segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

BEIJO NO ASFALTO

Obax anafisa.


É o cimento, é o asfalto. São os transeuntes, os ciclistas, as motos, os carros. São os cachorros abandonados, os drogados, as prostitutas, os prostitutos. É a nuvem no céu, o vento nas árvores, o barulho da Usiminas. São suas fumaças.

Da árvore pelo vento a semente no asfalto. Há semente na calçada. Da fumaça, corrosão concreta as abstrações. Da nuvem, gotas.

Cimento da calçada. Semente. Gente indigente. Gente inteligente, potente.

E o cimento, a semente, gente, gota.

Cimento resistente. Semente persistente. Gente inocente. Gota corrente.

Gente corrompida passa pelo cimento rompido e o grão morrido.

Grão morrido igual germinado.

Passos e o broto no buraco entre cimento e asfalto.

Crescimento do broto bruto entre as drogas, os puros e os putos.

Delicada flor lilás

E eu.


Ofereço como presente de aniversário à

Josiane Hungria, Cidinha Prado e Diego Hemetrio.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O texto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 16 e 27 de fevereiro de 2012.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Rosa - Grupo do Pixinguinha (1917)

Para o casal Frei e todos os meus amigos músicos

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

SEM DIÁLOGO CEM CONVERSA

Obax anafisa.

- Do que podemos conversar?

- Podíamos falar do que lhe aconteceu, Benito!

- O quê?

- Que você é bailarino.

- É... Eu sou um artista da dança e não sabia. Senti a picada de uma abelha sádica e psicopata e fiz uma grande apresentação de balé clássico em plena avenida. E com direito a aplausos e tudo.

- Rarrarrá! Rarrarrá!

Não falo mais nada. E me perco em meus pensamentos.

- Benito!

Olho para frente e depois para onde veio a voz. Lóri! Atravesso a rua, não sei porque, e lhe ofereço do petisco que como. Eu sorri? Acho que não. Senti a cara dura. Nem triste, nem alegre. Não senti nada. O costume de gentileza me moveu.

- Vai para a casa, Benito?

- Vou!

Paramos numa esquina e lhe pergunto se seguirá pela rua que corta onde estamos.

- Sim!

Então me afasto despedindo com a cara firme. Nem triste, nem alegre, nem nada.

- Bê! Você está me escutando?

- Claro! Podíamos falar da minha vontade de dar uma de Greta Garbo e não ver ninguém, Benta.

- Isso é estranho. Você é o único homem que conheço que não gosta de sair. Que prefere ficar em casa.

Apenas lhe olho.

- Isso não é... muito coisa de... homem.

Não é coisa de homem... Devo dizer que isso me irritou? Como assim não sou homem?

- Acho que não estou rico porque se tivesse, penso, não iria ver ninguém nem recebê-los. Assim não aprenderia tanto como acontece ao conviver com outros.

- Benito! – Benta continua a falar sem se aperceber que não mais a ouvia. E por falar em ouvir... perco-me numa discussão que tive sobre educação:

- Não entendi o texto... Os alunos houvem ou ouvem? – Pergunta Gina Cava.

- Com “h” é do verbo haver. – Interfiro. – Então “os alunos houvem”, com h, não tem sentido. Com “o” é do verbo ouvir “os alunos ouvem”, a frase tem sentido.

- A carência de educação se revela até na minha capacidade de “houvir”. – E ri D. Laerte.

- Benito! Eu entendo o sentido da frase. Até porque falo português há, com h, exatamente quarenta e um anos. O suficiente para ter aprendido a diferença entre (h)ouve, com h ou com o.

- O que esperar de um país onde escritores escrevem houvir com h e ninguém iscuta? – D. Laerte continua rindo mordaz.

- Como professor de português, fica difícil para mim não interferir. Sou professor de português, mas enfrento uma barra porque deixo claro para meus alunos que não falamos português. Isso foi uma ideia de pomba descerebrada do Marquês de Pombal... Se o Brasil fala português, Portugal fala latim.

- Benito! Difícil para “mim” não interferir? “Mim” conjuga verbo?

- Viu? O Brasil não fala português. – Respondo bem humorado.

- O Brasil fala brasilês e escreve muito bem do jeito que fala. – Proclama D. Laerte. – A Língua é viva e desconhece normas. Quem gosta destas são os gramáticos, que cumprem sua função cientificista, mas não tem o poder de interferir no atributo humano da “expressão”. Por isso digo, “agente iscreve, iscreve, e cada um ler da meneira que quer...”

- Mas o que importa, gente! É que a situação é caótica, talvez não nas mínimas ações. – Vaticina F. Rei. – Mínimas não no sentido da iniciativa em si, que é grandiosa e nobre, mas no sentido em que as autoridades (in)competentes são inertes. Não preparam adequadamente os professores, não respeitam o cidadão. Até dão comida para o povo, mas não alimentam a alma.

- BENITO!

Benta me traz de volta para suas conversas intermináveis.

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Ofereço como presente de aniversário à

Juan Fiorini, Alessandra Cássia, Renato Fraternidade, Therezinha Armani, Edílson Mendes, Alberto Carvalho, Alex de Sá, Christine Sathler, Helena L. Lopes.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O texto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 13 e 20 de fevereiro de 2012.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

SOMOS FILHOS DA MÃE

Obax anafisa.


