segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

O CANTO DO GALO


Obax anafisa.
Adeus, Ano Velho! Feliz Ano Novo!
¡Adiós, Año Viejo! ¡Feliz Año Nuevo!


Em português:

“Tudo me fala e entendo: escuto as rosas \ e os girassóis destes jardins, que um dia \ foram terras e areias dolorosas, \ por onde o passo da ambição rugia; \ por onde se arrastava, esquartejado, \ o mártir sem direito de agonia” (MEIRELES).


Coocoquêêê! – Com o primeiro canto do galo abro meus olhos. Tudo está embaçado no próximo minuto ou minuto e meio. – Cococoóóó! – Eu me espreguiço longa, lenta e deliciosamente. – Cooococoocó! – Já enxergando melhor eu me levanto. – Cocoricó! – Olho o brilho maravilhoso do sol entre as nuvens. Maravilho-me!
Horas depois.
“Foge comigo, Mulher Maravilha. Foge, foge, larga o Super Homem” coaxa Tchê Garotos¹.
- Benito, ¿que es sino? – Falo comigo mesmo.
- Sina é querer ler a escritora Cecília Meireles ou ouvir os músicos Vivaldi, Bricoleur e o casal Frei, mas escutar aquilo. – Aponto com a cabeça para a caixa de som. – Meu Deus, só não peço a morte porque não me é permitido agonizar. Tenho que ter coragem, enfrentar e vencer.
- Marcelino! Uma caipirinha, fraca, por favor, porque sou forte feito a árvore verde e marrom que suporta as tolices sobre suas raízes.
- ¿Usted es fuerte?
- Tenho cães e livros e toda sua energia me dá conforto. E tenho família. Portanto, sim, sou forte.
- ¡Usted está es borracho!
- Estou bêbado, estou bêbado e o trem de minério passa gritando – assim traduzo seus maquinários ruídos com a mesma sagacidade que traduzo seu espanhol: “RIQUEZA PRA QUÊ?”, diz o comboio.
- Sus versos son si rima. Sin embargo, ¿rima para qué? Usted es desentonado.
- Sai, abelha! – Grito quando pousa em minha mão e meu grito se cala quando a pétala do falso pau-brasil cai em meu braço esquerdo. Não sou da Direita e me aproximo da Esquerda sem ser algo nem nada.
- ¡Usted estás borracho, muy borracho! Griten las piedras: ¡usted estás borracho!
- Mas por que gritarem as pedras? Não me importa, eu não me calo. Eu escrevo!
- ¡Basta ya! No le oiré ni voy hablar más. Mejor leer.
- Melhor sair.
Atravessando o FeirArte penso no primeiro canto do galo e traduzo para mim mesmo suas palavras...
- ¿Usted entiende los gallos?, Benito.
- Você de novo? Sim, compreendo! É porque eu sou um galo! Sou homem forte e valente. Ele disse “Que socorro o quêêê!” e também sua segunda frase foi “Sou lindo!”.
- ¿Qué más dice él?
- “Sou guerreiro!” E por fim: “Sou bravo!”.
- ¡Ji ji ji! ¿Usted es valiente, guerrero y bravo? ¡Ji ji ji!
Em uma loja na avenida olho meu rosto na vitrine e depois repito Cecília Meireles: “recompunha as coisas incompletas: \ figuras inocentes, vis, atrozes, \ vigários, coronéis, ministros, poetas”. Somente assim me calo: Recompondo as coisas incompletas em mim. Ou tentando.


En español:

“Tudo me fala e entendo: escuto as rosas \ e os girassóis destes jardins, que um dia \ foram terras e areias dolorosas, \ por onde o passo da ambição rugia; \ por onde se arrastava, esquartejado, \ o mártir sem direito de agonia” (MEIRELES).


