Dia
15 de outubro foi o Dia do Professor.
Quem
puder, escute a música O Sol, cantada por Jota Quest:
https://www.youtube.com/watch?v=hoNA77ICrr4
Outra vez o dia surge. Levanta-se e
prepara o café.
- Bom dia, senhor Benito! Favor
comparecer a escola amanhã, dia 04 de junho, para uma conversa com o diretor e
a equipe pedagógica no horário de oito ao meio dia. Favor confirmar o horário
da vinda.
Assim estava na mensagem de watzap e o
professor respondeu: “oito horas está bom para mim”.
No dia seguinte, as seis da manhã, sai
para a reunião. Na rua onde mora Benito é conhecido pelos usuários de crack
como Professor.
- Quero falar com o senhor, Professor. –
Diz uma mulher segurando uma garrafinha com cachaça e um “dragão” apagado.
Ai.
Não quero falar com ninguém. – Pensa, mas ouve.
- Aquele ali é meu filho.
Aponta para um rapaz a uns cinquenta
metros atrás de nós.
- Ele é aquilo ali.
Aponta para nossa frente e só vejo
asfalto, calçada, uma árvore, uma casa. Nada fora do normal.
- O senhor tem que salvar ele.
Benito não tem a mínima ideia do que ela
fala nem do que espera dele. Abraça a mulher. Abraça forte, apesar do perigo do
covid. Ela beija sua testa. Professor não pensa mais no risco de infecção e intensifica
o abraço. E se vai.
Às oito horas estavam o professor, o
diretor, mas não a equipe pedagógica da escola. No lugar estavam duas
representantes da SME (Secretaria Municipal de Educação).
- O senhor está sendo acusado de chamar
seus alunos de ignorantes; acusado de dizer que o governo não quer o real
aprendizado dos alunos; acusado de tornar público o que acontece.
Acusado!?!
Benito responde as acusações. O diretor
replica, as representantes da SME se mostram neutras. Benito responde às réplicas.
O diretor insiste. Benito desanimado aponta desmandos da direção. No final tudo
se resolve e saem. O frio dos corações e dos brilhos dos olhos se refletem nos
sorrisos calorosos...
Em casa, ao ler A Poda Necessária,
escrito por Rubem Leite em outubro de 2019, Benito rememora 2018:
Era
uma vez um jardineiro que viu uma figueira inútil e com quase trinta anos sem
nada produzir, apesar de consumir todos os nutrientes do solo.
Esta
figueira, além de inútil e roubalheira, era fofoqueira e encrenqueira.
Frutificava asneiras a torto por ser de direita.
Então
o jardineiro pensou “isso tem que mudar” e cortou a roseira de flores
vermelhas.
Entardeceu, anoiteceu e amanheceu.
No dia seguinte uma estudante do nono
ano, portanto não sua aluna, pergunta:
- Oi! O meu professor de português fala
muito no quanto o senhor lê e por isso pedi a minha prima, que é sua aluna, o
seu número de watzap. É que ganhei um livro chamado Vidas Secas, de um tal de
Graciliano Ramos. O livro é bom? É que não estou acostumada a ler...
- Eu li esse livro pela primeira vez
quando tinha a sua idade, acho; e não gostei. Eu era de direita e não queria
algo que me mostrasse a realidade. Quase trinta anos depois o li pela segunda
vez. Eu já era de esquerda e não mais temia os fatos, a verdade. Vidas Secas se
mostrou um dos melhores livros que já li.
- Então... Será que vou gostar?
- Não! Se tem medo da realidade e
prefere os mitos das igrejas e as regras da direita; apesar de ser pobre.
- Não sou pobre. Sou classe média.
- Filha! Seus pais, se ficarem um ano
sem trabalhar, conseguirão manter uma vida confortável?
Ela se cala mordendo os lábios e de
olhar voltado para dentro de si.
- Então seus pais, assim como eu, só têm
uma coisa para vender: o trabalho. Isso faz com que seja mais fácil diminuir o
que temos do que aumentá-lo. Classe média é pobre com um pouco, bem pouco, mais
de recursos.
