domingo, 19 de maio de 2019

HÁ DE SER LUZ NA AMÉRICA DO SUL



Eu defendo as universidades e institutos federais.
Contra o corte de verbas e a perseguição.
Defendo as Ciências Humanas.
Pensar é um direito de todos.
Inseguridad es que la propiedad privada valga más que la vida.
Ni olvido ni perdón para los asesinos de los artistas callejos.

Mojarrito está con decisiones tomadas, repitiendo ideas comunes sin un raciocinio real.
Primero ataca a Benito de modo suave y luego con fuerza: Usted es de otra generación. Vea la mierda que hicieron.

Nuvens brancas acinzentadas vestem o céu. Ainda na varandinha este foi o primeiro registro visual da rua. O velho e o novo descem a escada e pisam na rua onde iniciam o dialogo a vir:

- Filho, você me deixa dizer verdades incômodas? Sabe que te quero bem.
- Sim, eu sei. Diga. Truth is truth. La verdad es la verdad.
- Você diz saber cuidar-se, mas isso não se está mostrando realidade.
- Cuidarei de não levar facada nem porrada na rua.
- Isso é bom. Mas porque ir a um lugar onde essas possibilidades são probabilidades? – Responde como se não percebesse na fala do rapaz uma vontade de feri-lo através do susto. – Mas no momento quero falar sobre outra coisa. Sua saúde.
- Fala.
- Rapaz, não deveria ter parado de tomar seu remédio.
- Não confio em remédios.
- Doeu meu coração quando soube disso. Não sei se sua mãe sabe. Mas por mim não saberá porque* ela ficará mais triste que eu.
- Sou muito jovem.
- Uai! – Diz rindo: Remédio é coisa de velho?
- Cada um sabe o que faz. Prefiro morrer sem tomar remédio.
- Acho que o certo é escolha de cada um. Mas quem sabe não opta pelo descuido. Ou seja, você não sabe. Apenas escolhe sem conhecimento.
- Prefiro não confiar. Tenho que segurar a onda.
- Menino, não seja melodramático. – Dá uma leve e rápida rizada. – Con la mano en la frente “me muero”.
- I did not say that.  E ri. – No digo eso.
- Mas confiar não é questão de preferência. É questão de fatos. Você confia em mim porque já viu que não te faço mal nem te desejo mal.
- Eu sei.
- Pois é. Remédio é um pouco assim. Imagino que você não pensa “prefiro confiar em fulano que no velho”. Ou confia em mim ou não confia. E se confia é porque te mostrei meu sentimento por você.
- Confio que vou superar sadiamente o que me acontecia. Por mim mesmo, sem remédios nem médicos.
- Mojarrito, o psiquiatra disse que o remédio demora em surtir efeito. Filho, você está bebendo demasiado e isso mostra que não está em um caminho sano. Confio plenamente que seu futuro é grandioso; vai fazer a diferença no mundo. Mas não é indo pelo caminho de ‘cada vez ferir-se mais’.
- Pior é beber e tomar remédio junto.
- Pior, Mojarrito, é beber, e beber e beber. O Dr. Moreno falou que não há mal em beber ocasionalmente, mesmo com o remédio. O que não se deve é “afogar-se na bebida”. – Muda de assunto ao chegarem à Praça Primeiro de Maio: “Vamos sentar naquele banco?” e retorna. – Você pode ficar sem, se escolher adequadamente qual caminho seguirá; com quais pessoas caminhar.
- Verei.
- Veja mesmo, filho. Eu e Margarida te amamos demais. Ela é sua mãe, sua segunda mãe. Eu estou buscando ser seu segundo pai. Já me sinto assim.
- Não se preocupem.
Sorrindo: É mais fácil você se tornar River ou pior, cruzeirense, que um pai deixar de preocupar-se.
- Não se preocupem por um cara como eu.
- Como assim “por um cara como eu”? Você é excelente pessoa. Não pensar em você é... Nem sei qual palavra usar.
- Mas já tenho meus pais, Beniiiiito...
- Sei que os tem e não penso em substituí-los. O que quero é acompanhar o trabalho deles.
- Mas já acabou faz tempo.
- Mesmo sendo um marmanjo continua sendo filho. Seu Júpiter, como todo ser humano, erra. Mas penso que ele é um bom pai. Assim, não pretendo tomar o lugar dele. Isso seria impensável. – Para um momento de andar e segura o braço do garoto; como a enfatizar o que vem a seguir e depois voltam a caminhar. – Se por um lado você já está crescido e não precisar disso, por outro continua sendo querido.
- Vocês são de outra época...
- Exato, somos de outra época. O que significa que estamos vendo esse mundo se transformando, mas não transformado.
- Tá uma merda esse mundo. – Dá uma gargalhada amarga.
- Vemos o que as pessoas fazem e porque fazem.
- Tá uma merda esse mundo. – Repete com raiva nos olhos.
- Sim, é verdade. O mundo está horrível; doente. E estamos tentando mudar nossa forma de ação. Porém, não será bebendo e deixando a depressão juntar-se à ansiedade para te corroer que irá agilizar o processo de cura do mundo.
- Não.
- Não o quê?
- Vou me libertar de tudo, Benito.
- O que quer dizer com “libertar-se de tudo”?
- Não quero nem saber de depressão, e ansiedade e tal.
- Fico contente que esteja buscando livrar-se delas.
- Tô bem.
- Mas como está seu processo? Não creio que esteja vendo avanço no caminho escolhido.
- Sei lá...
- Não sabe? É bom pensar bem para entender. Sentir para fazer.
- Não, pensar já era. Quero sentir.
- Não o quê? Sentir é essencial para as artes. Mas a razão e sentimentos ocupam o mesmo cérebro. Não é uma questão de lobotomia.
- Eu penso demais. Tenho que parar.