¡Coococááá! – Con el primero canto del gallo abro mis ojos. Todo está empañado en el próximo minuto o minuto e medio. – ¡Cococoóóó! – Yo me desperezo largo, lenta y deliciosamente. – ¡Cooococoocó! – Ya viendo mejor yo me levanto. – ¡Cocoricó! – Miro el brillo maravilloso del sol entre las nubes. ¡Me maravilla!
Horas después.
“Huye conmigo, Mujer Maravilla. Huye, huye, deja el Super Hombre” croa Tchê Garotos¹.
- Benito, o que é sina? – Hablo conmigo mismo.
- Sino es querer leer la escritora brasileña Cecília Meireles u oír los músicos Vivaldi, Bricoleur y la pareja Frei pero escuchar aquello. – Apunto con la cabeza para el altavoz. – Dios mío, sólo no pido la muerte porque no me es permitido agonizar. Tengo que tener coraje, enfrentar y vencer.
- Marcelino! Una caipirinha², flaca, por favor, porque soy fuerte fecho lo árbol verde e marrón que soporta las tonterías sobre sus raíces.
- Você é forte?
- Tengo perros y libros y toda su energía me da consuelo. Y tengo familia. Por lo tanto, si, soy fuerte.
- Você está é bêbado!
- Estoy borracho, estoy borracho y el tren de mineral pasa gritando – así traduzco sus maquinarias ruidos con la misma sagacidad que traduzco su portugués: “¿RIQUEZA PARA QUÉ?”, dice el tren.
- Seus versos são sem rima. No entanto, rima para quê? Você é desentoado.
- ¡Salga, abeja! – Grito cuando posa en mi mano y mi grito se calla cuando la pétalo de lo falso palo-brasil³ cae en mi brazo izquierdo. No soy da Derecha y mi aproximo da Izquierda sen ser algo ni nada.
- Você está bêbado, muito bêbado! Gritem as pedras: Você está bêbado!
- ¿Mas porqué gritaren las piedras? No me importa, yo no me callo. ¡Yo escribo!
- Chega! Não vou lhe ouvir nem vou falar mais nada. É melhor ler.
- Mejor salir.
Atravesando el FeirArte pienso en el primero canto del gallo e traduzco para mi mismo sus palabras...
- Você entende os galos, Benito?
- ¿Usted de nuevo? ¡Si, comprendo! ¡Es porque yo soy un gallo! Soy hombre fuerte y valiente. Él dice “!Que socorro naaada!” y también su segunda frase fue “!Soy lindo!”.
- Que mais ele disse?
- ¡Soy guerrero! E por fin: ¡Soy bravo!
- Ri ri ri! Você é valente, guerreiro e bravo? Ri ri ri!
En una tienda en la avenida miro mi rostro en la vitrina y después repito Cecília Meireles: “recompunha as coisas incompletas: \ figuras inocentes, vis, atrozes, \ vigários, coronéis, ministros, poetas”. Solamente así me callo: Recomponiendo las cosas incompletas en mí. O intentando.


Ofereço aos aniversariantes.
Joaquim Tiago, Gilberto Weber, Nathy Costa, Gustavo A, Spada, Eva García de Otro Mondo, Maximiano Lagares, Renan F, Brasil, Samanta Bela, Sarah Helena,

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.
En banto (una lengua africana), obax anafisa significan flores y piedras preciosas. O texto es mis flores para usted y hago votos de que encuentre en él piedras preciosas.

Escrito entre 09 e 31 de dezembro de 2012.

MEIRELES, Cecília. Romanceiro da Inconfidência. 16ª edição – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1989. Cenário. (Observação: Não traduzi para o espanhol a obra de Cecília Meireles porque não me sinto ainda capacitado para tamanha ousadia).
¹ Para alguém que queira saber mais sobre isso (fazer o quê, né?): http://www.vagalume.com.br/tche-garotos/mulher-maravilha.html
² Caipirinha (lea “caipiriña”) es una bebida brasileña mucho conocida internacionalmente. Sus ingredientes son “cachaça” (bebida alcohólica semejante a tequila, pero hecho con caña), limón, azúcar refinado y helo.
³ Palo-brasil, o como se dice en Brasil, “pau-brasil”, es lo árbol que dio nombre al país.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

TÃO IMPORTANTE COMO OUVIR E CONTAR HISTÓRIAS, É DESCOBRI-LAS¹


Obax anafisa.

Feliz Natal!
¡Feliz Navidad!


