segunda-feira, 30 de agosto de 2010

PESSOAS ou COISAS podem MUDAR o mundo... mas HOJE nada ACONTECEU

Rubem Leite.

21 a 30 de agosto de 2010.

Ofereço a Cia. Dos Aflitos e a Bruta Cia. Teatro. Querendo saber mais sobre eles vejam os email’s ciadosaflitos@gmail.com e ciabruta@hotmail.com

E ofereço como presente de aniversário a

Luan P. Pereira, Matisael Lima, Cleverton Nunes, Adriano Brittes, Didi Peres, DJ Gabriel 22.


É o Centro de Ipatinga, cidade do interior de Minas. Por quase vinte anos recebeu reconhecimento nacional como município mais arborizado do Brasil. Quatro anos atrás teve quase metade de suas árvores cortadas e as pontes, viadutos, faixas de pedestres e outros pintados de verde. De dois anos para cá a cidade está sempre empoeirada, suja, feia. De um ano para cá, quando o dia está calmo, na João Valentim Pascoal, da Prefeitura ao Banco do Brasil, somos abordados por um pedinte. Nos outros dias até por cinco já me pediram dinheiro numa tarde. Na falta me pediram pão. Na falta me pediram cerveja. Na falta me pediram cochinha. Na falta me pediram dinheiro outra vez. Mas não é sobre isso que vamos conversar.

- Acorda Ismael!

Ismael surge na porta, já acordado e arrumado às cinco da manhã.

- Bom dia, Manuel!

- Bom dia! Taqui o dinheiro.

- A mesma quantidade de pãos?

- A mesma!

Ismael de dentro do barraco monocômodo tira a bicicleta. Pega aqui, pega ali, empurra, volta, encosta na parede, muda de lugar, pega aqui, pega ali, muda de posição, empurra, encosta, volta, empurra, tira do barraco, segura a bicicleta, sai do barraco, monta e se vai. Domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo, segunda, terça, quarta, quinta, sexta, sábado, domingo. Dia V 2010 vou ao Parque Ipanema trabalhar na barraca do GASP – Grupo de Apoio aos SoroPositivos –. Pouco fiz, é verdade. Muita gente no estande. E também um pouco de vontade de ficar a toa. Sai para admirar a paisagem. Um garoto me chama a atenção. Por quê? Nada especial nele. Nada fez além de estar sentado. Deu-me vontade de fazer amizade. Mas acho que não vale a pena (O cara é cruzeirense. Uarrarrá!). Brincadeira. O que carinha parece legal. Aproximo e começo a conversar. O garoto se espanta e pergunta “É comigo que você está falando”? Entenda! Não foi rude. Apenas não me viu e está desacostumado com estranhos o procurarem. Tiago é arredio, desconfiado. Acho que o que me atraiu nele foi a vontade de se aventurar. Aprender a se virar. Pense. Ele tem dezesseis anos e, acho, sempre foi dependente da família. Agora, talvez pela idade está querendo se lançar em seus primeiros vôos. E vôos cegos assustam até a mim que não sou enxergo. Pensei que ele era mais velho. Uns vinte e poucos. E como todo adolescente crê que sabe tudo. Os adultos é que estão congelados. Mas adolescente não sabe o que é ser adulto. Não tem como saber. Pior é o adulto que esquece o que é ser adolescente. Mas eu tenho uma vaga suspeita que já tive essa idade. Não tenho certeza. Uarrarrá! Portanto consigo ter um vislumbre do que é ter certezas sem base nem experiências. E tolerar. Penso que sei o que me atraiu no garoto. Ele escreve. E bem, parece. Recitou-me alguns de seus poemas. Um achei banal. Outro foi bom ouvir e o do meio foi o melhor. Minha alma sensível deve ter sentido a alma artística do Tiago. Mas também não é sobre isso que quero lhe falar.