- Dizemos no Brasil “Quando a cabeça não pensa o corpo padece”. Não, Mojarrito. Não é parar de pensar, mas de transformar seus pensamentos em frutos. Lembra que venho falando para você escrever? De trabalhar outras artes? Malabares? Estudar?
O rapaz vira o rosto para o outro lado. Mas o velho continua:
- Seus pensamentos embalados pelos sentimentos podem ser excelentes textos. Ou outras artes. Podem ser a melhoria do mundo através do trabalho que escolher. E os estudos, as leituras, os bons amigos, os pais biológicos e os do coração, um ambiente saudável são bons meios de chegar a esse fim.
Olha para o velho e diz para irem a um bar comprar água. Foram e voltaram. O jovem mantendo-se em silêncio.
- Recorda o que o Dr. Moreno te disse no primeiro dia? De não frequentar lugares sujos, de má vibração? E você me apontou um exemplo; um bar na Avenida Macapá, quase encostado na ponte que a liga ao Centro. Parece que você está frequentando lugares imundos. Não me refiro a muitos de seus amigos. Por favor, não me interprete mal. Mas muitos dos lugares que você deve estar indo e algumas das pessoas que você deve estar se encontrando são, no mínimo, tão pesados quanto G.
- Viu fotos dos lugares? A praia não é lugar imundo.
- Não vi. Vou olhá-las hoje. Mas não me refiro a praias etc. Mas a bares, pessoas e coisas assim. Onde você comprava as bebidas? São lugares de boa aparência?
- Vou ao supermercado.
- E além das aparências, como são as vibrações, as energias?
- A energia enche meu saco e quero ficar de boa.
- Há pessoas de bela aparência e alma suja.
Bebe um gole d’água. Olha a garrafa e nada vê; nem a si.
- O que é ficar de boa, Mojarrito?
Não responde.
- Porém me alegro que não esteja indo a lugares imundos. – Continua olhando a garrafa e nada vendo. – Tem procurado drogas? Por favor, não esteja. Não digo para dizer que não, mas sim que não esteja fazendo essas coisas. Se tiver, pare. Se não tiver, obrigado por fazer feliz esse de outra geração.
- Você é santo, por acaso, para me censurar?
- Sinceramente, é isso que acha de minhas palavras? De minha conduta? Sei que irritam ou algo assim, pois digo o que não quer ouvir.
Não responde e bebe um pouco mais da água.
- Mas, o que acha de minhas palavras? Verdadeiras? Falsas? Vazias? Com alguma profundidade? Valem a pena?
Não responde. Será uma lágrima nos olhos dele? Talvez não; talvez só a humidade natural das retinas.
- O que sei, Mojarrito, é que você vale o meu afeto. Não porque fez algo para isso; ou seja, não foi comprado, mas sim conquistado por ser você um bom rapaz.
De um taxi parado na Praça Primeiro de Maio, onde estão sentados e eu observando-os do alto do monumento, vem uma música. Cajuína. E a ouvir Caetano Veloso Benito se cala ao tempo da música.
Existirmos: a que será que se destina? / Pois quando tu me deste a rosa pequenina / vi que és um homem lindo e que se acaso a sina / do menino infeliz não se nos ilumina / tampouco turva-se a lágrima nordestina / apenas a matéria vida era tão fina / e éramos olhar-nos intacta retina / a cajuína cristalina em Teresina”.
- Filho, olha para mim. Quero ver seus olhos para “olharmo-nos em intacta retina”. As sementes de vida que vi em você e que você as reconhece são realidades. Incluso percebo que há mais duas a serem acrescentadas: coragem e força.
- Me faz pensar muito e é uma coisa que não quero fazer. Quero ficar com R e nada mais... ninguém mais! Só eu e ela.
Sorrindo lhe diz entendê-lo. Claro que entende. Só quem nunca nada sentiu por alguém estranharia.
- Mas você acha realmente que está deixando de pensar quando se embriaga? Realmente crê que as coisas estejam melhorando? Não creio.
O velho abre sua garrafa e bebe de sua água. Olham um aos olhos do outro.
- Embriagado, seus pensamentos se tornam mais escuros. Embriagado, seus sentimentos se tornam mais conturbados. Nesse estado, ébrio, nada se torna equilibrado. A energia, querendo ou não pensar nela, fica baixa; sua linda luz perde o brilho; seu rumo perde o foco.
- Você é velho, Benito. Esqueceu como é ser jovem.
- É possível, também por isso conversamos. Para que me relembre. – Sua única resposta está em seus olhos na garrafa. – Deixando de tomar seu remédio houve alguma melhora? Pense bem. Seja duro consigo mesmo e olha para dentro de ti. Não para essa ou outras garrafas. – Ele fecha os olhos. – Embriagado e sem remédios não deixou de pensar, não se tornou mais saudável e seus sentimentos pioraram. Saiba que estou por você. Confie em mim. Lembre-se de Margarida; lembre-se de dona Flora, sua mãe. Sinta nosso amor por você e faça coisas que nos alegrarão, ou seja, faça coisas que te beneficiarão.
- Benito, está quase na hora do ônibus chegar. Vou indo para a rodoviária.
- Vou parar de falar agora. Mas você está em meu coração; sabe disso. Há coisas que valem a pena: escrever, estudar, ensinar. E minhas palavras; atente-se a elas. Sinta as minhas palavras. Sinta-as bem.
- Benito, já estou indo para a rodoviária. Por favor, não me leve a mal, mas quero que fique aqui.
- Hasta pronto, hijo. Piense en nuestras palabras. Truth is truth.

