Defendo as Ciências Humanas.
Pensar é um direito de todos.
, tocando-nos voávamos em beijos quentes no céu frio.
Mergulhamos um no outro em um lago. Pousamos num ipê florido amarelo, rosa,
branco, roxo; trocando de cor a cad...
Os cachorros, todos, latem tão alto que não deu para
continuar o sonho. Acordei para ver quem era. Gustavo; reconheci a voz a
chamar-me. Por dois segundos penso em fingir que não o escutara enquanto
mandava os cachorrinhos ficarem quietos. Mas o silêncio dos cães denunciaria.
Tonto de sono abro a porta, desço a escada e abro o
portão. Tonto de bêbado sobe a escada e:
- BENIT...
- Fala baixo.
Os filhotinhos continuam a latir. Estresso-me.
Continuam a latir. Meu irmão acorda. Irrito-me. O dia será difícil.
Quero dormir. Mas Gustavo abre a geladeira pega
pedaços de frango cru e linguiça; pica-os.
Irritado, mas para não piorar ainda mais o dia que
virá, ponho no fogo uma panela com óleo. Balançando de bêbado põe as carnes na
panela.
Ainda não me vou deitar. Não enquanto o fogo estiver
aceso...
O rapaz põe feijão na panela enquanto penso: Um pouco de feijão no lago de gordura? Vai
ter diarreia amanhã... Apaga o fogo. Agora posso dormir.
Passado poucos minutos ouço o barulho de vômito no
banheiro. Álcool e óleo, parece, também não se misturam... Rerrê. E o sono
tarda a vir. Mas vem. E, seguindo, vem também a vontade de mijar. Acordo sem
ânimo, levanto-me, mas todas as luzes estão acesas. O cara caído no chão, não
no sofá. Apago as luzes, vou ao banheiro, urino e deito. Demoro longo tempo
para dormir. Porém, as seis horas acordo com os cachorros querendo ir à rua.
Reunindo-me forças sento na cama e olho pela janela. É
uma imensa sala negativa este ano e os próximos três.
Reunindo-me forças levanto para enfrentar o imenso
dia. Um de cada vez.
Após preparar o café, comprar pão e alimentar-me pego
um livro e, assim, “conheci novas
palavras e tornei outras mais belas”. Pondo o livro de lado acesso o
Caralivro e veja postagens do militante pelos mochileiros e artistas de rua,
Skarabajo Ronal Faría. Entre elas observo a foto de um grafite em um muro com
os dizeres:
Inseguridad es que la propiedad privada valga más que la vida.
Ni olvido ni perdón para los asesinos de Pelf.¹
Ao perguntar o que é Pelf, dona Cecilia Marchesi, mãe
de Emilio Bigote (também artista de rua e mochileiro), me explica que é um pseudônimo;
como verá no parágrafo a seguir.
Ronal denuncia a morte d Santiago Maldonado¹, morto
pelo Governo argentino: Não só o Estado é responsável pela morte e
desaparecimento de Santiago, como também lançou uma série de mecanismos de
justificativa e encobrimento das forças de segurança responsáveis por este
crime. Igualmente não se cala sobre o assassinato do artista grafiteiro e
rapper Felipe (Pelf) Cabral¹: Vizinhos de extrema direita uruguaia assassinaram
Pelf com um tiro por motivos políticos no dia dezenove de fevereiro de 2019. O
crime aconteceu enquanto fotografava um muro por ele grafitado.
Quase nove da manhã saio com meu irmão a oferecer
poemas à cidade. Prego cartaz na rua com o texto:
COMIDAS E ARMAS
Sonhei que um professor era
uma vela.
Calçava sandálias de couro e
vestia calça branca e camisa de barra branca, vermelha no centro e amarela em
cima. Verde era a luz da cabeça.
Queriam apagar o professor,
mas a vela canta:
Se me apagam
Ouvirão dos índios e dos
mulatos
Os seus cantos.
E se for pouco
– porque para vocês isso
nada basta –
Eles e os outros perseguidos
Me reacenderão.
Voltamos para casa, preparo o nosso almoço, comemos e
limpo as vasilhas. Saio para ir ao advogado. Na metade do caminho sento numa
praça para observar as flores e pensar:
Filosoficamente falando,
amor é o supremo sentimento humano; o mais aprimorado. Portanto cães, gatos
etc. não podem amar. Amor é o ápice dos sentimentos humanos.
Jovens passam de mãos dadas ou trocando beijos.
E mesmo o ser humano só
consegue amar após uma série de experiências de vida e experimentado outros
sentimentos preparatórios para o amor. Assim, adolescente raramente – para não
dizer impossível – conhece o amor. Desenvolve paixão, desejo, gostar, querer
bem, apego; mas não o amor. Amor só quando maduro.
Ao livro que levo abro para ler “Amor é privilégio de maduros / Estendidos
na mais estreita cama, / Que se
torna a mais larga e mais relvosa, / Roçando,
em cada poro, o céu do corpo. / [...] / Amor é o que se aprende no limite, / Depois de se arquivar toda a ciência, / Depois de se arquivar toda a ciência / Herdada, ouvida. Amor começa tarde.”.
