terça-feira, 18 de maio de 2010

ÍNTIMO

Rubem Leite

14-18/5/10

Escrevendo ora ouvindo o cd Lual, de Nando Reis & Os Infernais,

e ora sob o silêncio

eu ofereço aos aniversariantes:

Neuili Mª Macedo Leite, Rosangela Sulidade,

Maxtenios Cara e Léo Coessens.


A camisa velha tinha o vermelho virado rosa com desenho de um imenso R xadrez descascando. Sua saia verde na moda de anos atrás. – “Dispensar por que, se moda vai e volta?”. – Bonita, apesar de assalariada. Mais um pouco e seria mendiga. Ou deveria dizer um pouco menos? Depois de horas escolheu o que podia. Era um dia especial.

Seguindo um recurso literário talvez em moda – como saber, se moda vem a vai? – comecei a estória pelo meio e agora vou para o início.

Era meio de uma tarde fria para os consumidores. Para os trabalhadores do shopping já era dois terços de um turno. E para um segurança, um deles em especial, um turno infernal (É! Só assim para um trabalhador qualquer ser alguém especial... Quando o dia está, na melhor das hipóteses, apenas um inferno). Beth, nossa protagonista, desceu de sua bicicleta, prendeu a coisinha branca, suja, arranhada na portaria número três quando chegou o segurança, nosso antagonista, impedindo furiosamente educado para não fazer. Discussão. Junto com público mais dois seguranças que arrancam educadamente a bicicleta do lugar e a levam para outro canto, afastado dos ricos olhos consumidores. Enquanto ela não entra, eles não se vão. Calada Beth entra. Sai por outra portaria, vai até a bicicleta, procura alguma coisa no chão. Achou. Custou, mas achou. Por sorte ou azar, achou. Desprende a coitada e volta discretamente para onde tudo começou. Observa. Gira em torno de si e ninguém. Dá outra volta em sentido contrário e ninguém perigoso. Fixa discretamente os parafusos que tirara antes de soltar a velhinha e a prende. Entra, compra e volta. A bicicleta continua no lugar. Sorri sarcasticamente e pensa na diferença entre sarcasmo e ironia. Que isso tem a ver com a estória? Nada. Ela apenas associou algumas idéias e eu a reproduzo. Sorrindo com o presente na bolsa. Hoje é um dia especial. Sete anos! Entra no shopping procurando o segurança. Aquele que a afrontara. Chique, não? Afrontara! Pensa ironicamente “Afrontara-me... Palavra elegante utilizada” – não usada, faz o favor, u-ti-li-za-da – “por quem pode. Qual a diferença entre sarcasmo e ironia”? Volta à associação de idéias enquanto circula e circula e circula, quase desistindo, encontra o segurança na sua calça e paletó (aberto) azuis marinho, camisa azul claro e gravata azul guei, digo, celeste. Ele estava conversando com a moça do “Café Brasil é Paris”. Primeiras falas de nossa estória:

- Ei! Estava te procurando.

- Quem é a senhora.

Que ódio sentiu do descaso, mas continua – Sabe minha bicicleta? – Ele mexe discretamente – Voltei para o lugar. Quero ver o senhor tirar. – Fala desafiadora, mas a cara de raiva do segurança assusta Beth que contorna – Se não tirar lhe dou R$10,00.

- Se eu tirar lhe dou R$100,00.

- Não acredito que o senhor tenha todo esse dinheiro.

- Pois tenho. Recebo R$1.800,00.

R$1.800,00 dele contra os R$510,00 dela é muuuita coisa. Bem! É verdade que é melhor do que o de muita gente. Vão, e com as mãos arranca o parafuso. Beth perdeu, mas ganhou. Volta para casa matutando a ida ao shopping, matutando o seu dia, matutando a vida. Esquenta o jantar pensando “Hoje eu quero me regalar” e come feijão com bastante alho, farofa, rúcula – “Realmente! Yo soy chique.” –, bife e arroz. Arruma uma mesa não querendo pensar no segurança – “Mas ele até que é bonitão... E que coisa faríamos hoje... A sós... Não hoje! Hoje é o dia do meu filhinho. Sete anos.”. Leva o prato bem feito para a mesa, liga o rádio pensando no aparelho de cd que viu na loja, pega um livro, senta, come, lê, come, lê, pega seu dicionário e descobre que ironia é o contrário do que se pensa ou sente e é utilizada para criticar ou zombar alguém. Raramente pode ser usada para elogiar ou engrandecer o outro. Já sarcasmo é a zombaria mordaz, ou seja, cruel ou picante. – “Mas chega de pensar nessas coisas”.

- Demorou filhinho. Está na hora de cantarmos o parabéns, né? Não fique triste amorzinho por ninguém ter vindo. É que hoje é quinta-feira... e ... e todos estão ocupados. Mas nós dois somos o suficiente. Só eu e você. Papai não veio, mas telefonou lá para o serviço pedindo para dar-lhe o parabéns e vai mandar entregar o seu presente. – Mente. – Ele não te abandou, filhinho. Foi a mim. Não agüentava me ver sofrendo... Disse que eu estava ficando louca... Mas eu não... EU NÃO SOU LOUCA. Você curou, né filhinho? Você curou! Mas isso não é conversa para agora. ... “Parabéns pra você nesta data querida. Muitas felicidades. Muitos anos de vida”. Faz um pedido e sopra, queridinho. – Então ela sopra a velinha. – Olha o que mamãe comprou para você. – Ela rasga o embrulho – Gostou? – Vendo o olhar do filhinho – É! Custou caro, mas você merece, filhinho. Só se faz sete anos uma vez na vida. – Ela corta duas fatias do bolinho que fizera ontem e põe uma diante da cadeira à sua frente e come o outro pedaço. – Está gostoso, né?


Um comentário:

Leticia Duns disse...

Olá!!!

Passando para dizer que em um pequeno gesto de carinho, postei um selo para você lá no meu blog. Em agradecimento às belas palavras que me inspiram tanto.

Beijos
Leticia Duns.