Mojarrito segue seu caminho. Vejo como bom auspício o sol à sua frente. Benito se vai para casa, mas no meio do caminho vê uma árvore tendo no solo pequenas britas. Ele tira uma das sandálias e observa seu pé nas pedras.


Ofereço como presente aos aniversariantes:
Sinésio Bina, Beto de Faria, Filipe Boanerges, Trinity Veguin, Elísio Junior e Varlei Castro.

Recomendo a leitura de:
“Artigo Sobre a Memória em Lygia Fagundes Teles”, de Caio Riter – artigo:
“Myriam Coeli: ‘Elegia da Vida Breve’ ”, de João Antônio Bezerra Neto:
“Especial: Citações de ‘Grande Magia’ por Elizabeth Gilbert”, de Clóvis Marceloem:
“Aziago Impossível Retorno”, de António MR Martins:

Diquinha de português – Porque:
Quando escrito junto e sem acento – porque – é uma conjunção equivalente a: pois, já que, uma vez que.
Explicando com mais detalhes:
Conjunção é ‘junção com’ (juntar com). Portanto uma conjunção liga duas orações. Sendo que a segunda poderá explicar a primeira (pois); ou a segunda poderá indicar a causa da primeira (já que); ou ainda a segunda poderá apresentar a finalidade da primeira.
Nas orações “Mas por mim não saberá porque ela ficará mais triste que eu” a segunda explica o motivo de não contar para a mãe. Não indica nem causa nem finalidade; somente explica.
O que significa que, apesar de ser possível trocar ‘porque’ por ‘já que’ ou ‘para que’, ficará melhor representada se trocar pela explicação do motivo de não dizer à mãe:
 “Mas por mim não saberá porque ela ficará mais triste que eu” poderia ser escrita “Mas por mim não saberá, pois ela ficará mais triste que eu”.

 Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.  É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em “Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
 Imagens:
Vestido do Céu – foto de Rubem Leite.
Pés e Pedras – foto de Rubem Leite.
Rubem dando bandeira – foto de Vinícius Siman.

Escrito entre os dias 04 e 06 de fevereiro; trabalhado entre os dias 14 e 19 de maio; tudo em 2019.

Um comentário:

MM disse...

Adorei Rubem ¡¡❤❤❤Um cronto da vida Real.E que aconteceu,EU sei.Tenho certeza mais EU gostei muito👏👏👏