domingo, 6 de janeiro de 2019

DISFEMIAS



Sugiro a leitura deste cronto ouvindo a música
“1965 (Duas Tribos)”, do Legião Urbana:

A tarde no Parque Ipanema está quente, mas debaixo destes pés de eugênia parecem vir uma suave salvação. Menos acalorados, Benito Bardo Junior, Girvany de Morais, Lizardo de Assis, Julian Cabral e Vinícius Siman discutem a sociedade.
- Estudiosos da Bíblia usam de eufemismo ao se referirem a certos trechos delas. – Diz Benito. – Como chamar de “serva” a escrava de Sara que fora violada por Abraão. Afinal, ‘escrava’ mostra melhor que ela fora estuprada, enquanto ‘serva’ sugere que Agar dormira com ele porque quis...
- O mesmo se pode dizer das nações. Os países, principalmente os mais poderosos, usam de eufemismo quando mencionam seus erros ou malfeitos; diz Chomsky. E usam disfemia quando mencionam os erros ou malfeitos contra eles. – Girvany partilha suas ideias. – O mesmo fazem os indivíduos. E quanto mais poderosa é a pessoa, mas a culpa recai sobre o outro. Para a elite o bom inimigo é a que lhe dá lucro. Entenda quem tem cérebro.
Benito e Girvany discutem enquanto Vinícius, Lizardo e Julian refletem.
- O que as nações comemoram é amostra do que provavelmente virá a ocorrer. O que se semeia germina quando dela se cuida. – Interpõe Vinícius. – Estados Unidos, por exemplo, comemora o Pearl Harbor, mas “esquece” o que fez com a Indochina, Vietnã do Norte, Camboja e o Vietnã do Sul; e este último, mesmo passado cinquenta anos, ainda tem perdas de vida provocadas pelos cancerígenos lançados por USA.
Julian modifica levemente o assunto ao falar da força do corpo em relação à ética, à educação e à moral:
- El cuerpo humano, como torrente colina abajo, despeña semen y óvulo. Quiero decir, el poder del sexo es el poder de la carencia física y esta es destructiva.
- Eufemismo... Como lembrou Vinícius, transformamos em datas comemorativas os dias horríveis. Sobre o pretexto de relembrar para não repetir. Talvez tenha sido esse o objetivo de alguns dos muitos que criam tais datas. Mas não é o que o ser humano faz na prática do cotidiano. O oito de março é um exemplo mundial. O dezesseis de agosto é um exemplo Latino-americano. E o vinte e um de abril é um exemplo brasileiro.
- Día de los Niños en Paraguay… En el año de 1869 la Guerra del Paraguay estaba cerca del fin; lo sabemos hoy. En aquél 16 de agosto el ejército brasileño asesinó tres mil quinientos niños paraguayos. Y el Tiradentes es solo para divertir y no para hacer de Brasil la gran nación que idealizó.
- Triste o motivo de um país ter como data comemorativa um mal feito brasileiro. Partindo disso e pensando no que Julian falou sobre sexualidade, mudo um pouco o assunto. Falarei sobre a violência de gênero na adolescência. – Lizardo não mais mantém para si seus raciocínios. – O jovem tenta desempenhar alguns papéis sociais para construir sua identidade, mas quando não consegue bom desempenho fica confuso em sua identidade. Assim, o estresse, por ser inevitável, afeta a maneira como o adolescente enfrentará sua compreensão do mundo, como reagirá ao outro e...
- Que livro é esse?
Um menino interrompe a conversa. Ele vira a capa do livro “A Lógica dos Devassos”, de Ezio Flavio Bozzo e ficou curioso. Por ser ele muito pequeno Benito recorre também a um eufemismo... A questão que me surge é: o propósito deste eufemismo e dos acima discutidos são os mesmo?
- Este livro fala do que não se deve fazer com as crianças. Este outro, que se chama Pedagogía del Oprimido, ensina como um professor deve ensinar para que os alunos se tornem pessoas melhores e livres de verdade. Os outros dois são Quem Manda no Mundo? E Um Norte para a Psicologia.
- Como você se chama?
- Sou Benito, e estes são Julian, Vinícius, Girvany e Lizardo. E qual é o seu nome?
- Arthur, com dois “r”, um no início e outro no fim; mais um “h” no meio do “t” e do “u”...
A mãe do garoto o chama para irem a algum lugar que não interessa a essa história e que para aqui porque a vida continua e cada qual tem que pensar e agir.


