Êpa Babá! Axé Babá! Olá, Ancestral dos Ancestrais!
Espírito mais antigo e elevado, abaixo apenas do
próprio Pai, Olorum. Eu te peço, Oxalá:
Cubra a todos nós com bênçãos, sob seu manto branco de
pureza, paz e harmonia. Axé Babá! Salve, Cristo Jesus!
Saluba Nanã! Salve, Senhora da Lama sob as Águas! Nós
nos refugiamos na Senhora. Eu te peço, Nanã:
Abençoe os idosos de minha família e que cuide de
todos aqueles que não têm um teto ou uma boa alma em sua etapa final de vida.
Tenha misericórdia, mamãe. Saluba Nanã! Nós nos refugiamos em Sant’Ana, avô de
Jesus.
Larôyê Exu! Exu é Mojubá! A vós, Mensageiro Exu, meus
respeitos! Eu te peço, Exu:
Mensageiro dos Orixás e do próprio Olorum, proteja-me
da inveja e do olho gordo; mantenha meus caminhos abertos no amor e nas
finanças; oriente minhas palavras escritas e faladas. Larôiê Exu! A vós, Santo
Antônio, meus respeitos!
A grama onde ele está sentado está bem verde, mal
aparada e com folhas secas que o vento trouxe das árvores; ipês rosa na
maioria.
A grama onde está sentado, apesar de verde, está
seca, empoeirada e com falhas mostrando a terra amarelada.
- Poeta?!?
Meu filho é identificado por uma filha de Iansã e a
ele entrega o coquetel de limão siciliano que pedira ao Marcelo. Enquanto bebe,
tira de sua bolsa alguns livros e um caderno.
Por baixo das folhas da grama ele e eu pudemos ver
papel de bala, colherinhas de plástico, envelopinhos de açúcar e de sal,
guardanapos, toco de cigarros, papelões rasgados e outros restos humanos.
Quanta diferença dos restos das árvores. E quantas diferenças humanas.
Enquanto meu filho bebia e lia algumas páginas
observei um cachorro amarrado a sua esquerda latir querendo seus companheiros
humanos. À direita uma mulher fala:
- Benhê! Queiro uma porçãom com bêincom. Nãão mim
tráigam torreismo, por favór. Odéio essa coinsam gurdureintam.
Meu menino terminara o coquetel, levantara-se para
comprar uma cerveja artesanal da Off Road e voltou aonde estava. Aliás, um
pouco de propaganda gratuita. Recomendo essa cerveja. Pode ser encontrado no
Feirarte.
- Benhê! – Tenta falar baixo sem conseguir de fato. –
Olha aqueile hôomeim. Têim caraam de macumbeinrom. Olha as roupans denle. Jesúis,
Maria e Jusé.
Vestia calça preta e camisa vermelha. Trazia no
pescoço um longo cordão de contas preta, branca, preta e vermelha. As minhas cores
na religião que estuda e pratica, a Umbanda.
- Geinteim feitum enle nãão podeim ser do beim. Essas
côinsas afrincaanas só podeim ser o diámbum. Olha, olha aqueilas contas
penduradas no peiscooço Teim cara de adorador daquele diámbum, o Exum. Minha Nossa
Senhora!
Remexo-me no galho do ipê onde estou sentado. “Vou
brincar com ela...”. E meu filho pensa rindo:
Nossa! Que tola! Exu é a ligação do humano aos Orixás
e destes conosco; é o nosso protetor astral e por isso responsável por nossas
almas. A quem lhe pede e aos seus filhos e filhas ele é o autor das bênçãos de
prosperidade, fartura e boa sorte nos negócios e empreendimentos. Por ser o Rei
dos encantos terrestres favorece no amor e na fertilidade masculina aos seus
filhos e filhas e também a quem lhe pede, pois é o responsável pela procriação
humana.
De tudo, é o princípio e o transformador. Em todos, é
o ócio e ação.
Exu é o pai da comunicação. Ela, como católica que se
diz ser, deveria ter respeito, pois no sincretismo com o catolicismo é visto
como Santo Antônio de Pádua, pois este, assim como Exu, é possuidor de grande
cultura e de imensurável saber.