Em português:

A escola do morro, por precisar de alguém para dirigir uma peça de teatro, me convidou por indicação de um dos professores. Fui bem recebido pelo diretor, levado à sala que trabalharia sob o aroma da cantina e deixado lá com dez ou dúzia de adolescentes. No terceiro encontro vi pelos corredores um magro chato de caneta, bloquinho e conversando ao celular.
- Sei! Nina de Kastro, com k, foi seqüestrada. Que mais? Ah! Grande poeta... Mas encontrar poeta dá ibope? Ah! Intelectual. Sei! Mas intelectual... Por que vamos procurar sarna para coçar? Tem certeza? Afinal, pensante... quanto menos, melhor.
- Com licença! De que você está falando?
- Estou ocupado agora. Dá licença! – Diz “dá licença” como se dissesse “sai”, dá-me às costas e continua a falar no aparelho.
Entro na sala e dou minha aula até sentir uma vontade desesperada de ir ao banheiro. Faço o que não costumo: Deixo os alunos e vou me aliviar. Banheiro mais próximo... na sala do diretor. Eu em pleno alívio quando entra a vice. Esqueci a porta aberta. Sem graça, fecho-a feito um quase dançarino ou, mais parecido, um ginasta. Lavo as mãos, respiro, abro e saio. Ela está lá. Olhando para mim.
- Desculpe!
- Tudo bem! Foi pela necessidade.
- Não costumo deixar aberta.
- Tudo bem! O que é bonito é para ser mostrado.
- Desculpe! – Pera aí, o que ela disse? Penso, e ela com voz séria e olhar divertido diz: Está na hora de voltar à sua sala.
- Já vou. Com licença.
O magro chato falava com alguém da faxina quando eu lhe disse que conheço a Nina. Ele pega gravador e me senta à mesa de refeição.
- Seu nome?
- Benito Bardo Junior.
Digo não entender porque a seqüestraram. Ela não é rica. O sujeito insiste nisso como possível motivo para seqüestro. Então lhe digo que, segundo palavras frequentes da poeta “Pela graça de Jesus e bênção de Deus nunca me falta nada” e que apesar de não saber nada sobre sua conta bancária não imagino dinheiro como causa do sumiço.
- O que você faz aqui? – Persiste no assunto.
- Estou ajudando a professora de arte a dirigir uma peça.
- Por quê?
- Também sou artista.
- Artista? Também...
- Sim! Sou escritor, poeta, diretor e professor de teatro.
- Sei... Um intelectual!
- Prefiro o termo pensante.
- Dois intelectuais... e poetas... Muitas coisas para pensar... concordar... discordar... Discutir! – Depois de me observar fria e silenciosamente por um longo tempo ele me manda sair. Na porta sinto minha espinha gelar com seu olhar para minhas costas e...
Onde estou? Por que preso nessa cadeira?


En español:

La escuela del morro, por necesitar de alguien para dirigir un espectáculo del teatro, me convidó por indicación de un de los profesores. Fui bien recibido pelo director, levado al aula que trabajaría debajo del aroma del refectorio y dejado allá con diez o docena de adolescentes. En el tercero encuentro vi por el pasillo un delgado molesto con estilográfico, cuadernillo y conversando al teléfono móvil.
- ¡Sé! Nina de Kastro, con k, fue secuestrada. ¿Que más? ¡Ah! Grande poeta... ¿Pero encontrar poeta es bueno para nosotros? ¡Ah! Intelectual. ¡Sé! Pero intelectual... Mas, es como se dice “Quien ama el peligro, en él perece” o sea ¿Por que vamos preocupar con intelectuales? ¿Tiene certeza? Al fin, pensante... cuanto menos, mejor.
- ¡Con permiso! ¿De que usted está hablando?
- Estoy ocupado ahora. ¡Da licencia! – Dice “da licencia” como se hablase “salga”, ignórame y continúa a hablar en el aparato.
Entro en la aula y doy lección até sentir una voluntad desesperada de ir al bañero. No acostumbro hacer pero no aguanté, entonces dejé mis alumnos y me fui aliviar. Bañero más prójimo... en la directoria. Yo estaba en pleno alivio cuando entra la directora adjunta. Olvidé la puerta abierta. Sin gracia, la cierro hecho un casi danzarín, o más parecido, un gimnasta. Lavo las manos, respiro, abro e sayo. Ella está allá. Mirándome.
- ¡Perdóname!
- ¡Todo bien! Fue por la necesidad.
- No acostumbro dejar abierta.
- ¡Todo bien! Lo que es bonito es para ser exhibido.
- ¡Perdóname! – ¿Lo que ella dice? Pienso, e ella con voz seria e mirada divertida habla: Está en la hora de volver a su aula.
- Ya voy. Con permiso.
El delgado molesto hablaba con alguien de la limpieza cuando yo le dice que conozco la Nina. Él pega magnetófono y me sienta a la mesa de comida.
- ¿Su nombre?
- Benito Bardo Junior.
Digo no entender porque fue secuestrada. Ella no es rica. El sujeto insiste en eso como posible motivo para secuestro. Entonces le digo que, según palabras frequentes de la poeta “Pela gracia de Jesús y bendición de Dios nunca me falta nada” y que a pesar de no saber nada sobre su cuenta bancaria no imagino dinero como causa do desaparición de mi amiga.
- ¿O que usted hace acá? – Persiste en el asunto.
- Estoy ayudando la profesora de arte a dirigir un espectáculo.
- ¿Por qué?
- También soy artista.
- ¿Artista? También…
- ¡Si! Soy escritor, poeta, director e profesor de teatro.
- Sé... ¡Un intelectual!
- Prefiero el vocablo pensante.
Habla para si mismo, entre los dientes:
- Dos intelectuales... y poetas... Muchas cosas para pensar… concordar… discordar… ¡Discutir! – Después de mí observar fría y silenciosamente por un largo tiempo él me manda salir. En la puerta siento mí espinazo helar con su mirada para mis espaldas y...
¿Adonde estoy? ¿Por qué estoy preso en esa silla?