Fecho o livro a pensar um pouco mais antes de
levantar-me para sair.
Dentre os sentimentos
“prerrequisitos” para o amor dois se destacam: O respeito e a admiração. Por
isso um adulto consegue amar os pais, mesmo que tenham sido severos, demasiados
severos. Pois primeiro desenvolvem o respeito e logo mais, ao ter que viver a
própria vida sem a ajuda dos pais, desenvolver a admiração pela dedicação dos
mesmos. Mas o amor, filosoficamente dizendo, pode ser também para outras
pessoas. Pelo marido ou pela esposa, por exemplo. Mas sempre e somente depois
que conheceu o respeito e a admiração. O que sinto por meu irmão? O que sinto
pelo amigo que me chama de madrugada? O que sinto pelo povo que diz “sim”
quando deveria gritar “não”?
Dentro do
escritório do advogado, após a obtenção das respostas que buscava:
- O que tá achando dos vinte e um dias de Governo?
- Está mais adiantando do que imaginei.
- É? O que você esperava?
- Esperava o que está acontecendo.
- Diz o que está acontecendo.
Sem ânimo nem energia prefiro calar a falar o que ele
deveria saber até mais do que eu. Como nada falo, continua:
- Tô gostando.
- Não duvido.
- Se eu tiver errado me arrependerei e pedirei
desculpas.
- Para nada servirá. – Abro a porta para sair e ouço a
risada do estagiário. Vou-me embora com o riso ecoando em minha cabeça. Ao
mesmo tempo penso: O arrependimento, para
ocorrer, necessita de força moral. O pedido de desculpa, por sua vez, é só para
sentir-se bem consigo mesmo.
E repito o pensar até os cento e onzes dias que levamos
para chegar ao Dia das Mães. Neste tempo penso nas ações do Governo Federal:
redução aos investimentos na educação básica e superior; no armamento infantil;
no fim dos direitos trabalhistas; no fim da aposentadoria; no direito de matar
os índios e os MST’s; na prostituição feminina brasileira; na perseguição aos
LGBTQI+; na idolatria aos “americanos” e tantas outras loucuras.
Penso e me mexo; nesta sala negativa é o meu sim.
Ofereço como presente aos
aniversariantes:
Pablo Cardoso e Robinson Ayres.
Ofereço também aos recentes amigos de
fb:
Martha Gonzales, João P. Juggle e Nádia
HK.
Recomendo a leitura de:
“Estrelas Podem Ser Interpretadas Como
Um Corpo Negro”, deste macróbio que vos fala:
“Quando a Poesia Vira Música”, de Caio
Riter:
“El Paso de los Libres”, de Javier
Villanueva:
“Um Choro Conveniente”, de Sued Carvalho:
¹ Mais
informações sobre os artistas de rua:
ANDRADE,
Carlos Drummond de. Amor e Seu Tempo.
Disponível https://www.letras.mus.br/carlos-drummond-de-andrade/807505/
. Acesso 08 Mai 2019.
________
Canção Amiga. Disponível https://www.letras.mus.br/carlos-drummond-de-andrade/1221849/
. Acesso 10 Mai 2019.
KLINJEY,
Rossandro. O Amor e o Respeito.
Disponível https://www.youtube.com/watch?v=mmFxgxRVqtM . Acesso 08 Mai 2019.
MELO
NETO, João Cabral de. Morte e Vida Severina. Poesia Completa e Prosa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,
2007. P. 176 (daqui veio o título do cronto).
Rubem Leite é escritor, poeta e crontista. Escreve todo
domingo neste seu blog literário: aRTISTA aRTEIRO. É professor de Português, Literatura,
Espanhol e Artes. É graduado em Letras-Português. É pós-graduado em
“Metodologias do Ensino da Língua Portuguesa e Literatura na Educação Básica”,
“Ensino de Língua Espanhola”, “Ensino de Artes” e “Cultura e Literatura”; autor
dos artigos científicos “Machado de Assis e o Discurso Presente em Suas Obras”,
“Brasil e Sua Literatura no Mundo – Literatura Brasileira em Países de Língua
Espanhola, Como é Vista?”, “Amadurecimento da Criação – A Arte da Inspiração do
Artista” e “Leitura de Cultura da Cultura de Leitura”. Foi, por duas gestões,
Conselheiro Municipal de Cultura em Ipatinga MG (representando a Literatura).
Imagens:
Rubem – foto de Vinícius Siman.
Texto
escrito e trabalhado entre os dias 21 de janeiro e 12 de maio de 2019.
Sobre
o cartaz: Realmente, mais de duas e meia da madrugada do dia 16 de janeiro de
2019 acordei com esse sonho que me fora contado por Machado de Assis. / No
dia 15 de janeiro de 2019 o Governo Federal assinou seu primeiro decreto. Este
facilita o porte de armas por praticamente qualquer um. / Já
um ex-presidente, hoje preso político, teve como primeiro decreto o combate à
fome.
Um comentário:
MUITO BOM COMO SEMPRE!
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