Ofereço aos meus mais recentes contatos no “caralivro”:
Adinagruber C. Lima, Wilson Filho, Bárbara Brasil e Marcus Stymest.

Fontes de informação para este cronto:
CHOMSKY, Noam. Quem Manda no Mundo?. Renato Marques (trad.). São Paulo: Planeta, 2017.
FREIRE, Paulo. Pedagogía del Oprimido. 3ª ed. Buenos Ayres: Siglo Veintiuno Editores Argentina, 2009.
LIZARDO DE ASSIS, Cleber. “Entre Tapas e Beijos”: representações sociais sobre a violência de gênero entre adolescentes. Um Norte para a Psicologia: estudos psicossociais na Amazônia Ocidental. Organização: Cleber Lizardo de Assis. Curitiba: Editora Prismas, 2018.

“Essa música que a gente vai tocar agora é do Quatro Estações, se chama 1965 – Duas Tribos e assim, eu nunca vi ninguém falando sobre essa música, mas, basicamente, a música é sobre o um momento no nosso país que de repente fechou tudo.  /  E eu acho sempre importante lembrar, eu pelo menos gosto sempre de me lembrar que hoje a situação pode tá difícil pra caramba mas, temos uma coisa muito preciosa que é liberdade, então, eu posso vir aqui cantar, vocês podem vir aqui, vocês podem fazer a pergunta que quiserem. Isso eu acho uma coisa muito, muito importante, por que a gente se esquece que até pouco tempo atrás, de repente dependendo das ideias que seu pai tivesse, seu irmão, sabe, seu namorado, iam bater na sua casa, eles iam pegar essa pessoa e você nunca mais ia saber o que tinha acontecido com essa pessoa e ficou por isso mesmo, e não se fala nisso. É uma coisa muito perigosa de tipo assim: ‘não, a gente era feliz naquela época.’  /  Gente, eu não me lembro de ser feliz naquela época, não. Fazer redação dizendo que o presidente é maravilhoso, quando muito tempo depois, a gente descobre que pessoas estavam sendo mortas em nome de uma grande coisa que não se sabe o que é, então eu acho isso muito péssimo. E a música é sobre isso.  /  A música fala especificamente de tortura e fala dessa ideia toda do Brasil ser um país do futuro. E é sobre como seria legal se a gente encaminhasse o Brasil pra ser um lance legal por que chega de ser o país do futuro! A gente tem que ser o país do presente! Temos que viver agora.”
Blog de Geografia. Renato Russo fala sobre a música 1965 (Duas tribos) e a ditadura militar. Disponível https://suburbanodigital.blogspot.com/2018/04/renato-russo-fala-sobre-musica-1965-duas-tribos-e-a-ditadura-militar.html?m=1 . Acesso 31 Ago 2018.
Blog de Geografia. Exercícios, atividades, mapas, vídeos, reportagens e dicas educacionais. Este é um blog geográfico de divulgação do conhecimento e de ideias. Texto postado em 30 de abril de 2018. O discurso de Renato Russo foi feito na década de 1990, no entanto, ainda e infelizmente, bem atual.

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve e publica neste seu blog literário aRTISTA aRTEIRO todo domingo e colabora no Ad Substantiam às quintas-feiras.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. E em breve também professor de História. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Eugênia Sombrosa – foto do autor.
Vendo-me Além da Janela  – foto de GirvOli.

Manuscrito na manhã de 03 de setembro de 2018 e digitado no início da tarde daquele mesmo dia. Trabalhado entre os dias 31 de dezembro e 06 de janeiro de 2019.

4 comentários:

Girvany Aparecido de orais disse...

Muito bom como sempre!

Cléo Eliamara disse...

Simplesmente brilhante! Abordagem atual e "polêmica" de contextos tão necessarios e que não devem ser esquecidos e ainda poetizada com tanta leveza! ❤

Goretti de Freitas disse...

Sensacional!
Gostei muito!
Parabéns!

MM disse...

Gostei Rubem.Más de Una cosa no estoy de acuerdo del supuesto estupro de Agar cometido por Abraham ya que es palabra de Dios escrita por el Espíritu Santo.Del hijo de Agar Dios le prometió multiplicar en multitud su descendencia y así lo hizo.Ahora si de acuerdo que hay políticos que usan a Dios y en nombre de él cometen atrocidades.Mi humilde opinión espero no ofenter🙏🙏