Ofereço aos aniversariantes.
Juliana Novaes, Alison W. Martins, Jhoyce Oliveira, Natalia Coutto, Éderson Caldas, Artur Freitas, Tatiana C.S.V. Brandão, Pedro H. Souza, Kívia Kiara.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 10 de outubro e 24 de dezembro de 2012.

O título é uma frase do delicioso texto de DOMINGUES, Thiago – Quando Nasce a Hora – retirado do sítio Palavras e Gavetas na manhã do “fim do mundo” de 2012:

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

CAMINHOS DO RIO


Obax anafisa.


Em português:

O antigo caminho do rio
Já foi aqui, agora não é mais
Tento rir, mas não, mal sorrio
Já vi e já senti coisas demais.

É aquela velha história
O rio... o rio nunca passa duas vezes...
Assim porque lutar por glória
Se mudo todos os dias, todos os meses.

Escrever para ser memória?
Em vida pouco tenho e nada sou
E quero dinheiro e vitória.

Escrevo porque sou palavra
Também sou antigo caminho do rio
Que na arte se lava e se lavra.

Em espanhol:

El antiguo camino de lo río
Ya fue aquí, ahora no es más
Intento reír, pero mal sonrío
Ya vi y también sentí cosas demás.

De nuevo aquella vieja historia
El río… el río nunca pasa dos veces…
Así porque luchar por tanta gloria
Mudo todos los días, todos los meses.

¿Escribir para ser sólo memoria?
Poco tengo y soy nadie en la vida
Deseo dinero y quiero victoria.

Hermano, escribo porque soy palabra
Y soy antiguo camino de lo río
Que en la cultura se lava y si labra.


Ofereço aos aniversariantes.
Amanda K. Nobre, Fábio S. Rodrigues, Wyllon Jheffer, Gerci Santos, Nadieli Sathler, Joe Arthuso, Renata Matos, Clayton Heringer e Mayron Engel.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 13 e 17 de dezembro de 2012.
O soneto me foi inspirado pelas palavras que Alano Barbosa me disse sobre o meu cronto Cacto, postado 10-12-12 no aRTISTA e aRTEIRO. Obrigado, Alano.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

CACTO


Obax anafisa.