Exu é ação.
No Éden nada havia o que mudar ou a fazer e para o
homem cumprir o preceito bíblico “lavrem a terra, façam realidade tudo que
desejarem (deem nome) e se multipliquem e frutifiquem” a ação deste Orixá se
fez necessária. Então, em sentido figurado, ele é a “serpente do Paraíso”;
porém não na concepção negativa apontada na Bíblia, mas sim o transformador.
Exu é ócio.
É aquele que ‘para para’¹ pensar, pois só assim se
edificarão as ideias. É o ócio criativo. Assim, quem deseja bons resultados
deve a ele, antes de iniciar o que quer que seja, pedir a bênção e orientação.
A histriônica continua:
- Benhê, geinteim feitum enle nãão podeim ser do
beim. Acreditam em orixás como se fôsseim dêusiis. Mas essas côinsas de preto
só podeim ser o diámbu.
Tola. Duas vezes tola. – Continua a pensar e a
encher-me de orgulho. – A Umbanda crê em um único Deus, Olorum. E dentre os
Orixás o mais elevado é Oxalá, o criador dos seres humanos. Todavia, Nanã é a
Orixá mais antiga do mundo; é da pré-história, antes mesmo da Idade do Ferro.
Ela é o que se encontra no centro da terra, a raiz e a água da vida e da morte.
O guerreiro termina de beber sua cerveja e pede ao
Marcelo mais um coquetel. Dessa vez de tangerina. A mulher volta a falar.
- Benhê, veija! Os livros dele são de marxistas. Olha!
Um é do Paulo Freinre... Só pode ser petralhaam. Um comunistaam macumbeinro.
Silenciosamente ele e eu rimos de quem lhe julga.
- Inteindo que esteija com livros. Pois teinho meu
quarto de leituram. Mas não inteindo porque teim geinte que ler qualquer coisam;
eim qualqueir lungaar.
Meu filho pensa na criação da humanidade tentando entender
como foram criadas pessoas como aquela mulher. O faço recordar:
Oxalá é o criador da humanidade, porém só Olorum tem
o poder de dar a vida. Olorum concedeu o sopro da vida às criações que Oxalá
fez da lama que fica sob as águas – a essência – de Nanã, a Senhora do Portal
da Vida e da Morte.
Oxalá tentou fazer o homem de ar, mas este se
esvaneceu. Depois experimentou fazer de madeira, mas era inarticulado. Pensou a
pedra, mas era ainda mais duro. Experimentou o fogo, mas este consumiu a si
mesmo. Foi aí que Nanã socorreu o marido, dando-lhe o que fica em seu leito de
águas: a argila.
- Exu, – Disse-me Nanã. – por ordem de Olorum, Pai de
todos, o senhor foi a Terra ver se poderia ser ocupada por nós e pela
humanidade. E o que de lá nunca mais quis sair. É chegada a hora da criação humana.
Vá ao meu leito e recolha o barro que lá está e o traga para Oxalá.
Obedeci e com a lama a disposição de Oxalá a criação
humana se inicia.
Olorum proibira Oxalá de bebê vinho de palmeiras. Mas
foi desobedecido e embriagado criara pessoas disformes. Faltando pernas ou
braços, lesões na coluna ou que saíram cedo demais do “forno da criação” e por
isso a cabeça não funciona direito.
Porém, depois de sóbrio, a criação deu certo.
Contudo, um dia a lama do qual foram criados irá desfazer-se para voltarem à
essência de Nanã: as águas.
- Moço!?! – Duas meninas se aproximam curiosas com o
homem na grama com chapéu de palha na cabeça, livros ao redor e seu caderno nas
mãos. “Ah! Os erês...”. – O que o senhor está fazendo?
- Estou escrevendo uma história. Quer ouvir uma?
Dizem sim com a cabeça. Então ao meu filho inspiro:
Olorum, o Grande Pai, confiara a sua filha Nanã a
guarda do Portal dos Saberes sobre os Nascimentos, as Mortes e os
Renascimentos. E Nanã estipulou:
- Ordeno que somente o feminino possa entrar e sair
pelo Portal do Saber sobre a Vida e a Morte. Ao masculino proíbo atravessá-lo;
nem por uma só vez.
