sábado, 10 de outubro de 2009

A CRIANÇA FEIA


Rubem Leite

Escrita entre 04:05 e 04:40 horas da manhã

de 19 de setembro de 2009

segundo um sonho com o qual acordei.

Os três amigos de ternos brancos, chapéus elegantes de palha, camisas claras, gravatas listradas em vermelho e azul conversam sentados ao redor de uma mesa debaixo de uma rara árvore sob a tarde quente como sempre. O mais amarrotado pela noite anterior – nenhum se deitara ainda – levanta e corre. Os dois que ficam riem e continuam a conversa. Passando o mais rápido possível que pode pelas espaçadas árvores tenta chegar a tempo.

Duas mulheres de longas saias pretas, uma com camisa vermelha e outra com camisa azul conversam alegremente com outra de calça preta e camisa azul e vermelha. Caminhando as três com imensos e elegantes chapéus de palha riem: “Parece que o ‘Lima’ está indo para a obra”. “Torcendo as pernas daquele jeito”. E continuam levando abano carregado de frutas.

Finalmente, tentando limpar o suor com o lenço já molhado chega à aldeia. Bela, pequena, tentando ser fresca. Entra tirando as calças e a cueca numa das baias, fecha a porta e se acocora. Ao vê-lo entrar os homens e mulheres que preparam a refeição da noite riem: “O ‘Lima Duarte’ não cria modos”. “É! Não toma jeito”. “Aposto que vai sujar o terno”. “Parece menino”. “Com mais de sessenta anos e ainda chupa bico”. Rindo o ‘Lima’ nada escuta além dos barulhos que lhe escapam. Com o paletó sujo se limpa, com o terno nas mãos vai para a baia de banho e depois para a casa pensando nos doentes que vai visitar, no jantar que não sai e finalmente na cama que o espera como a melhor amante.

Passa pela criança feia. Pele encardida, imensos olhos amendoados e pretos sem a parte branca, cabeça com cabelos da cor dos olhos, imensa para seu corpo normal. Para. Olha para o menino deitado que fixa o vazio com o cabeção tombado. Admira a imensa árvore que o sombreia. Reflete. Decide. Tira o bico do bolso, põe na boca da criança feia. Nada. E... Uma sugada. Outra, outra, outra e sai deixando a criança feia com o bico quase caindo falando como se chorasse, berrasse “Quero comida”.

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