É a avenida Londrina, no bairro Veneza. Meu irmão e um cunhado seu bebem em um bar. Uma mesinha bonita, de ferro, branca. Ao redor, para dar charme, muro alto de madeira e algumas samambaias e arbustos. Vendo-os, entro sorridente e sérios eles me dizem “Você é desagradável”. Não, eles dizem mais docemente, gostam de mim: “Você não é agradável”.
- Lembra da brincadeira da profissão?
Pelo rosto digo que não.
- Médico... e depois diz uma coisa não simpática (lembremos que eles gostam de mim, não usam a expressão pesada: antipático), Cozinheiro... e algo não simpático.
- Lembro! – Digo com um sorriso tolo.
- Por isso o dono do boteco perto de casa disse que não lhe quer mais lá. E também porque está devendo.
Levanto, despeço-me e saio consciente que eles diziam mais com aquilo. Não era do botequim que falavam.
À minha frente o sol cora o céu.
Subo o morro da rua Niterói para visitar uma amiga.
- Luci Ana, está?
- Não!
Seu pai ia descer para lhe dar um recado. Ofereço-me para entregá-lo já que eu ia lá para baixo mesmo. Aliviado o idoso me diz e volta para dentro enquanto me afasto.
À minha frente o céu vermelho tem um toque laranja.
Matutando minhas dívidas fantasio como saudá-las e atravesso o Campo do bigode e entro na avenida Livramento. Algumas mulheres, moças e meninas vestidas de indianas ciganas havaianas vão começar uma dança. Eu as reconheço. O público aumenta vertiginosamente. Passo por elas enquanto se apresentam, admirando-as contorno todo o público e vou-me embora ouvindo a música.
- “Convoquen a la Guarda Nacional para dar fin a lo peligro mortal. Un pasional pájaro carpintero a las puertas de lo Poder Público Municipal puede atacar la caradura de aquellas terribles personas”. Uma das dançarinas saiu despercebida de sua formação e me assustou se posicionando à minha frente para me dizer tal profecia, metáfora ou o que não tem sentido e desaparece.
À minha frente o céu vermelho tem um toque laranja e azul marinho.
Eu sou a favor do vício desenfreado. Sou um tarado por livros. Não vivo sem eles. E estou “desencaminhando” muitos jovens com tamanho defeito. – Pensando assim eu não sinto o peso em minha cabeça.
- Usted es malo, mucho malo. ¡Un ofensor de menudos con los libros, a través de su arte, un transmisor del virus de la libertad! ¡Uajajá! – Depois do riso, a seriedade – ¡No olvide de nadie! ¡Todo es lo usted! – A artista apareceu no último raio do sol, disse e sumiu na noite.
Um aluno meu disse que parou de usar entorpecentes porque começou a ler livro depois que tanto falei deles para sua turma. Fiquei muito contente quando ele me disse isso, assim, do nada e sem outro motivo além de compartilhar sua alegria. Não me esqueço de tudo que sou e à minha frente a noite emoldura a lua minguante sobre um cacto com sua bela amarela flor rugosa ou rústica.


Ofereço aos aniversariantes
Biblioteca Leitura e Olhares, Rayssa Rangel, Éldison M. Paravidino, Chimeni Lins, Camila Santos, Nubia Teodoro, Renata Sousa.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Embasado num sonho escrevi entre os dias 02 de novembro e 10 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

ALHEIO


Obax anafisa.

Cronto inspirado no conto Bárbara no Inverno, de Milton Hatoum, do livro Aquela Canção: 12 contos para 12 músicas (vários autores) – São Paulo: Publifolha, 2005. Delicioso livro que ganhei de presente de Carlos Glauss. Obrigado!


Sol de início de novembro.
“E me vingar a qualquer preço”. A voz de Zélia Duncan não ultrapassava os ouvidos de Lázaro e Cláudia. Seus cérebros gravaram nas retinas a queda de Bárbara, registraram a calçada manchar-se de vermelho. E só. As fezes saíram com a explosão do impacto, mas lentamente a urina se misturou ao sangue. Não foi nem um pouco a cena bonita de A Morte do Leiteiro, de Drummond. Na rua poucos viram a tragédia, mas muitos farejaram a desgraça e foram se saciar. Na Praça Dona Maria do Dízimo, Veneza II, pássaros variados cantavam ignorando um cocô humano aos pés de uma árvore no meio da praça de pinheiros. Ignoraram até a morta poucos metros adiante. Enquanto o monturinho servia de salão de festas para moscas, nos prédios as janelas foram se abrindo e as casas se esvaziando. Pouco a pouco e passo a passo os urubus foram chegando com seus burburinhos eróticos para o cadáver que sorria sem pensar que tudo partiu dela para o fim de tudo. Zélia ainda cantava “Só pra provar que inda sou tua” quando o casal se afastou da janela. Não as falaram. Pegaram o que precisavam. Foram para a rua. Foram embora.
O sol de meados de novembro ardeu terrível, meus pés pisaram as pedras na terra seca fazendo um barulho que já ouvi em filmes, mas que nunca eu tinha vivido. É tão desconfortante sentir tanto.
Mas o sol de final de novembro quase não apareceu. Nem quando à minha frente uma mulher se agachou diante de dois grandes sacos de salsicha, rasgou um, cheirou e comeu o bastão laranja-acinzentado que tirou. Generosa, ofereceu ao vira-lata que passava. Mas somente as moscas degustaram o seu repasto.


Ofereço como presente de aniversário
Alejandro Vera, Marcelo Vieira, Welington G. Silva, Claudiney de Sá, Lorrayne Carvalho, Regina T. P. Simao, Sergio Lopes e Ana F. R. Santana.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 28 de outubro e 03 de dezembro de 2012.