Observa os olhos da garota para
continuar:
- Mas, e isso é importante, gostará
muitíssimo de Vida Secas se tiver coragem de abrir os olhos para ver o que
olha. Você é covarde ou corajosa?
- Professor... Não sei o que pensar... O
que sou?
- Converse com o senhor Matheus, seu
professor de Português, e com o senhor Emílio, seu professor de História. Eles
poderão dizer melhor o que falarei agora. Sem me referir a literatura, mas ao
conhecimento científico, digo que a História se modifica de acordo com quem a
conta e de como é contada. Vi um filme chamado “Drácula: a história nunca
contada”, dirigida por Gary Shore. No filme o príncipe da Transilvânia aparece
praticamente como bom; que se sacrificou transformando-se em vampiro para
salvar a família e o povo. Por que digo isso? Para que você se pergunte como
foi o período colonial e imperial? Quem conta essa história? Como eram os povos
nativos? Quem conta essa história? Como era contato, o relacionamento entre
nativos, portugueses e africanos? Como essa história é contada? Como foi a
transposição para República? Como é contada? Como foi a ditadura? Como foi o
período “democrático”? Como é o atual governo? Quem conta? Como são contadas?
Uma pausa e continua:
- Ao ler qualquer livro pergunte quem
está contando; foi quem venceu ou foi o outro lado? É preciso ousadia para
isso. Você é covarde ou é corajosa? Decida!
E encerra a conversa. Agora é com ela.
Sai de casa e...
- Professor! Meu filho é aquilo ali.
Mostra algo invisível.
Benito pensa “O ser humano é autodestrutível.
Não exatamente um suicida, mas come o que não deve, bebe, fuma pedra,
relaciona-se com as piores escolhas.”. Mas o que faz é outra vez abraçar a
mulher. Em silêncio se afasta e entra em casa. Lá escreve: “Ah, se houvesse o
soma /
Não mais sentiria dor / Não seria artista ou professor / Só
uma pedra, um ser em coma”.
Olha pela janela e não tendo nada
relevante para ver pega um livro. Lá vê pela primeira vez o nome Antonieta de
Barros. A ser eleita a um cargo político no Brasil, foi a terceira mulher e a
primeira negra. Entre muitas coisas relevantes, criou o Dia do Professor. O que
lhe faz pensar nas palavras da professora Janete Reis, que lhe indicou essa
leitura: “Ignorarmos o nome dela e todos os seus feitos é uma das muitas
injustiças que precisam de correções”.
Marca a página onde parou e larga o
livro na cama. Olha pela janela pensando nas eleições municipais daqui a três
semanas. O que Ipatinga escolherá? Retroceder conservando o atual prefeito? Ficar
como está ao mudar-se para outro de direita? Tentar avançar um passo escolhendo
o pt? Esforçar-se para dúzias de passos votando no PCB ou PSOL?
O povo vê o problema na figueira, mas
corta a roseira; reconhece os inúteis como patrimônios a serem preservados.
Tão difícil saber o que o povo fará; mas
há muitos empenhando em abrir-lhe os olhos. Por isso há livros como Versos
Ácidos do Vale do Aço.
Ofereço
como presente aos aniversariantes:
Leila
Cunha, Emilio Fleitas, Sarah Silveira, Lucas Portuense e Luiz C. Santana.
Recomendo
a leitura de:
“O
Preço de uma Denúncia” e “Pau-Soja”, ambos de Glaussim:
https://www.youtube.com/watch?v=hoNA77ICrr4
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO.
É professor de Português, Literatura, Espanhol e Artes.
É graduado em Letras-Português. E pós-graduado em “Metodologias do
Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”, “Ensino de Língua
Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”.
Autor dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente
em Suas Obras”, “Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em
Países de Língua Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte
da Inspiração do Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”.
Foi, por duas gestões, Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG
(representando a Literatura).
Imagens:
Versos Ácidos do Vale do Aço: Roberta Rocha.
Pela janela: foto do autor.
Foto do autor pelo autor.
Escrito
entre abril e outubro de 2020.
Nenhum comentário:
Postar um comentário