Porém, Oxalá curioso para conhecer o outro lado do
Portal vestiu-se de branco, cobriu completamente o rosto e enfeitou-se de
mulher. Porém não enganara a esposa, que lhe disse:
- Já que Oxalá se vestiu de branco e de feminino para
conhecer o que não é incumbência do masculino, de hoje em diante não mais se
vestirá de masculino e só comerá das oferendas ao feminino. Contudo, por ter
antevisto o princípio do fim será o senhor absoluto do conhecimento do Início
da Morte e de todos os seus mistérios; o conhecedor dos segredos do quando e
como a morte se principia e do quando e como o fim começa.
“O senhor não
deveria falar de morte para crianças. As crianças devem ouvir somente coisas
felizes e bonitas.”. Dentre os leem que este cronto, a estes pensamentos
ouço. E lhes digo que essa ideia vem da mesma fonte de “meninos vestem azul e
meninas vestem rosa...”. A Oxalá podem buscá-lO na goiabeira plantada no centro
do mundo plano. Este lugar não existe, enquanto é real o sofrimento infantil.
E as meninas se vão acompanhadas por um casal de Erês.
Estes aconselham àquelas a amarem incondicionalmente, pois essa é a natureza de
qualquer erê; seja deste mundo ou de outro.
Enquanto os quatro erês se afastam meu guerreiro
contador de histórias percebe: a mulher de voz cômica e de ideias tontas é uma
das que saíram antes da hora do “forno da criação”. Nós dois rimos alto. Mas sem
perceber ela continua:
- Eum pêinsum que a liteiraturam é para pouncos. Só
para queim pode comprar... Nãão para qualquer um.
Meu filho pensa “ela não percebe que sua voz é
deselegante?”. Respondo a ele: “O tolo não se como é.”.
Longe, no lago do Parque Ipanema, como se bailasse,
um peixe pula alto e retorna às águas. O belo e às vezes sério Logunedé de mim se
aproxima com a meiguice herdada de sua mãe, a delicada Oxóssi, e com a
agilidade herdada de seu pai, o solitário Oxum.
Neste instante a energia acaba no Feirarte; o que
silencia a banda que tocava. É que queremos ouvir meu outro filho, Oli. Este
também filho de Logunedé.
Oli estava em uma mesa não muito distante. E
aproveitando-se do silêncio ele canta a música que lhe dei A Hora Retorna ao
Futuro:
Querem ouvir minha voz.
Mas meu poema é o mundo.
Em um galho próximo, um pássaro levanta voo e com ele
vai Logunedé. Neste instante, debaixo da árvore onde estou, passam duas
pessoas. Provavelmente com mais de setenta anos.
- Perolina! Há tanta gente aqui. Devemos vir mais
vezes, amor.
- Zu. Também estou gostando. Acho que...
Infelizmente perco o resto da conversa. Sopro palavras
ao meu filho e este escreve:
Perolina...
Nome bonito
Para uns, ridículo
Para outros, batido
Para mim...
Pérola e neblina.
E Zu é o azul do firmamento.
Finalmente! Agora chegou a hora de brincar. A mulher
histriônica da direita perde a voz. Um pouco de silêncio quem sabe não lhe faz
bem...
O cão da esquerda encontra os seus, as duas meninas
com seus pais e se vão embora.
Meu poeta guerreiro pega o livro O Sol na Cabeça, de
Giovani Martins, e lê “Encare os olhares do rato”. Aquela ali não é nada.
Melhor é a que vem.
- Moço, quer comprar bombons?
- Ô, filha! O que trouxe só dá pra pagar o que estou
bebendo... Mas qual é seu nome?
- Cleide.
- Cleide e seus bombons. Falarei da senhora em uma
breve história no blog aRTISTA aRTEIRO.
Falam amenidades até que ela diz:
- Minha mãe morreu nesse janeiro e perguntei a minha
avó se devia deixar Júlia Sofia, minha filha, vê o corpo da mamãe. Ela me disse
“Deixe a menina decidir se quer vê-la ou não. Pois hoje você pode mostrar, mas
amanhã não.”.