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

ÁRVORE DÁ GALHO


Obax anafisa.


Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos frut...
- Donde cessaiu tem água gelada?
Espanta-me mais uma vez a abordagem, assim, do nada, que os “nóia” frequentemente me fazem aqui na rua e só lhe olho.
- É difícil voltar para onde veio e me pegar água gelada? Tô sem água em casa e tenho sede de água gelada, não muito gelada, mas bem gelada.
Interpretando a confusão, pergunto se quer uma garrafa ou um copo de água. É só um copo que a mulher quer. Trago e lhe dou. Não é exatamente uma dos “nóia”. É uma vizinha, moradora atual da segunda casa da rua. Às vezes ela bebe cachaça três dias e trabalha outros sete. Outros momentos trabalha três e bebe sete. Seus pés pretíssimos com rachaduras horríveis sustentam bambos um corpo que já foi branco. Suas mãos seguram o copo descartável e seus lábios envolvem sua borda, a cabeça tomba para trás e o líquido desaparece lentamente. Deixo-a e vou à padaria com minha filosofia, vã filosofia.
Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto. Na verdade não sei se há filosofia ou não. Eu sonhei com isso. O curioso é que não desapareceu no correr do dia, como geralmente acontece nos sonhos.
Já é tarde, apesar de ainda ser de manhã. Estou sentado no gramado do barranco que dá para o kart. À minha esquerda está seu bar, à minha direita, a antiga igreja Assembléia de Deus, agora reformada e mais bela. Atrás de mim fica a creche e à sua esquerda o mangueiral do qual Rubem falou no cronto Terror no Mangueiral¹. Eu sentado com um apertinho no coração e pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas que se drogam, que vendem drogas, que se prostituem para se drogar, que traficam para lucrar ou se drogar. Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas com suas ideias não se abrem para as ideias dos outros. Pessoas, pessoas, pessoas, pessoas, pessoas e eu, também uma pessoa, ainda novo para tanto desânimo.
Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto. Eu sonhei com tais orações que se mantiveram no correr do dia, sem desaparecer como acontece nos sonhos. É interessante a sua beleza, pelo menos assim acho. Mas serão filosóficas, será que têm conteúdo? Um galho cortado se esforçando para atender nossos desejos ou necessidade... Uma árvore se empenhando em nos beneficiar... É bela imagem, quiçá tenha verdade.
- Ô meu! Que cê tá fazendo aí? Pensando nas mina?
- Ah! Oi! Você é...?
- Mário Neto². A gente se conheceu na festa da tia, dona Emília Domingues, não se lembra?
- É verdade. Você é novo na cidade, né? Está passeando para conhecer as redondezas?
- Eu vim com meu parente, Danilo, conhecer Minas. A gente tá hospedado na casa da tia Emília.
- Espero que esteja gostando. – Falo e olho para as árvores à minha frente. Mário se senta ao meu lado para vermos juntos e pergunta: Mas o que você está pensando?
Olho para seu rosto
- Hoje eu me entristeci com a alegria de um amigo. Gosto dele, mas seus abraços não me agradaram. Ri para ele, mas chorei sua alegria.
Seu rosto se vira para mim
- Ele estava chapado com álcool e craque.
Nossos rostos se voltam para as flores das árvores. Um minuto de silêncio e Mário me diz: “Benito! Se pedirmos a um galho que dê frutos ele dará. Imagine então o que fará uma árvore se lhe pedirmos fruto”.
Logo à frente garoam pétalas de uma árvore.


Ofereço como presente de aniversário
Edilaine S. Peres, Gunther Estebanez, Joubert Moisés, grande poeta Marília S. Lacerda, Luizin Ribeiro e Joshua Hammer.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 17 de outubro e 26 de novembro de 2012.

² Para saber mais sobre o Mário Neto veja o blogue http://gordonemeio.blogspot.com.br/

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

AVES CARNICEIRAS


Obax anafisa.

Viva a Bandeira do Brasil! Viva a Pátria!

“experimentações dos fracassos ... por entender que elas foram mesmo as responsáveis por nos desestabilizar, perturbar e gerar as crises necessárias para nos mudar de direção e demarcar inaugurações (de) nossa história”¹. (GODOI).