À tarde fui ao FeirArte me encontrar com meu amigo Eddy, mais conhecido por Didi Peres. Mas isso não é correto. Ele é Eddy e pronto. Quem eu encontrei foi Luís Yuner. Um grande palhaço. Hum! Não! Ele é baixinho. E muito bom palhaço. Geralmente não gosto de palhaços, mas ele tem uma apresentação que me dá vontade de ser um só para fazer aquela, como eles dizem mesmo? Reprise! É assim que no circo é chamado uma apresentação, sua ou de outro, já pronta. Ficamos conversando por horas até Eddy chegar. Um momento Luís vai ao banheiro e surge uma mendiga dizendo “Vou tomar essa cerveja”. Não permito. A cerveja nem é minha. Ela larga a lata e pega o copo plástico com vinho e já vai levando a boca. Diante de meu olhar surpreso o dono da barraca manda a mulher sair. Luís volta. Eddy chega. Outro mendigo aparece querendo que a gente compre espetinho de camarão para ele. Eddy comenta que eles mudaram os modos. Quase impõe. Um momento a sós escrevo “Os olhos sobem para dentro das pálpebras \ E sua desconfiança não se esconde \ Mas muda de feição \ Não sorri”. Não concluo a estrofe deixando-a sem nenhuma rima. E ainda não é sobre isso que quero falar.

Perguntaram num espetáculo, o que deu nome à nossa conversa, o que é o tempo? Das possibilidades que me apresentaram a mais eloqüente, acho, é “Tique, taque, tique, taque” dito pelo relógio. Mas minha grande pergunta sobre a pergunta deles é “E se o passado voltar?” que ouvi no espetáculo. A cia. dos Aflitos fala para nós no espetáculo e durante um bate-papo após o referido que às vezes as coisas mudam, as não deveriam. Eles falam quem são eles. Fiquei contente deles saberem e quis perguntar se podem me dizer quem sou. Mas achei que seria abusar. Até porque o pessoal deixou umas entrelinhas quando se descreveu subjetivamente. Mas eles sabem que querem o que não sabem o que é. Eu fiz um haicai para eles. E só sei que comecei com. Ah! Esqueci também.

Na verdade o que quero dizer é nada disso. Apenas estou com vontade de falar. Ouvir também. Quem quiser deixe um comentário que vou gostar. Ou então mande uma email.

Ah, Sammer! Segundo você me disse, acho que vai te ajudar em seus exercícios os seguintes textos meus aqui no aRTISTA e aRTEIRO:

  • A Criança Feia;
  • Cobra rainha;
  • Dentes;
  • O Grande Dia;
  • Onipotência;
  • Pensem onomatopéia;
  • Meu pai, o gato e as vespas.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

haicai eu

FOLHAS MUITO GROSSAS
UM TRONCO REAPROVEITADO
PEITO BROTA PÁSSARO

sábado, 21 de agosto de 2010

MEU PAI, O GATO E AS VESPAS

Escrita às sete horas da manhã e mexida às 15 horas

do dia 21 de agosto de 2010.

Ofereço como presente de aniversário a

Graciele Morgan, Luana Rodrigues, Michel Ferrabbiamo.


Meu pai morreu. Todos sabem disso. Fomos ao velório e o enterramos a quase 19 anos atrás. Então como minha mãe, meus irmãos e nossos conhecidos não estranham ele está conosco? Como as pessoas agem como se ele estivesse com a gente esse tempo todo? Dizem que um louco não admite a hipótese de estar louco. Será que estou? Um louco manso... Que aceita tal idéia? E as outras coisas? O gato que me odeia. Me ataca quando passo por ele. Procura-me e me persegue. Numa inteligência humana. Uns olhos vermelhos. Uns miados roucos, de garganta não usada e dentro de uma caixa... São assim os miados. São assim. E as vespas? Colméia... Vespa faz colméia ou é outro nome? Bem! Os ninhos marrons avermelhados, disformes como se fosse obra cubista, fora de casa logo acima da janela da sala e quase do meu tamanho. Ferrão duas vezes maior que elas. Por que ninguém estranha?

Falei do papai e olharam-me como se eu dissesse bobagem. Quando falo, eles nem me ouvem. Viram a cara para o outro lado e continuam o que faziam. Qualquer outra coisa que não seja papai, o gato e as vespas eles me respondem, conversam comigo.

Será que estou louco? Mas então porque eles agem como se eu fosse normal quando falo de outros assuntos? Será assim que agimos com os doidos quando falam o que consideramos certos?

