segunda-feira, 16 de julho de 2012

O QUE ME DÁ MEDO.


“Minha liberdade esta nas asas que construo com os galhos que retiro do caminho, não tenho medo de deixar uma trilha...”.
(Mayron Engel – facebook 06-7-12) 

Obax anafisa.



Os hippies Diêimis Dim e Marcos giram mundo, não vagam mundo. O primeiro é de Governador Valadares e o outro, do Belém. É vagabundo quem vaga? Olho para o livro “Álvares de Azevedo: Poesia”* e minha mente gira e meus sentimentos vagam enquanto leio.
Ó! Eu me surpreendo por não me surpreender com a surpresa dos que se surpreendem que os homens sejam surpreendentes. Então, ora os ignoro, ora os encaro e ora rio deles.
E rio de mim mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
No Centro Cultural Usiminas o suporte da parede de vidro está carcomido pela ferrugem e as plantas do Jardim Japonês, abertas para a noite, esperam o dia. Identifico-me com o poeta Thiago Domingues, de São Bernardo dos Campos, SP: “É preciso reavivar no homem a relação com os mananciais criativos, inerentes à nossa condição e a Arte é a incubadora desta potência”¹. Sensível à sociedade ele se faz verbo e não perde a humildade. É uma alma de cachinhos dourados num corpo de urso panda. Uarrarrá! É gente boa!
Retirando os olhos do jardim às escuras vejo cinco mulheres em dois grupos chilreantes. Elas me miram e se admiram com meu poncho. Não me incomodo com os seus gorjeios sarcásticos e finjo ignorá-las. Olho para as pedras através da parede e devaneio. Amigo é ser o que se é e sobreviver; não por o dedo na ferida e é dizer o que vai ferir; é ouvir a palavra amarga e envolver com atadura as pústulas do outro. É um ir e vir.
E choro de mim mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
Diêimis Dim e Marcos giram mundo, não vagam. Sempre vão, mas voltam. Nem sempre exatamente para os mesmos lugares. Espero a peça “Para Duas”² começar refletindo no que Luzia me disse uma vez “personalidades que se desajustam pela falta de carinho, pela incompreensão das ações praticadas pelo outro”² e sinto o que me falou Helena “Dores são muitas e, mesmo universais, são singulares a cada ser humano”².
- Seu “café totó”. – Como é assim que chamo o “caffè latte”, a garçonete me entrega a xícara de café expresso com leite. Sorrindo para a delícia vou para um ensinamento que li “Uma simples mudança de ambiente ou mentalizar um pouco que ‘hoje é um bom dia’ não é suficiente. Para mudar a direção da mente, é necessário apreender ‘um raio de luz’ que brilha em nosso cotidiano. Pois nossa vida é criada com o que pensamos a cada momento”³.
- Benito!
- Leonardo! Maximiano! Também vão assistir ao espetáculo? Sentem-se, por favor.
- Que livro é esse? – Mostro e Leonardo continua: Gosto de Álvares de Azevedo, é bom. Vez ou outra eu releio seus poemas. Benito, achei interessante seu comentário no “feicebuque”, mas não concordo que arte é o que se faz pra viver. Arte é a concretização de sentimentos, percepções, impressões, do universo humano que o indivíduo dotado de sensibilidade é incapaz de conter. O que ocorre em torno disso – consumo, profissão, valor monetário sob produtos intelectuais – é mera questão social e política. Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável, mas utiliza o produto dela como recurso financeiro. E a isso se infere diversas outras reflexões. Tem gente por ai fazendo “merda” pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender... Não rola.
- É uma discussão profunda, Leonardo! Penso parecido, mas não igual, claro. Se pensássemos iguais seríamos não pensantes... – Sorrio. – Eu entendo arte como trabalho. E acho uma – perdão pela má palavra – sacanagem ter que fazer outra coisa para poder sobreviver. O autor do presente cronto que nos tem como personagens e que o leitor(a) esta usufruindo é artista – pelo menos ele se julga tal... Uarrarrá! – artista cênico e, principalmente, literário e ter que fazer bicos ou dar de graça o fruto de seu suor não lhe alegra. Ele ama, muito mesmo, que o leiam, que assistam as peças que dirige e quer também que lhe paguem como pagam os médicos, cozinheiros, advogados, professores e etc. que também gostam que os outros se agradem com o que fazem... Sobre a questão que você disse maravilhosamente “faz arte porque é inevitável” e “Tem gente por ai fazendo ‘merda’ pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender”, Rubem fala sempre algo mais ou menos assim: todo artista cênico é ator, mas nem todo ator é artista; todo artista musical é cantor, mas nem todo cantor é artista e o mesmo pode ser dito sobre as variações diretor de teatro, músico instrumental e etc. Ou seja, o artista é um criador e não um imbecil que se acha o tal. E por ser criador, nada mais justo que viva de suas criações. Não sendo apenas homenageado, elogiado e faminto. Viu? Pensamos de modo semelhante.
- Então, Leonardo e Benito, posso dizer que a merda se vende mais que a arte. Outra observação é que os artistas de rua que colocam a arte antes da condição financeira – quando damos dinheiro para um malabarista em um sinal, algum artista que fez seu numero e rodou o chapéu, aquilo não é esmola, pois esmolas damos de graça para alguém... E nossos olhos, ouvidos, tatos, qual seja o sentido, consumiu a arte daquele artista. Exemplo de esmola é o IPVA: damos pro governo, mas as ruas continuam cheias de buraco, as BR perigosas. A diferença entre artista de rua e o pseudo artista é que o primeiro não exclui os que não podem contribuir; este é o valor que a arte tem! E o segundo entulha nossa cabeça de porcaria. Ou tenta atentar...
Risos.
- Penso também parecido com você, Maximiano. Em geral os artistas de rua são artistas mesmo (toda regra tem exceção, claro). Agora nem todos que não vão para rua deixaram de ser artistas por isso. Augusto Boal – terei que pesquisar qual livro, se alguém fizer questão em saber – diz e eu concordo com ele que o artista pode por a vida em serviço da arte, mas que prefere – e eu também – aqueles que põem a arte em serviço da vida. Cada um vive como pode. Alguns indo para as ruas e outros não, mas todos vendendo seus serviços – observação: venda de seus trabalhos-produtos e não suas vidas nem suas artes. – Eu vendo meu trabalho, mas escrevo e dirijo teatro por amor e por ser incapaz de não criar.
- Epa! Primeiro sinal. Vamos? – Diz Leonardo. Pago a conta, levantamo-nos e penso “São tantas sombras e tantas luzes. Aonde ir?”.