O rio corre. É o Ribeirão Ipanema à margem do Iguaçu defronte do pedaço com Jd. Panorama e Pq. Ipanema. À beira rio grama ou capim bem verde, algumas flores brancas. Tem também umas amarelas, outras vermelhas e o passado no presente.
- O todo é muito mais que a mera soma das partes. – Disse Thiago Alixandre em um grupo de agentes culturais no encerramento do 10º ENARTCi em um diálogo no espaço da Hibridus. Ele continuou – Aquilo que é permanente assim é porque não é imutável. Resiste porque se adapta. O permanente é mutável.
- Autonomia é capacidade, e dou ênfase na palavra capacidade, extrair do ambiente informações, criar reservas delas para se manter, ou melhor, para explorar cada vez mais e eficientemente novas informações. – Alguém acrescentou ao diálogo e mais gente disse diversas coisas igualmente interessantes.
O Ribeirão Ipanema corre. À beira rio grama ou capim bem verde, algumas flores brancas. Tem também umas amarelas e outras vermelhas. Na margem um grupo de aves carniceiras destrincha algum bicho. Uma abre suas asas e pula para outra ave. Parece não se contentar com seu lauto almoço. De tempos em tempos outra faz o mesmo, querem tomar o que outra pegou. O passado no presente e o segundo no primeiro.
Uma moto surge por trás e pára ao meu lado. Pelo visor do capacete belos olhos escuros num rosto masculino perguntaram-me sobre meus cachorrinhos. O que na verdade quer saber é se eu era usuário de craque. Talvez porque eu fui um magrelo às cinco horas da manhã num ponto de consumo. Talvez por outro motivo. Quem sabe? – perguntou-me: Cê num tem vício nenhum mesmo? Respondi: Meu único vício são os livros. Sou tarado por eles². Dia ou dois depois nos esbarramos no hipermercado no Centro de Ipatinga. Os olhos vívidos me percorreram lentamente, o uniforme apressado sumiu lá dentro e seu rosto se esvaiu de mim.
O Ribeirão Ipanema corre. À beira rio grama ou capim bem verde, algumas flores brancas. Tem também umas amarelas e outras vermelhas. Sobre a grama e entre as flores, um bicho morto. Lindas flores enfeitam o podre. O podre enfeia as flores. Aves carniceiras, políticos e humanos destrincham descontentes com o que tem e tomam o que é do outro. O vento trás o cheiro para mim, engasgo e meu quase vômito se interrompe por sons de um carro dobrando corrido uma esquina e vêem sobre mim. Aves carniceiras disputam o que sobrou.


Ofereço aos aniversariantes
Lúcia Santos, Sávio Tarso, Nary Farias, Elias Moreira Jr, Vitor Cruz, Stefanny Késsya, Nanda Sales, Sula Valgas, Esdras Aurélio e Eder Meiros.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 09 e 19 de novembro de 2012.

ENARTCi 2012. Encontro existente em Ipatinga MG para mostrar e discutir a arte, os artistas e suas ações e reações. “O ENARTCi assume seu papel de criar pontes, de atravessar territórios e de construir relações”¹.

¹ ENARTCi – Encontro de Dança Contemporânea de Ipatinga. Wenderson Godoi no texto “Tão precioso quanto difícil”, diria Espinosa.

² Mais informações sobre esse parágrafo veja o cronto: http://artedoartista.blogspot.com.br/2012/11/jejum-da-fome.html

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

JEJUM DÁ FOME


Obax anafisa.

“Ser-para-como-o-outro, apesar de si, é arrancar o pão de sua boca, matar a fome do outro de meu próprio jejum, ou seja, matar a fome que meu próprio jejum tem do outro”.
(Tereza Rocha – 10º ENARTCi – 03-11-12).