Estou no quarto. Porta trancada, janela fechada e o sol entrando por ela enquanto escrevo “a quem possa interessar”. Uma vespa, duas, na janela. O gato na gameleira. Cinco, sete, dez vespas na janela. O gato mia no galho da gameleira. Quase metade da janela com vespas. Seus ferrões no vidro. Quíqui. Quíqui. Quíqui. O quarto escurecendo. O gato mia no galho quase encostado à minha janela com mais da metade coberta de vespas. Quíqui. Quíqui. Quíqui. Acendo a lâmpada. O gato olha para mim nos poucos centímetros ainda não cobertos do vidro. Quíqui. Quíqui. Miado. Quíqui. Tásqui. A luz se apaga. Paro de escrever. Não agüento. Não tenho como. Miado. Quíqui. Tásqui. Outro rachado no vidro. Batida na porta. “Filho”! Miado. O vidro se quebra. Papai arromba a porta.

Agora são só meus pensamentos gravados na parede do quarto. Só meu pavor no ar da casa. Ninguém se lembra de mim.

Foi loucura ou aconteceu?

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

NO ÔNIBUS

Madrugada de 09 de agosto, mês do bom gosto.

Ofereço como presente de aniversário à minha querida sobrinha

Priscila Pacheco Leite.


Fui a pé para Coronel Fabriciano, a cidade vizinha. É longe, muito longe para ir sem transporte. Quando eu era mais novo dava conta numa boa, mas, agora, aos quarenta e dois é um pouco mais difícil, mas conseguirei. O que fui fazer lá? Ah! Isso é da minha conta. Não se chateie, por favor, mas é questão pessoal que não entra nessa estória. Noventa minutos andando e cheguei ao Horto, mais meia hora e estou quase na divisa, só mais umas meia hora, e depois mais umas duas ou três horas, talvez quatro, e chegaria na parte urbana que me interessa. Estava cansado. E como dizia, estava no bairro Horto quando vi minha mãe dirigindo um fusquinha. Com tanta coisa para dirigir ela foi pegar logo um fusquinha? E ela nem sabe dirigir. Mas ela apareceu e me levou para Fabriciano. Deixa-me na Praça da Estação. Lá tem uma estátua, parece-me, imitação melhorada da Estátua da Liberdade. Não sei, é o que me parece. Só que diferente e mais bonita. Ou será Themis? Não, Themis fica na entrada do Fórum, em Ipatinga. Não importa. Mamãe desapareceu e fiz o que tinha que fazer e voltei de ônibus.

No ônibus sento-me atrás do motorista e conversamos. Ele deve ter mais de cinqüenta anos, é levemente gordo, bigodudo e é meia careca. Enquanto conversamos deu-me má resposta quando perguntei algo que nem me lembro mais. Ele está estressado. Relevei. Continuamos a conversar. Os passageiros, mais de dez, menos de vinte. Falam sobre futebol. Falam mentiras do Atlético e verdades do Cruzeiro. Gaaaaalooo. Tem até um coelho e dois tigrenses. Mas o Atlético leva a melhor, claro, pelo menos no falatório. Uarrarrá. Continuo a conversar com o motorista. Tiro uma folha de couve da sacola que levo e como. Folha estranha, mastigo e mastigo e não consigo engolir. Incomodado, cuspo-a pela janela. O vento esquisito faz com que um pouco dos pedaços voe até ao motorista. Irritado pega um punhadinho e me joga na cara e ri debochado. É! O cara não está errado, mas não sei se ele está certo. Olho espantado para o sujeito por um segundo e por cinco segundos. Dez segundos, levanto-me e vou para trás em silêncio. Não sei se ele está certo, mas não dá para dizer se está errado. Agora! O riso de deboche! Esse eu sei que está errado. Penso em discutir com o distinto cavalheiro. Decido ser feliz. Mais do que está certo, ter razão, prefiro ser feliz. E, como diz Nena de Castro, “Nada mais digo”.

sábado, 7 de agosto de 2010

ONIPOTÊNCIA

Estória aparecida na madrugada de 07 de agosto de 2010.