- Que Nanã olhe por sua avó e que sua mãe esteja com
Nanã.
Depois disso os dois se calam e eu também, para levar
os pedidos para Nanã.
E você que está a ler-me, vai se calar ou vai dizer
alguma coisa. Na vida, omitirá ou agirá?
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Faire (Amnon K. Oliveira), Salomão A. Costa e Alexis
Senshi.
Agradecimento especial ao Ogã Rubens Ramalho que bem me
orientou sobre Exu.
Recomendo a leitura de:
“Socos e Alívios”, de Girvany de Morais. Pode ser adquirido
girvanyaparecido@yahoo.com.br
– watzap: 033.99104.2299.
“Guerra de Soldados Valientes y Oficiales Cobardes”, de
Javier Villanueba:
¹ Diquinha de Português:
Acento Diferencial.
Na escrita a sua função é permitir identificar mais
facilmente as palavras com mesma pronúncia, mas hoje existem apenas dois casos
do uso desse acento (As exceções são a crase e
acento em mesóclise ou ênclise, mas esses são assuntos para outro momento):
Pôde – pode
“O ladrão pôde fugir porque a polícia foi subornada”. Pôde
é a terceira pessoa do singular do pretérito perfeito do indicativo.
“Com suborno, é claro que ele pode fugir”. Pode é a
terceira pessoa do singular do presente do indicativo.
Pôr – por
“A senhora não deve pôr o livro na bolsa”.
‘Pôr’ é verbo enquanto ‘por’ é preposição.
“Não vá por aí, sua tonta. O caminho é este”.
No passado, distinguia-se a forma verbal “pára” da
preposição “para” através do acento agudo no verbo. Acreditava-se: enquanto o verbo
tinha forma tônica a preposição, átona; ou seja, a forma verbal se fala com
força enquanto a preposição não tem força de pronúncia. Mas o Acordo
Ortográfico de 2008 aboliu o acento diferencial nesse caso.
Exemplos:
a) “De supetão ela para no meio da faixa de pedestre” (3ª
pessoa do singular do presente do indicativo do verbo parar); “Siga as
instruções para não errar o jogo” (preposição).
b) Aquele que ‘para
para’ pensar (verbo + preposição).
COSTA, José Maria da. Pára ou Para?. Disponível https://www.migalhas.com.br/Gramatigalhas/10,MI127876,101048-Para+ou+Para . Acesso 14 Jun 2019.
NOVA ESCOLA: Novo
Acordo Ortográfico: acento diferencial. Disponível https://novaescola.org.br/conteudo/323/novo-acordo-ortografico-acento-diferencial . Acesso 14 Jun 2019.
SÓ PORTUGUÊS. Acento
Diferencial. Disponível https://www.soportugues.com.br/secoes/fono/fono13.php . Acesso 14 Jun 2019.
CAROL. Saiba Mais
Sobre Exu, o Orixá Protetor e Guia da Felicidade. Disponível https://www.iquilibrio.com/blog/espiritualidade/umbanda-candomble/exu-orixa/
. Acesso 14 Jun 2019.
_______. Tudo Sobre
Logunedé – o Orixá da pesca e da caça. Disponível https://www.iquilibrio.com/blog/espiritualidade/umbanda-candomble/tudo-sobre-logunede/
. Acesso 15 Jun 2019.
RAIZES ESPIRITUAIS. Orixás.
Disponível https://www.raizesespirituais.com.br/orixas/
. Acesso 11 Jun 2019.
_______. Ibeji, Erês
e Cosme Damião – O mistério da infância na Umbanda e Candomblé. Disponível https://www.raizesespirituais.com.br/ibeji-eres-e-cosme-e-damiao/
. Acesso 15 Jun 2019.
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo
domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua
Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do
Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Diferenças Humanas – foto do autor.
Santo Antônio – autor desconhecido;
Livros e Bebidas – foto do autor;
Rubem de chapéu – foto de Vinícius Siman;
Rubem Dando Bandeira – foto de Vinícius Siman.
Manuscritos dos dias 20 e 26 de maio; 09 de junho. E
trabalhado entre os dias 11 a 16 de junho. Tudo em 2019.
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