domingo, 15 de agosto de 2021

JÁ NÃO SOU MAIS JOVEM PARA ACHAR QUE SEI TUDO DE TUDO

 

Terceiro domingo na casa em Timóteo. Bairro Limoeiro.

 

“Eu já vi crianças tendo de fazer todo tipo de trabalho doméstico”. Os Auditores Fiscais do trabalho veem uma realidade que poucos conseguem ver. Não feche os olhos para isso e apoie nosso trabalho pela erradicação da exploração de crianças e adolescentes. (Sinait – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho). 

- Comecei a trabalhar com sete anos. – Diz SCS. – Até hoje, com setenta e dois anos, trabalho. Defendo meu pão com honra e dignidade

- Parabéns, dona SCS. – Responde Benito. – Trabalhar é bom e gosto. E fico imaginando como seria aos sete anos brincar, ler, estudar. E aos setenta viajar, divertir, novas coisas conhecer. Neste meio tempo, quando jovem e adulto, trabalhar, ler, trabalhar, viajar, trabalhar, estudar, trabalhar, divertir, trabalhar.

- Quando as crianças aprendia trabalhar, tornavam se adultos responsável. – Contesta SM vendo a olhada que recebi de SCS. – Viravam pessoas descente. Agora com essas lei que existe tão se tornando tudo coisas que não vale a pena. A criança que aprende a trabalhar não tem tempo para aprender o que não presta.

- Verdade, SM! – Benito responde. – Criança que trabalha não tem tempo de aprender. Por isso tem tantas igrejas e poucas bibliotecas nos bairros e nas cidades. Ajudar nos serviços da casa, fazer pequenos serviços não é problema e o ECA não só não condena como aprova. Ter que trabalhar pesado quatro, seis, oito, doze horas por dia se foi o seu passado é lamentável, triste. Pena a senhora desejar o mesmo para os outros.

Do salão da igreja algumas pessoas saíam discretamente da palestra. A discussão não interessa; somente a concordância satisfaz...

- Eu tive uma infância feliz. – SM retruca. – Na minha casa somos onze irmãos e aprendemos desde cedo a trabalhar. Viemos de uma família humilde. Meus pais nos ensinou a trabalhar e hoje temos orgulho de tudo que aprendemos.

- Que bom que sua felicidade não lhe impôs o desejo de ler mais, divertir-se mais, estudar mais, posicionar-se no lugar do outro. – Benito intervém outra vez. – Já eu não sou feliz e por isso leio muito, estudo muito, calço o sapato do outro...

- Eu comecei com doze anos e hoje, com cinquenta e sete, estou aposentado e ainda na ativa. – O, até então calado, AB entra na conversa. – Então não me venham falar que trabalho mata. O que mata é o inescrupuloso querer fazer a criança trabalhar acima da sua capacidade física e mental. Fora isso pode sim, mais com todas essas leis erradas, estamos criando uma geração em que tudo está errado.

- AB, sim, verdade. O senhor trabalhou de oito a dez horas por dia nos trabalhos mais pesados e insalubres e ainda estudou bastante... Mas por que perdeu tempo estudando? As quatro horas na escola poderia ser utilizado trabalhando; e assim o senhor teria entre doze e dezesseis horas de utilidade. Mais o tempo que ficou estudando em casa poderia ser utilizado para o benefício da empresa. Então umas dezesseis a vinte horas de valor que o senhor teria.

Benito, o mordaz, volta a falar. E o número de participantes diminui.

- Quando a educação for para todos o espaço político será para poucos. – Pega o livro “Feminismo em Comum: para todas, todes e todos”. – Marcia Tiburi diz “Não há nada mais importante na vida do que aprender a pensar, e não se aprende a pensar sem aprender a perguntar pelas condições e pelos contextos nos quais estão situados os nossos objetos de análise e de interesse”. Não é bonito uma criança vender latinhas para fazer a festa de seu aniversário e não é lição de vida uma senhora de mais de setenta anos entregar lanches para comprar os remédios do marido.

- Condições? Você vem falar de condições!?! As condição é Deus acima de tudo e Brasil acima de todos.

- Não há Deus acima de tudo nem pátria acima de todos se o povo estiver abaixo do nada. Isso é o país em estado de putrefação.

O salão fica somente com Benito e o padre.

- Triste eles não quererem ouvir...

- Tive sorte. Pouco tempo atrás um professor, colega meu, recebeu pedradas por querer ensinar a pensar.

Ao sair da igreja olha para ela e reza o que está na faixa: São Sebastião, homem de fé, protetor do povo. Rogai por nós.

 

 

Ofereço como presente aos aniversariantes:

Denise Maria, Sandro P. Dias, Rômulo Gomes, Marilda Lyra, John Alexander, Hugo Victor, Magali Ramos e Carlos Glauss.

 

TIBURI, Marcia. Feminismo em Comum: para todas, todes e todos. 15ª ed. Rio de Janeiro: Rosas do Tempo, 2021. P. 10.

 

Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”. Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).

Imagens – fotos do autor.


Escrito na madrugada de 12 de junho e trabalhado na noite de 14 de agosto para ser publicado na manhã seguinte. Tudo em 2021.

3 comentários:

Unknown disse...

Muito bom.

Glaussim disse...

Muito grato pela homenagem. Muito grato pela lição. Ouvi muita gente falando bravatas sobre trabalho, mais ainda gente que acha que entende da vida e da ordem das coisas dignificando a escravidão latina aos interesses dos norte-americanos e europeus, destinos de nossa mão de obra barata. Lá fora trabalhando sem direitos, apenas pela vantagem do câmbio, voltando pro Brasil desgastado e sem saúde pra requerer benefícios do SUS como todos temos direito. Sem contribuição ao INSS e depois pedindo aposentadoria por idade. Pior, agora, sem saúde, com idade e sem tempo de contribuição e pedindo pra acabar com os direitos previdenciários e defendendo um cara maluco que manteve o tempo de contribuição de quem nunca morre em guerra menor do que todos nós que morremos no tráfego indo pro trabalho, indiferente da idade ...

Goretti de Freitas disse...

Excelente! Gostei muito!