E ofereço como singelo, porém carinhoso, presente de aniversário a

Cristiano Milagres e Thiago Moreira.


Dia e noite era uma barulhada na casa. Sete crianças... “Crianças? Eram uns capetas, isso sim”. Pensava tio Ivo. Entre cinco e dezesseis anos. Só havia silêncio nas madrugadas. Ter de trabalhar duro na fábrica e ainda cuidar daquilo que não era seu o esgotava. Só ficava com as crianças porque o CMDCA o obrigava, pensava.

Mas quem é Ivo? Ele é tio Ivo, para as crianças. Doutor Ivo para os empregados da casa e da fábrica. Ivo para os clientes e amigos, se os tivesse. Amo para Syn.

Uma noite especialmente difícil. Pela manhã, as crianças e depois empregados reclamando do salário. Pela tarde, cliente reclamando. E agora, crianças brigando, o jantar demorando e Maysa não viria. Sua namorada e cantora de voz quase tão boa quanto a original.

- Syn!

Quem é Syn? Como aquilo é? Ele... Não, não é ele, nem ela. É... É Syn.

- Deseje, meu amo. Qual é sua vontade?

- Cuide das crianças. Ensine bons modos.

- Cuidarei, amo. Em um mês o senhor verá os resultados.

Nada mais disseram. Apesar de um mês ser ainda muito para se ter paz, Ivo aceitou. As crianças algazarrearam ainda por umas quase duas horas e foram dormir. A primeira foi Ana, a mais barulhenta. A segunda foi Clara, a mais inconveniente. Depois foi Pedro, o mais levado. Em quarto foi Paulo, o mais brigão. O quinto foi José, o “come quieto”. Logo após foi João, o mais lambão. E por fim, Luzia, a mais antipática. Pelo visto, ter nome de santo nada dizia.

No dia seguinte custaram a acordar. Estavam cansadas pelo dia de ontem e Ivo tomou café sossegado. Na empresa trabalhou sossegado, os empregados reclamaram, mas foi fácil controlar a turba. A tarde recebeu boas notícias no campo empresarial. Voltando para casa, entrando no jardim, reparou que ninguém ligara reclamando das crianças. As crianças. Ana, Clara e Luzia na sala assistindo televisão.

- Boa noite, tio Ivo. – Disseram meio apáticas.

- Boa noite. – Disse sorrindo. – Cadê os garotos?

- Estão nos quartos. – Quem respondeu foi Ana e Clara completou

- Depois do almoço foram dormir e estão lá até agora jogando ou vendo tv.

- Então tá.

Durante o jantar comeram os nove. Ivo, Maysa e as crianças. E Ivo conseguiu conversar. Estavam quietos. Depois assistiram um dvd. Durante o filme, as crianças foram deitar e uma a uma dormiram. Ivo e Maysa foram deitar, não dormir. Pela manhã o café foi agradável. Ivo foi para a fábrica. Maysa foi ensaiar. E as crianças quieta.

Assim aconteceu por mais cinco dias. Depois por mais uma semana cada vez mais sossegada. Aos quinze dias perceberam algo errado. Ou melhor, Dr. Ivo captou a anormalidade da coisa. As crianças não se levantaram. Telefonaram para o patrão.

- É só uma gripinha.

À noite continuavam deitadas. Com febre e pouco falavam. No dia seguinte não teve jeito. Tiveram que chamar um médico. Exames. Exames. Exames. Exames. E nada de descobrirem o que seja. Parecia banzo. Mas banzo? Eles não tinham motivos para tristeza. E os sete, ao mesmo tempo, com depressão profunda? Mas seria mesmo banzo? Depressão! Como chutaram os médicos?

- O quadro nos assusta, Dr. Ivo. Não entendemos o que eles têm. Parece ser depressão associada a outras patologias. – Estão falando em linguagem para leigos devido ao “pedido” irritado do Dr. Ivo –. Mas não conseguimos saber o que realmente está acontecendo.

E os exames continuaram. Depois mais exames. E por fim mais exames. E finalmente após três semanas, quase quatro, descobriram... Nada. Só aí Dr. Ivo pergunta:

- Syn! Você é o responsável por isso?

