“Minha
liberdade esta nas asas que construo com os galhos que retiro do caminho, não
tenho medo de deixar uma trilha...”.
(Mayron
Engel – facebook 06-7-12)
Obax anafisa.
Os hippies Diêimis
Dim e Marcos giram mundo, não vagam mundo. O primeiro é de Governador Valadares
e o outro, do Belém. É vagabundo quem vaga? Olho para o livro “Álvares de
Azevedo: Poesia”* e minha mente gira e meus sentimentos vagam enquanto leio.
Ó! Eu me
surpreendo por não me surpreender com a surpresa dos que se surpreendem que os
homens sejam surpreendentes. Então, ora os ignoro, ora os encaro e ora rio
deles.
E rio de mim
mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
No Centro
Cultural Usiminas o suporte da parede de vidro está carcomido pela ferrugem e
as plantas do Jardim Japonês, abertas para a noite, esperam o dia. Identifico-me
com o poeta Thiago Domingues, de São Bernardo dos Campos, SP: “É preciso
reavivar no homem a relação com os mananciais criativos, inerentes à nossa
condição e a Arte é a incubadora desta potência”¹. Sensível à sociedade ele se
faz verbo e não perde a humildade. É uma alma de cachinhos dourados num corpo
de urso panda. Uarrarrá! É gente boa!
Retirando os
olhos do jardim às escuras vejo cinco mulheres em dois grupos chilreantes. Elas
me miram e se admiram com meu poncho. Não me incomodo com os seus gorjeios
sarcásticos e finjo ignorá-las. Olho para as pedras através da parede e
devaneio. Amigo é ser o que se é e sobreviver; não por o dedo na ferida e é dizer
o que vai ferir; é ouvir a palavra amarga e envolver com atadura as pústulas do
outro. É um ir e vir.
E choro de
mim mesmo. Dentro, tudo gira e vaga.
Diêimis Dim e
Marcos giram mundo, não vagam. Sempre vão, mas voltam. Nem sempre exatamente para os mesmos lugares. Espero a peça “Para Duas”² começar refletindo no que Luzia
me disse uma vez “personalidades que se desajustam pela falta de carinho, pela
incompreensão das ações praticadas pelo outro”² e sinto o que me falou Helena “Dores
são muitas e, mesmo universais, são singulares a cada ser humano”².
- Seu “café
totó”. – Como é assim que chamo o “caffè latte”, a garçonete me entrega a
xícara de café expresso com leite. Sorrindo para a delícia vou para um
ensinamento que li “Uma simples mudança de ambiente ou mentalizar um pouco que
‘hoje é um bom dia’ não é suficiente. Para mudar a direção da mente, é
necessário apreender ‘um raio de luz’ que brilha em nosso cotidiano. Pois nossa
vida é criada com o que pensamos a cada momento”³.
- Benito!
- Leonardo!
Maximiano! Também vão assistir ao espetáculo? Sentem-se, por favor.
- Que livro é
esse? – Mostro e Leonardo continua: Gosto de Álvares de Azevedo, é bom. Vez ou
outra eu releio seus poemas. Benito, achei interessante seu comentário no
“feicebuque”, mas não concordo que arte é o que se faz pra viver. Arte é a concretização
de sentimentos, percepções, impressões, do universo humano que o indivíduo
dotado de sensibilidade é incapaz de conter. O que ocorre em torno disso – consumo,
profissão, valor monetário sob produtos intelectuais – é mera questão social e
política. Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte
porque é inevitável, mas utiliza o produto dela como recurso financeiro. E a
isso se infere diversas outras reflexões. Tem gente por ai fazendo “merda”
pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender... Não rola.
- É uma
discussão profunda, Leonardo! Penso parecido, mas não igual, claro. Se
pensássemos iguais seríamos não pensantes... – Sorrio. – Eu entendo arte como
trabalho. E acho uma – perdão pela má palavra – sacanagem ter que fazer outra
coisa para poder sobreviver. O autor do presente cronto que nos tem como
personagens e que o leitor(a) esta usufruindo é artista – pelo menos ele se
julga tal... Uarrarrá! – artista cênico e, principalmente, literário e ter que
fazer bicos ou dar de graça o fruto de seu suor não lhe alegra. Ele ama, muito
mesmo, que o leiam, que assistam as peças que dirige e quer também que lhe paguem
como pagam os médicos, cozinheiros, advogados, professores e etc. que também
gostam que os outros se agradem com o que fazem... Sobre a questão que você
disse maravilhosamente “faz arte porque é inevitável” e “Tem gente por ai
fazendo ‘merda’ pensando que é arte, e ainda por cima querendo vender”, Rubem fala
sempre algo mais ou menos assim: todo artista cênico é ator, mas nem todo ator
é artista; todo artista musical é cantor, mas nem todo cantor é artista e o
mesmo pode ser dito sobre as variações diretor de teatro, músico instrumental e
etc. Ou seja, o artista é um criador e não um imbecil que se acha o tal. E por
ser criador, nada mais justo que viva de suas criações. Não sendo apenas
homenageado, elogiado e faminto. Viu? Pensamos de modo semelhante.