Ofereço como presente de aniversário à
João F.B. Araújo, Carla A. Weber, Rochelli Anício, Piria Sindipa, Marcos Teixeira, Luiz Poeta.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 07 e 16 de julho de 2012.

* AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: poesia \ Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984.
² Folder do Espetáculo Para Duas (de Ipatinga MG) – ficha técnica:
    Marcos Loureiro (direção); Ed Anderson Mascarenhas (texto); Luzia di Resende e Helena Santos (atrizes); Leandro Calisto (iluminação); Pedro Bastos (trilha original e design gráfico); Jamil Boali (figurino e cenário); Rubens Sarnento e Márcio Martins (confecções de cenário); Perna de Palco (produção).
³ TANIGUCHI, Junko – Revista Pomba Branca, nº 324, julho 2012 – São Paulo: Seicho-No-Ie, páginas 10 e 11.

6 comentários:

Lipe Bruno disse...

"O QUE ME DÁ MEDO", é a própria miscelânia do dia a dia, do ser e do estar, do querer e do poder, do ver e do enxergar, a encarar-se sóbrio, no desatino da loucura, e viajar, a melhor das viagens, aquela na qual nos confundimos com as nossas entranhas, desvendando-nos sem pudor algum, apenas VIVER! Rubem Leite é isso, magia e realidade, numa sinestesia sem limites! Parabéns!

Lipe Bruno disse...

A propósito... Uarrarrá!

luzia di resende disse...

Ei Ruben!
Obrigada pelo carinho e pela presença sempre marcantes nas nossas ações culturais. Adorei o texto fluido como uma conversa, com o ritmo da passagem das horas.
Continue sempre narrando encontros, dando voz poética ao cotidiano da vida.

João Fábio disse...

Olá Rubem,boa tarde meu amigo!
Esta visão do artista de rua e do pseudo artista bem como o preconceito de alguns indivíduos de classe social mais elevado se fartando no direito de julgo a seus próprios critérios e interesses. É mesmo tão triste isso né! Me lembrei de algum papo com determinado conhecido onde chegamos a conclusão que perante os avanços da medicina em reconstituição de tecidos e órgão do corpo humano ainda assim daqui à 50 anos terá gente morrendo de donças em sua forma mais primitiva possível

Flávia Frazão disse...

Muito lindo seu texto Rubem!É tão bom reconhecer-me em suas ideias e nos pequenos detalhes do cotidiano que é comum ao meu tempo e espaço... "Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável" A arte é expulsa do corpo do artista quando não há mais lugar possível para acomodá-la...

Flávia Frazão disse...

Muito lindo seu texto Rubem!É tão bom reconhecer-me em suas ideias e nos pequenos detalhes do cotidiano que é comum ao meu tempo e espaço... "Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável" A arte é expulsa do corpo do artista quando não há mais lugar possível para acomodá-la... Flávia Frazão