- Sou!

- O que fez? Por que fez?

- É o seu desejo. – Responde a segunda pergunta e vai para a primeira – Estou fazendo com que morram.

- Não pedi para os matar.

- Pediu sim. Disse para cuidar deles. Estou cuidando.

- Cuidar. Falei para cuidar. Não pedi para matar.

- Seu pedido foi para cuidar. Seu desejo era se livrar deles. Sua vontade é que eles morressem.

- Não pedi...

- Mas desejou. Atendo não seus pedidos, mas sua vontade.

- Não quero que eles morram. Quero que eles sejam comportados.

- Seu desejo é que eles sejam quietos. Sua vontade é não tê-los.

A conversa se arrastou em silêncio por longo tempo e ficou apenas nisso. Huuum! Não, na verdade não. Ela se encerrou com as seguintes palavras de Syn

- Atendo sua vontade, não suas palavras. Quer que mude o que está acontecendo troque o desejo.

Dr. Ivo, na capela do hospital, pensa e pensa. Mas razão não move o mundo, nem muda os sentimentos. Bem! Talvez ajude. Ele acha um livro abandonado. Ou deixado por alguma alma generosa. Abre ao acaso e lê “Todos vivemos procurando a paz. Algumas pessoas buscam paz somente para si, mas devemos buscar a paz de toda a humanidade. Sem paz no mundo, não há paz individual, pois esta desaparece tal como o sereno. Devemos sempre ter amor imutável, pois é dele que advirá a paz verdadeira e imutável pela força da infalível lei da mente. Devemos abandonar o ‘amor interesseiro’ e a ‘oração interesseira’, ter ‘amor universal’, fazer diariamente ‘oração pela humanidade’ e agir conforme essa oração”¹. “Meus meninos! Que fazer? Como?”. Depois da reflexão seus sentimentos começam a mudar. Começam.

Passa o dia. O quadro se estagna.

Passa uma semana. O quadro começa a melhorar.

“Será a melhora que antecede a morte”? – Pensa. – “Torço para que não”.

Eu, pessoalmente, acredito que não.

Completa o mês. O quadro melhora.

Mas, você que me lê, deixo em suas mão o destino das crianças.


¹ Livro Minhas Orações – Professor Masaharu Taniguchi – Pela paz perpétua.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

par

Palmeiras esperam

Contradança com o vento

Eu aqui parado.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

ASAS PÚRPURAS – DE UM BEIJO ALÇANDO VÔO e SUCATA HUMANA: CAMPO DE REFUGIADOS

por Nena de Castro e Marilia Siqueira Lacerda

(Deixai toda esperança, oh vós que entrais!
Canto III - 9 – Inferno - A Divina Comédia, de Dante Alighieri)

Sob o canto do vento
e das folhas caídas
– qual asas púrpuras de
um beijo alçando vôo –
precipito lânguidos desejos
onde as palavras
são pássaros fugazes
que cativam e seduzem.

Faço planos por razões
fragmentadas e inconfessáveis
para o cair das manhãs...

(– nas reticências busco
o ponto inatingível do infinito).

Concedo-me escolhas

despida de ânsias e medos

(– qual céu azul mirando-se

no espelho das águas)

com o entusiasmo de alma
rica de poesia e sentimento.

Naquele terrível lugar, não há brisa que acaricia, só vento quente que traz a peste. Naquele lugar não voam nem cantam pássaros, a não ser os corvos imaginários que, em revoada, fazem sombra para a Morte. Naquele lugar, antessala do inferno, portal do Haden, jazem seres quase espectrais, envoltos em mantos esfarrapados e dor. Ali a luz do sol não é alento, e a noite multiplica os terrores. A sede devora, a pobreza devora, a desesperança mata. Ali não há risos de crianças, nem vozes de mães em canções, só desespero e dor. Amontoados como animais, doentes esquálidos esperam que o mundo “cristão” lhes mitigue a fome, lhes dê liberdade, resgatando-os para a vida! Nada, além de bravatas, nada além de reuniões de poderosos, onde muito se discute sem vontade de agir, nada, além dos versos doridos dos poetas que cantam a dor.