“Todos os seres são iguais, pela sua
origem, seus direitos naturais e divinos e seu objetivo final”.
“Todas as coisas da criação são filho do
Pai e irmãos do homem... Deus quer que ajudemos aos animais, se necessitam de
ajuda. Toda criatura em desgraça tem o mesmo direito de ser protegida”.
“Apenas um raio de sol é
suficiente para afastar várias sombras”.
(Três
pequenos ensinamentos de São Francisco de Assis).
Como sempre a manhã é bela. Se fossem só as
manhãs, a fauna, a flora... Enfim a natureza seria uma dádiva, mas ninguém tem
noção e não perceberem seus atributos; mas há muitas consciências ativas?
Sou o inverso de Francisco; ele é doce. Sou
mais próximo de Antônio; ele é severo. E gosto de ser assim. Creio que a
trindade franciscana conseguia ter essa ciência.
- O Sangue de Jesus tem poder! – Segundos
de silêncio. – Vai morrer!... – Mais outros segundos. – Vem pra fora, diabo! –
Grita na porta do posto de saúde do bairro Limoeiro, Timóteo.
- Tem ninguém aí não.
- Por que está aberta então?
- É a faxineira.
Ele volta para onde veio gritando as mesmas
coisas, mas começando pela última exclamação e terminando com a primeira.
Eis o início de mais um dia.
Não um dia qualquer, é o de São Francisco de Assis e do meio ambiente. Ouço canto dos pássaros, um louco gritando incoerências e doentes lamentando enquanto esperam e esperam. Esperamos! Como será esse dia? Por enquanto fico ou tento segurar, manter, com o canto dos pássaros e a imagem do sol atravessando amarelo e branco as nuvens cinzas.
No dia seguinte, enquanto digito o
manuscrito, penso: faxineiras não são
alguém ou a mulher que avisou ao louco queria dizer apenas que não havia outros
funcionários para marcar as consultas: enfermeira e médica? Vai saber! Mas
tenho minhas suspeitas...
De minha casa ao posto de saúde vejo
cachorros famintos, dormindo na rua, não em suas casas.
Lembrei do vizinho que queria quebrar a
mandíbula de minha cachorrinha que entrara em sua casa, não parando mesmo
diante de meus rogos. Parou quando peguei uma telha e atirei para além dele. O machão
entrou correndo na casa, trancando a porta e deixando a mulher que dormira com
ele na parte de fora.
No livro antológico Identidades, da editora
Venas Abiertas, uma dedicação de Karine Oliveira, ouço, no momento, Samuel
Medina e Pablo Figueroa e eles bailam com Renato Russo e Chico Buarque:
O homem
passou por sobre o pombo e conferiu a imagem que revelava vagamente a figura de
um trecho de um vitral que vira na infância: parecia o Arcanjo Gabriel no
momento da Anunciação. O pombo esmagado, as asas abertas e o que antes fora seu
corpo feriam a mente do homem. Era como ele soubera que não houvesse como
escapar. Foi com essa forte determinação que ele subiu os 18 andares de um dos
principais edifícios da cidade. Sentindo toda a liberdade de um ser alado, ele
deixou seu corpo dançar no vazio até alcançar o chão.
(Medina).
Subiu
a construção como se fosse solido. Seus olhos embotados de cimento e lágrimas. Dançou
e gargalhou como se ouvisse música. E tropeçou no céu como se fosse um bêbado e
flutuou no ar como se fosse um pássaro e se acabou no chão feito um pacote
flácido. Agonizou no passeio público. Morreu na contramão atrapalhando o
público.
(Buarque).
Ninguém
sabe o que aconteceu. Ela se jogou da janela do quinto andar. Nada é fácil de
entender: Explica a grande fúria do mundo.
(Russo).
Meus
iguais jazem enterrados lá no fundo, e vocês são as larvas.
(Figueroa).
Queria ter pensamentos bonitos, mas não
estou conseguindo. Ou será que não posso? Será covardia, preguiça? Será algo
mais forte que eu?
Médicos dizem algumas coisas. Religiosos dizem
outras. O povo fala o que lhe sai pelo cotovelo. E, vedando minha vista e meus
ouvidos, olho o sol ainda crescendo e ouço os pássaros ultrapassando o alboroto
humano. Comigo apenas meus livros.
- Sr. Benito! A médica vai atendê-lo.
Entro. Explico minha situação. O surto da
semana passada, as crises de depressão e ansiedade que me assolam. Que não
posso ir trabalhar. Que tenho uma consulta marcada com um psiquiatra para o
próximo sábado.
- O senhor quer atestado para cinco dias?
- Não, não quero. Preciso! Não tenho
condições de trabalhar. Acordo a noite chorando e sem respirar. Durante o dia
choro, perco o ar e não aguento andar de tanto cansaço. Uma fome que nunca
passa e me produz duas coisas: ou só não me entupo de comida porque sei que não
é apetite ou então tento comer e não ultrapassa a garganta. E a fome! Fome, não
apetite... Fome ininterrupta. E o atestado não é para fugir do trabalho e para
poder aguentar até sábado onde tenho uma consulta com um médico especializado
para dizer-me como proceder.
Sem vontade minha sai-me lágrimas. A médica
me observa pensativa.
- Tem mesmo uma consulta marcada para
sábado?
Não tenho mais força para falar e só afirmo
com a cabeça. Ela me dá o atestado. Volto para casa. Passo a semana pouco me
alimentando de comida, mas me alimentando de consolo, de força, de conselhos:
livros!
Mesmo afastado, durante vinte e um dias enfrentei
as pessoas no trabalho, nas clínicas e onde mais tive que ir. Consumo os remédios
prescritos. Mas me repouso e fortaleço na natureza ao redor de minha casa e com
a literatura.
Imagens – fotos do autor.
Manuscrito no dia 04 e trabalhado entre o dia seguinte e 24. Tudo em
outubro de 2021.
3 comentários:
Como sempre, muito bom!!
Olá, Rubem, tudo bem?
Senti-me lisonjeado com a menção. Encontrei seu blog através de um comentário no meu. Desde já, agradeço a visita e espero que possamos trocar impressões e observações.
Abraço,
Tornei-me seu seguidor.
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