- Então,
Leonardo e Benito, posso dizer que a merda se vende mais que a arte. Outra
observação é que os artistas de rua que colocam a arte antes da condição financeira
– quando damos dinheiro para um malabarista em um sinal, algum artista que fez
seu numero e rodou o chapéu, aquilo não é esmola, pois esmolas damos de graça
para alguém... E nossos olhos, ouvidos, tatos, qual seja o sentido, consumiu a
arte daquele artista. Exemplo de esmola é o IPVA: damos pro governo, mas as
ruas continuam cheias de buraco, as BR perigosas. A diferença entre artista de
rua e o pseudo artista é que o primeiro não exclui os que não podem contribuir;
este é o valor que a arte tem! E o segundo entulha nossa cabeça de porcaria. Ou
tenta atentar...
Risos.
- Penso
também parecido com você, Maximiano. Em geral os artistas de rua são artistas
mesmo (toda regra tem exceção, claro). Agora nem todos que não vão para rua
deixaram de ser artistas por isso. Augusto Boal – terei que pesquisar qual
livro, se alguém fizer questão em saber – diz e eu concordo com ele que o
artista pode por a vida em serviço da arte, mas que prefere – e eu também – aqueles
que põem a arte em serviço da vida. Cada um vive como pode. Alguns indo para as
ruas e outros não, mas todos vendendo seus serviços – observação: venda de seus
trabalhos-produtos e não suas vidas nem suas artes. – Eu vendo meu trabalho,
mas escrevo e dirijo teatro por amor e por ser incapaz de não criar.
- Epa!
Primeiro sinal. Vamos? – Diz Leonardo. Pago a conta, levantamo-nos e penso “São
tantas sombras e tantas luzes. Aonde ir?”.
Ofereço como presente
de aniversário à
João F.B. Araújo, Carla
A. Weber, Rochelli Anício, Piria Sindipa, Marcos Teixeira, Luiz Poeta.
Em banto, obax anafisa
significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço
votos de que encontre nele pedras preciosas.
Escrito entre 07 e 16
de julho de 2012.
* AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: poesia \ Maria José da
Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984.
¹ Thiago Domingues: http://www.notaindependente.com.br/2012/07/sao-bernardo-do-campo-12-de-julho-de-2012/
² Folder do Espetáculo Para Duas (de Ipatinga MG) – ficha técnica:
Marcos Loureiro (direção);
Ed Anderson Mascarenhas (texto); Luzia di Resende e Helena Santos (atrizes); Leandro
Calisto (iluminação); Pedro Bastos (trilha original e design gráfico); Jamil
Boali (figurino e cenário); Rubens Sarnento e Márcio Martins (confecções de
cenário); Perna de Palco (produção).
³ TANIGUCHI, Junko – Revista Pomba Branca, nº 324, julho 2012 – São Paulo:
Seicho-No-Ie, páginas 10 e 11.
6 comentários:
"O QUE ME DÁ MEDO", é a própria miscelânia do dia a dia, do ser e do estar, do querer e do poder, do ver e do enxergar, a encarar-se sóbrio, no desatino da loucura, e viajar, a melhor das viagens, aquela na qual nos confundimos com as nossas entranhas, desvendando-nos sem pudor algum, apenas VIVER! Rubem Leite é isso, magia e realidade, numa sinestesia sem limites! Parabéns!
A propósito... Uarrarrá!
Ei Ruben!
Obrigada pelo carinho e pela presença sempre marcantes nas nossas ações culturais. Adorei o texto fluido como uma conversa, com o ritmo da passagem das horas.
Continue sempre narrando encontros, dando voz poética ao cotidiano da vida.
Olá Rubem,boa tarde meu amigo!
Esta visão do artista de rua e do pseudo artista bem como o preconceito de alguns indivíduos de classe social mais elevado se fartando no direito de julgo a seus próprios critérios e interesses. É mesmo tão triste isso né! Me lembrei de algum papo com determinado conhecido onde chegamos a conclusão que perante os avanços da medicina em reconstituição de tecidos e órgão do corpo humano ainda assim daqui à 50 anos terá gente morrendo de donças em sua forma mais primitiva possível
Muito lindo seu texto Rubem!É tão bom reconhecer-me em suas ideias e nos pequenos detalhes do cotidiano que é comum ao meu tempo e espaço... "Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável" A arte é expulsa do corpo do artista quando não há mais lugar possível para acomodá-la...
Muito lindo seu texto Rubem!É tão bom reconhecer-me em suas ideias e nos pequenos detalhes do cotidiano que é comum ao meu tempo e espaço... "Quero dizer que o artista não faz arte para viver, ele faz arte porque é inevitável" A arte é expulsa do corpo do artista quando não há mais lugar possível para acomodá-la... Flávia Frazão
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