Terceiro domingo na casa em
Timóteo. Bairro Limoeiro.
“Eu já vi crianças tendo de fazer todo tipo de trabalho doméstico”. Os Auditores Fiscais do trabalho veem uma realidade que poucos conseguem ver. Não feche os olhos para isso e apoie nosso trabalho pela erradicação da exploração de crianças e adolescentes. (Sinait – Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho).
- Comecei a trabalhar com sete anos. – Diz SCS.
– Até hoje, com setenta e dois anos, trabalho. Defendo meu pão com honra e
dignidade
- Parabéns, dona SCS. – Responde Benito. – Trabalhar
é bom e gosto. E fico imaginando como seria aos sete anos brincar, ler,
estudar. E aos setenta viajar, divertir, novas coisas conhecer. Neste meio
tempo, quando jovem e adulto, trabalhar, ler, trabalhar, viajar, trabalhar,
estudar, trabalhar, divertir, trabalhar.
- Quando as crianças aprendia trabalhar,
tornavam se adultos responsável. – Contesta SM vendo a olhada que recebi de
SCS. – Viravam pessoas descente. Agora com essas lei que existe tão se tornando
tudo coisas que não vale a pena. A criança que aprende a trabalhar não tem
tempo para aprender o que não presta.
- Verdade, SM! – Benito responde. – Criança
que trabalha não tem tempo de aprender. Por isso tem tantas igrejas e poucas
bibliotecas nos bairros e nas cidades. Ajudar nos serviços da casa, fazer
pequenos serviços não é problema e o ECA não só não condena como aprova. Ter
que trabalhar pesado quatro, seis, oito, doze horas por dia se foi o seu
passado é lamentável, triste. Pena a senhora desejar o mesmo para os outros.
Do salão da igreja algumas pessoas saíam
discretamente da palestra. A discussão não interessa; somente a concordância
satisfaz...
- Eu tive uma infância feliz. – SM retruca.
– Na minha casa somos onze irmãos e aprendemos desde cedo a trabalhar. Viemos
de uma família humilde. Meus pais nos ensinou a trabalhar e hoje temos orgulho
de tudo que aprendemos.
- Que bom que sua felicidade não lhe impôs o desejo de ler mais, divertir-se mais, estudar mais, posicionar-se no lugar do outro. – Benito intervém outra vez. – Já eu não sou feliz e por isso leio muito, estudo muito, calço o sapato do outro...
- Eu comecei com doze anos e hoje, com
cinquenta e sete, estou aposentado e ainda na ativa. – O, até então calado, AB
entra na conversa. – Então não me venham falar que trabalho mata. O que mata é
o inescrupuloso querer fazer a criança trabalhar acima da sua capacidade física
e mental. Fora isso pode sim, mais com todas essas leis erradas, estamos criando
uma geração em que tudo está errado.
- AB, sim, verdade. O senhor trabalhou
de oito a dez horas por dia nos trabalhos mais pesados e insalubres e ainda
estudou bastante... Mas por que perdeu tempo estudando? As quatro horas na
escola poderia ser utilizado trabalhando; e assim o senhor teria entre doze e
dezesseis horas de utilidade. Mais o tempo que ficou estudando em casa poderia
ser utilizado para o benefício da empresa. Então umas dezesseis a vinte horas
de valor que o senhor teria.
Benito, o mordaz, volta a falar. E o número
de participantes diminui.
- Quando a educação for para todos o espaço
político será para poucos. – Pega o livro “Feminismo em Comum: para todas,
todes e todos”. – Marcia Tiburi diz “Não há nada mais importante na vida do que
aprender a pensar, e não se aprende a pensar sem aprender a perguntar pelas
condições e pelos contextos nos quais estão situados os nossos objetos de
análise e de interesse”. Não é bonito uma criança vender latinhas para fazer a
festa de seu aniversário e não é lição de vida uma senhora de mais de setenta
anos entregar lanches para comprar os remédios do marido.
- Condições? Você vem falar de condições!?!
As condição é Deus acima de tudo e Brasil acima de todos.
- Não há Deus acima de tudo nem pátria
acima de todos se o povo estiver abaixo do nada. Isso é o país em estado de
putrefação.
O salão fica somente com Benito e o padre.
- Triste eles não quererem ouvir...
- Tive sorte. Pouco tempo atrás um
professor, colega meu, recebeu pedradas por querer ensinar a pensar.
Ao sair da igreja olha para ela e reza o
que está na faixa: São Sebastião, homem
de fé, protetor do povo. Rogai por nós.
Ofereço como presente aos aniversariantes:
Denise Maria, Sandro P. Dias, Rômulo Gomes, Marilda Lyra, John
Alexander, Hugo Victor, Magali Ramos e Carlos Glauss.
TIBURI, Marcia. Feminismo em
Comum: para todas, todes e todos. 15ª ed. Rio de Janeiro: Rosas do Tempo,
2021. P. 10.
Imagens – fotos do autor.
Escrito na madrugada de 12 de junho e trabalhado na noite de 14 de
agosto para ser publicado na manhã seguinte. Tudo em 2021.
3 comentários:
Muito bom.
Muito grato pela homenagem. Muito grato pela lição. Ouvi muita gente falando bravatas sobre trabalho, mais ainda gente que acha que entende da vida e da ordem das coisas dignificando a escravidão latina aos interesses dos norte-americanos e europeus, destinos de nossa mão de obra barata. Lá fora trabalhando sem direitos, apenas pela vantagem do câmbio, voltando pro Brasil desgastado e sem saúde pra requerer benefícios do SUS como todos temos direito. Sem contribuição ao INSS e depois pedindo aposentadoria por idade. Pior, agora, sem saúde, com idade e sem tempo de contribuição e pedindo pra acabar com os direitos previdenciários e defendendo um cara maluco que manteve o tempo de contribuição de quem nunca morre em guerra menor do que todos nós que morremos no tráfego indo pro trabalho, indiferente da idade ...
Excelente! Gostei muito!
Postar um comentário