- Você é filho de...

Olho curioso para a funcionária do posto de saúde.

- Sua mãe é... Ah! Deixa pra lá.

- De quem?

- De ninguém. Pode deixar.

- Rarrá! Sou filho de alguém. – Rindo digo e rindo ela concorda. – Preciso de um atestado declarando que estou apto a lecionar. – Pequena pausa. – Se bem que acho que o atestado deveria ser de psicólogo... Cuidar de alunos não é fácil.

A jovem sentada vira rápido o tronco e diz olhando para mim

- Podemos marcar consulta para psicólogo.

Eu estranho a expressão dela, mas não captei ou entendi o que quis dizer. Então falei rindo: Não! Foi pedido clínico geral então é o que devo levar.

A funcionária mexe no computador, acha meu nome. Vejo e, junto, o nome de minha progenitora.

- Eis minha mãe.

- Pois é como pensei. Posso marcar a consulta para seu psiquiatra para amanhã.

- Meu psiquiatra?

Confuso por alguns segundos, mas clareando minha consciência penso que ela me confundiu com meu irmão. E penso “Devo ter cara de doido mesmo. Rarrá! Ser artista é padecer no paraíso...”. Talvez esteja chocado por parecer que chamei meu irmão de doido. Ou pode ser que nem tenha se tocado. De qualquer forma, não me expressei pejorativamente. Pois meu irmão precisa de psiquiatra, mas se tem um doido em casa sou eu. Rarrá!

Também me sinto curioso para saber de onde ela me conhece para pensar que eu era meu irmão. Eu e ele pouco nos parecemos. Mas não me empenho em descobrir. Rindo, digo que ela deve estar nos confundindo.

A menina me olha espantada. Pensa alguns segundos e pergunta para confirmar se somos filhos da mesma mulher. Confirmo rindo “Somos mesmo filhos da mãe”.

Marca para o dia seguinte a consulta que pedi e pergunta se pode marcar para meu irmão também, porque, segundo o prontuário, já está na época de nova consulta.

Vou para casa. Volto com minha mãe e irmão no dia seguinte. O médico me atende. Ao saber que queria atestado médico confirmando minha aptidão para lecionar fica uma fera. Se acalma ao me ver tranqüilo. – Estou realmente numa semana boa. – “Não entendo o Governo Estadual. Já faz duas décadas que é proibido esse tipo de atestado. Tem que ser por médico do trabalho. Como posso atestar sua aptidão se não foi feito nenhum exame? O máximo que posso fazer é dizer que você ‘não apresenta sinais evidentes de moléstia infecto-contagiosa, alteração mental ou dos órgãos dos sentidos’. Não faço os exames necessários porque, apesar de eu ser também médico trabalhista, aqui no posto sou pago como clínico geral”.

Não lhe digo o que penso. Que se ele é médico do trabalho por que não poderia fazer os exames? São tantas as burocracias que nem vale a pena. Sinta-se à vontade para entender como puder o meu silêncio. E para comentar comigo também.


Ofereço como presente de aniversário à

Luciano S. Brska, Edson Rossatto, Wellington P. Santos, Janeth Arrebola.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O texto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 07 e 13 de fevereiro de 2012.

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

HISTORIETAS

Obax anafisa.


“Dar a cada banalidade

o destino de cada dor”.

(Domingues)¹


1

Joaquim se aproxima de Antônio que olha para a loja de comida natural. Segundos depois chega Manuel vindo da 28 de Abril e lhes cumprimenta

- Yeshuá la Bâr, meus irmãos.

- Aquele símbolo não representa o espírito devorador que opera através do gato? – Fala Joaquim observando a loja e Antônio continua:

- Goxtei, Manel. Vamu prum buteco Enchêê o copo de cachacha lá no bar até fazer chuá chuáááá. É chuá lá no bar.

- Pois é. O diabo é uma coisa boa. Serve para por a culpa quando se faz algo errado. – Joaquim encerra com tom místico a primeira estorieta.

2

Realmente não corro risco de estar sendo seguindo por espiões.

Meu cachorro não cai de pé quando o jogo na cama. Acho que ele não é mesmo nenhum gato disfarçado, infiltrado.

3

Tem cachimbo?

Olho para o sujeito que grita às cinco da manhã.

Tem cachimbo?

Olho para trás para ver com quem ele fala.

Tem cachimbo?

Olho para o sujeito que me grita.

Tem cachimbo?

Faço que não com a mão.

Não quero craque a essa hora e nem em outra.

Assim, para que isso não aconteça, concluo: “Fugindo dos problemas, nada pode ser resolvido” (Taniguchi)².


Ofereço como presente de aniversário à

Wadson Lourenço, Rodrigo Robleño, Gleison Oliveira, Paulinho Manacá, Wagner Nascimento, Marcus F. Severo.

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Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas.
O texto é minhas flores para você

e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 24 de janeiro e 06 de fevereiro de 2012.

¹ DOMINGUES, Thiago – 1000 Horas – http://www.palavrasegavetas.blogspot.com/

² TANIGUCHI, Masanobu – Por uma vida luminosa: Seicho-No-Ie.