Obax anafisa.
Veja o cronto “Ultrapassado!”,
postado aqui, no aRTISTA e aRTEIRO, em 26-3-12.
São três da manhã. Eu moro diante de uma praça, a principal do Centro de Ipatinga. Lugar onde o sexo pode ser profissional e a droga, banal. Em uma de suas frentes, à minha direita, se encontram a Prefeitura, a Câmara dos Vereadores, o Fórum e um grande posto policial. À noite o silêncio aumenta, mas as vozes nunca silenciam. Olho pela janela e vejo “errantes”¹ zumbiando com sua eterna fome de carne humana. Mas não há humanos. Ninguém é alguém.
Não! Não quero refletir coisas duras a essa hora. Então meu olhar vaga pela janela pensando na conversa que tive no faceboock:
- Eu quero um Shar Pei fiote, alguém sabe onde tem aqui em Ipatinga?
- E por que tem que ser filhote? Filhote nunca se sabe como será quando crescer. Mas adulto te amará do mesmo modo e ainda se sabe como ele portará.
- Uai e qual a graça de pegar cachorro já cuidado? Ele vai ser meu filhinho, por isso tenho que cuidar dele desde pequenininho.
- Ter filhote é bom. Sinto-me satisfeito de ter o Haicai desde que desmamou. Meu bassê tem 17 anos e é lindo. Tive a Cam e tenho Decidido e Vitório. Três viralatas que achei nas ruas, já crescidos. Qual deles me ama mais? Todos me amam de um modo próprio, único. Apesar das diferenças na manifestação do amor não se percebe na intensidade. Filhote é legal. Mas adulto também é puro amor. Os meus três “filhos” são incríveis.
- Ah tá, mas mesmo assim ainda quero um fiote.
Sorrindo volto para cama e pego o livro “Cuentos de amor, de locura y de muerte”, pertencente à coletânea “Contos Latino-Americanos Eternos”. Depois que conheci uma dupla de hippies, um brasileiro e outro uruguaio, fiquei curioso com a literatura “de
“Sua lua-de-mel foi um longo estremecimento e o temperamento duro do marido gelou suas sonhadas criancices de noiva. Ele, por sua vez, a amava profundamente, sem demonstrá-lo. \ A casa em que viviam influenciava um pouco nos seus estremecimentos. A brancura do pátio silencioso — frisos, colunas e estátuas de mármore — produzia uma outonal impressão de palácio encantado. Por dentro, o brilho glacial do estuque, sem o mais leve arranhão nas altas paredes, acentuava aquela sensação de frio desagradável. \ Teve um ligeiro ataque de gripe que se arrastou insidiosamente dias e mais dias; Por fim uma tarde pôde sair ao jardim apoiada no braço dele. De repente Jordão, com profunda ternura, passou a mão pela sua cabeça, e Alicia em seguida se quebrou em soluços, e o abraçou. Chorou demoradamente seu discreto pavor, redobrando o choro diante da menor tentativa de carícia. \ Não demorou muito para Alicia passar a sofrer alucinações, confusas e flutuantes no início, e que desceram depois até o chão. \ Alicia morreu, por fim. A empregada, que entrou depois para desfazer a cama, já vazia, olhou um momento com estranheza para a almofada e disse: Senhor! Na almofada há manchas que parecem ser de sangue”².
Deu-me sede. Vou à cozinha e na volta vejo a lua lá fora e, mesmo não querendo me prender às durezas da vida, na praça um homem chora e uma mulher esbraveja tirando-me de mim.
- Non, ¡pare! Yo no hago más. ¡No me golpees!
- Calaboca, salafrário! Cê acha que toaqui para sustentar vagabundo?
- ¡Perdóname, perdóname!
- Você dá praeu e te uso como quero.
- ¡Si, si! Yo soy de usted. Pero no me pegues, más. ¡Por favor!
- O que as criente qué, ocê faiz. Num tem quiscolhê, não! Só faiz uquetimândam.
- ¡Si, si! Yo aprendí la lección. Voy a obedecer.
- Quer craque? Vai ter que pagar?
Vejo a mulher bater um pouco mais em Carmito e depois sair rindo. O rapaz, chorando, a segue de joelhos.
Engulo
Volto para minha cama, abro o livro em qualquer página e um papelzinho me fixa. Nele um anjinho toca uma clarineta e diz um versículo bíblico. Mexo em meu bolso e vejo outro papelzinho com o mesmo desenho e com uma fala de Masaharu Taniguchi. Meus olhos úmidos embotam. Em dias diferentes da mesma semana contribuí com moedas a uma estátua viva e em retribuição me deu as mensagens. Vejo-a: um homem sobre uma caixa e envolto por um manto de seu ombro esquerdo, rodeando a cintura e acabando no tornozelo direito. Tudo cinza. Imóvel até receber algo. Então, roboticamente reverencia, pega em uma de suas dobras uma mensagem e entrega. Paralisando-se em seguida.
Pensando no artista deito, apago a luz do abajur e finalmente durmo sonhando com Campos e um Carmito livre.
Ofereço como presente de aniversário à
Vera H.S. Rossi, Magali “Linda” Santos, Gledson Pagung, Rosane Dias, Lúcio Braga, Marcone Alvarenga, Carlos Passos e Mel de Faria.
Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 20 de março e 02 de abril de 2012.
¹ The Walking Dead – http://www.baixartv.com/download/The.walking.dead/
² A almofada de penas (trechos), do escritor uruguaio Horacio Quiroga – http://www.releituras.com/hquiroga_menu.asp
2 comentários:
Nosso jardineiro das palavras!
Lembra da conversa sobre o poderio delas?
Pois vi-me na prática agora!
Parabéns sempre!
O presente mais lindo =)
Obrigada pelo carinho meu lindo.
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