ou ES-BARRAGEM
O calor está pouco suportável; assim foram janeiro e
fevereiro. E veja que os anos anteriores foram ainda piores. Pela janela,
Adulto vê o vermelho do sol nascente prometendo uma boa sexta-feira; sorri, levanta-se
e o telefone toca. Nena de Castro com voz destroçada recita sua quadra recém-composta:
Na partida minério x mineiros
quem ganha é a morte!
mineiro sem sorte!
cobiça forte!
A olhar pela varandícula pensa em Brumadinho, em seus
desaparecidos, em seus mortos humanos e animais mortos e nos prejuízos pelo
rompimento da barragem. Contempla o céu imaginando o que seria um chão coberto
por chuva de flores:
Suspira e vai a cozinha fazer o café para depois
comprar pão, comer, lavar o banheiro, lavar roupas e preparar o almoço.
Porém ficam as vasilhas para serem lavadas pelo
companheiro.
Mas voltemos um pouco no tempo.
- Já que estamos morando juntos será bom que me ajude
na casa. Despesas, limpezas etc.
- Ah... Ok! Mas você sabe que sou livre.
- Sei, Moço. E eu também sou.
- Estou sempre de viagem; me fritando em raves.
- E eu a estudar e trabalhar. Mas enquanto estiver
aqui, ajude-me em uma coisa ou outra.
- Ah... Ok!
Mas avencemos um pouquinho no tempo.
- Cara! Vou por seu nome como meu companheiro no meu
plano de saúde.
- Ok, obrigado!
- Você terá que levar cópia de seus documentos para
oficializar.
- Ok, obrigado!
Assim um fez, mas não o outro.
Voltando ao tempo atual e nele avancemos pouco a
pouco.
Ficam na espera as vasilhas para serem lavadas pelo
parceiro.
- Não gosto de ser cobrado, Adulto. Minha família me
irritava porque me cobrava serviços e por isso saí de casa.
- Uai! Então faça sua parte para não ser cobrado.
- Eu já ia fazer...
- É? Quando? Passou-se a tarde de sexta, passaram-se
o sábado e o domingo. Só não passou de hoje porque não esperei mais; lavei-as!
- É? Eu já ia lavar.
A semana correu tranquila. Principalmente porque Adulto
ficou só em casa; com seus livros e visitas esporádicas do Girvany de Morais,
Vinícius Siman e Xúnior Matraga. Estes recitam seus poemas e os discutimos:
RÉQUIEM PARA O MONSTRO
A quantas tragédias o Capitalismo ainda irá anunciar?
Sinto muito em te dizer: muitas ainda,
Porque é desprovido de compaixão,
Vendem nas bolsas de valores os seus cadáveres,
Nem se comoverá com o choro das viúvas e órfãos.
Anunciará um banquete para bendizer a sua usura,
E nada lhe interessa,
A não ser o famigerado lucro.
Primeiro discutimos a peça Lama-Sal, de Vinícius; depois,
através de Réquiem para o Monstro, Girvany partilhou suas angústias e por fim Xúnior
compartilhou seu amargor através da aldravia:
O mês e o bimestre seguinte correram tranquilos,
apesar do crime Ambiental em Brumadinho. Principalmente porque Adulto em casa ficou
sozinho com seus livros e visitas esporádicas de amigos. Enquanto o Moço estava
a fritar-se...
Mas como dizem: não há mal que sempre dure nem bem
que nunca acabe.
Moço voltou de viagem. Cansado, chapado, adoçado... Dormiu toda a noite e a manhã
quase inteira. Pela tarde saiu para fazer malabares nos semáforos. De noite
Adulto tenta uma conversa.
- Está sabendo que Jean Wyllis está sendo ameaçado de
morte e por isso está saindo do país?
- Quem?
- Jean Wyllys, o Deputado Federal...
- Ah! Um viadinho...
- Ei! Você também é viado.
- Mas não fico me expondo.
- Expondo? Ele está simplesmente sendo o que é. – Uns
segundos se olhando e continua: Bem, ele está sendo ameaçado de morte.
- Aposto que é frescura dele. Exagero.
- Moço, ele tem recebido mensagens como “Vou te matar
com explosivos”, “Vou estuprar a sua mãe antes de matá-la”, “Já pensou em ver
seus familiares estuprados e sem cabeça?”, “Aquelas câmaras de segurança que
você colocou não fazem diferença”.
Mas a bicha homofóbica não compreende os fatos. Melhor
dormir. Na cama se esbarraram e tiveram um sexo bom. Quer dizer, nem tanto
assim. Dormir seria melhor; e foi.
Pela janela, Adulto vê o vermelho do sol nascente
prometendo uma boa quarta-feira; sorri e levanta-se. Faz o café, compra pão,
come, lava o banheiro, lava a roupa e prepara o almoço.
Ficam as vasilhas para serem lavadas pelo companheiro;
que mais uma vez as ignora. Com bom humor aquele publica no Caralivro:
- Rerrirrê. Fato. – Comenta a postagem. – Rirrirri. E
o pior comediante é aquele que conta piada no momento errado. Rerrirrê.
A noite vem. E com sua mochila nas costas, contendo
todas as suas coisas:
- Vou embora.
- Para onde?
- Por aqui mesmo, no Vale do Aço. Sabe que sou maluco.
Quando me dá gana, eu me perco no mundo.
- Tchau. Que você se encontre. Adeus.
Suas ideias nunca se esbarraram. O coração, sim. Mas por
curto momento. Porém, o importante é: Ô noite mais bem dormida aquela.
Mas não há bem que nunca acabe nem mal que sempre
dure ou que não volte a ocorrer. Outros crimes ambientais continuam a acontecer
no Brasil e outras barragens se rompem em Minas.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Thais L. Macedo, Ginimar De Letras e Isaac Andrade.
Recomendo a leitura de:
“Simulada Sagração”, de António MR Martins:
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo
domingo no seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em
Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua
Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”,
“Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos
“Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua
Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como
é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e
“Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro
Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Chão de Flores – foto do autor
Rubem dando Bandeira – foto do Vinícius Siman.
História pensada em 2017. Mas escrita somente em 26 de
abril de 2018; quase que em um só fôlego, mas em alguns momentos da manhã.
Trabalhada entre os dias 14 e 27 de janeiro de 2019.
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