobre o conto podemos dizer assim. A história
também é curta. Um conto grandão tem no máximo cem páginas e você o lerá em
duas horas, aproximadamente. Diferente do romance ou novela – o professor pega o
livro Dom Quixote e o mostra para os alunos – que gastará muitas horas. Este
livro, por exemplo, não o conseguiria ler em um dia ou dois, mesmo que eu o
abrisse de manhã cedinho e o fechasse a noite.
- Nóóóó, que doido, véi.
- Legal, né. Pois é. E todo conto tem sempre quatro
elementos: introdução, conflito, clímax e desfecho. As novelas e os romances
também. Mas têm muitas páginas para isso; enquanto no conto tem que ser rapidinho,
mas igualmente interessante. Talvez até mais emocionante porque a mesma
qualidade diluída em menos páginas.
- Diluída, professor?
- Sim, dissolvida, desfeita.
- Aaam!
- Imagine o seguinte: Você! – Escolhe a esmo um dos
alunos. – Veste uma camisa para vir para a escola, anda pelas ruas, chega à
sala, senta e vai estudar. História chata, né? Mas e se fosse assim:
Xúnior Matraga acordou atrasado e tomou o café às
pressas; depois entra no quarto para vestir o uniforme, mas ele está rasgado. Desesperado
porque está em cima da hora, abre o armário às pressas e pega uma camisa limpa.
Entretanto, junto com a roupa, sai um enorme rato gigantesco que lhe ataca – o
professor aproxima as mãos do rosto como se segurasse o rato que lhe avança no
rosto e enquanto continua a falar, vai virando o corpo para trás como se
lutasse e fugisse do ratão. E os alunos rindo bastante. –. Com muito custo dá
um golpe de judô no ratão que cai morto no chão. Xúnior suspira aliviado. – O
professor faz um som de suspiro. A turma também suspira. – Mas a alma do rato
assassino sai do corpo e lhe ataca de novo. Ele corre para lá – O professor
movimenta o corpo como se desviando e os alunos voltam a rir mais ainda – corre
para cá e nada de escapar do fantasma do rato. Até que grita: “Fora, Temer!
Vade retro, rato! Seu golpista!” e o espírito do gigantesco rato assassino
psicopata dissolve-se no ar. Aí você veste a camisa, sai para a rua, vem para a
escola fazer a prova e tira nota máxima. – Pega na mão do aluno e lhe diz:
Parabéns.
- Viram? Como a história fica mais interessante
quando a personagem tem algo sério ou engraçado, mas importante para resolver?
E eu usei tudo na história. A introdução: quem, quando e onde; ou seja, hoje
pela manhã na casa do colega. O conflito: a necessidade de pegar rapidamente
uma camisa porque estava atrasado e ainda encontra um rato e trava uma luta de
vida ou morte com ele e surge o clímax onde o fantasma do rato quase mata nosso
herói, mas ele consegue vencer o monstro. E por fim o desfecho: Xúnior termina
de se vestir, vem para a escola e tira nota máxima na prova anticoxisse.
Ofereço como presente aos aniversariantes
Willian Delarte, José D. Carmo, Wagner G. Mineiro, Lucy
Cristina, Jeferson Santos, Geórgia A. Bastos, Ricardo Alves, Sandro Assunção, Wina
Lidiane, Deise Brenda, Carol AC, Marlon D. Ancelmo, Creusa Melo e Claudio M.
Miranda.
Recomendo a leitura
de “Negócios à Parte”, deste que vos fala; “Um Exercício de Futurologia: a
democracia está em risco”, de Josué da Silva Brito; “Involução”, de Xúnior
Matraga; e “La Insurrección em Dublín”, de Javier Villanueva. Respectivamente nos
seguintes endereços:
BOAL, A. O
teatro do oprimido e outras poéticas, políticas. Civilização Brasileira.
São Paulo, 1991.
Escrito entre os dias 02 e 10 de setembro de 2016.
4 comentários:
Muito divertida a "Aula de Literatura"! Estupendo, meu caro, não só faz uma bela definição de crônica e conto como protesta de forma ímpar! Apoio um dos pontos acessórios de seu texto... para mim personagem ainda é substantivo sobrecomum... "o personagem" não me parece tão agradável!
Meu caro! Que aula deliciosa. Senti-me envolvido com todo o processo, na condição de aluno, estaria eu extremamente concentrado, como agora. Adorei a ideia de ser personagem dessa história fantástica, e muito lisonjeado também. Além do mais, acho fascinante o teu blog e tua forma de escrever/ensinar/transmitir. Certamente, com tua autorização, usarei teu texto e teu blog como instrumento para minhas aulas. E sempre,sempre mesmo que quiser e puder convida-me mesmo a visitar este teu espaço! Grande abraço!
Uai, Xúnior! Eu me sentirei satisfeitíssimo em ter um texto meu usado por você de forma tão deliciosa que é compartilhar nossos parcos conhecimentos.
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