Foi assim, com tantas questões, que saí de casa hoje.
Por que faço arte? Por que escrevo? Porque quero/necessito me expressar. É claro que quero ser visto, caso contrário faria no quarto. Mas é só para isso que artistas escrevem, pintam, cantam, dançam? É obvio que assim fazemos porque não conseguimos nos calar, nos imobilizar. E eu sei que tenho que oferecer – oferecer a mim em meu trabalho –, mas o que o outro fará com isso é da alçada dele.
Por volta das cinco, como todas as manhãs, passeio com Haicai, Decidido e Vitório. Rua Uberaba, rua Ituiutaba, rua João Napoleão Cruz. Parado na calçada do alojamento da Usiminas, tendo do outro lado a escola-creche e em frente a Assembléia de Deus, olho a madrugada afrontada pelos postes. Uma moto surge por trás e pára ao meu lado. Pelo visor do capacete vejo belos olhos escuros num rosto masculino.
- Oi! Você que cuida desses cachorrim?
- Sim! Eles são meus.
- Seus? – Voz descrente ou de zombaria.
- Eu sou Benito. – Estendo-lhe a mão, ele a pega, diz seu nome e pergunta: Cê fuma craque?
- Não!
- Nessora parado aqui...
- É quando costumo passear com meus bichinhos. Moro na rua de trás, a Uberaba.
- Eu trabalho ali, no Corpo de Bombeiros.
- Hum, legal!
- Cê fumoquê?
- Por quê? Você fuma craque? – Na verdade pensei em perguntar se ele vende, mas mudei a pergunta não sei por que. Ou melhor, sei...
Meio que rindo: Gordim assim? Se eu fumasse seria magrim quiném ocê.
O sujeito não é gordo, mas é o dobro de mim.
- O único vício que tenho é livro.
- Unru, sei!
- Você está querendo comprar? É só descer o morro.
- Não! Não uso drogas. Cê num tem vício nenhum mesmo?
- Meu único vício são os livros. Sou tarado por eles.
- Unru! Então inté!
- Inté!
Ele vira a esquerda e some. Os pensamentos que tive durante toda a conversa não lhe contei quase nenhum porque acho que dá para saber ou imaginar quais foram.
Voltando pelas ruas João Napoleão Cruz, Ituiutaba e Uberaba do passeio com meus cachorrinhos os olhos do rosto ocultado pelo capacete se perdem com a moto que se foi, com eles se esvaem a madrugada afrontada pelos postes e concretam-se em meu cérebro ideias.
Pessoas querem estabilidade. Isso existe? A criação, por exemplo, é abrupta e é, não querendo redundar e sim dar certa ênfase, sequência de sucessões. É o processo ou o retrocesso humano que cria? Estresse hídrico... O que cria é o estresse hídrico. É na época de seca que os ipês e outras árvores se explodem em flores.
Foi assim, com tantas questões, que voltei para casa hoje.



Ofereço aos aniversariantes
Santa Cecília Corporação Ipatinga, Juliana S. Vieira, Rita Clemente, Chicão Fidideus Olun Selen, Isac Silva, Felipe Bruno (Palhaço Pimba), Marcel A. Roque.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 05 e 12 de novembro de 2012.

ENARTCi 2012. Encontro existente em Ipatinga MG para mostrar e discutir a arte, os artistas e suas ações e reações. Ou, como diz Wenderson Godoi, “O tema-tarefa deste 10º ENARTCi será o ‘cuidado de si’. (...) O ENARTCi assume seu papel de criar pontes, de atravessar territórios e de construir relações. (...) Nesses 10 anos comemoraremos as crises e faremos deles o assunto celebratório, buscando nelas a energia para resistir”. (ENARTCi – Encontro de Dança Contemporânea de Ipatinga. Godoi no texto “Tão precioso quanto difícil”, diria Espinosa.

segunda-feira, 5 de novembro de 2012

MENAS GERAIS¹


Obax anafisa.

“Não se trata, entretanto, de insuflar ainda mais o narcisismo constituinte do sujeito que se sujeita. Não se trata do ‘eu’ no si do cuidado de si. É justamente o ‘eu’ que está sob suspeita, pois ele é a razão de ser do sujeito que se sujeita. Ele se sujeita justamente para dizer ‘eu’.”
(Tereza Rocha – 10º ENARTCi – 03-11-12).



Começo do dia!
- Fala sério! O cara me paga com fone de ouvido Panassônique?
- O fone é meu, Divina Brau. É só pramintregá.
Com meus cachorrinhos e Ouro passo pelos dois. Na volta encontro o casal sentado entre as toras que os Bombeiros do Batalhão perto de onde moro cortaram e por lá deixaram. (E de lá não sei se sai). A mulher me encara. Como quase sempre faço com quem me olha, cumprimento, fui correspondido e sigo em frente.
- Ói! Ela tá grávida... Ah, não! É macho. Taé gordo mermo. – Diz para o homem e, indiferente, Haicai continua voltando para casa com os outros cachorrinhos. Debaixo de meu sorriso o pensamento: só come e dorme, caga e mija, mas a gente tolera porque ele é velhinho e muito carinhoso.
Correr da tarde!
Vejo os ipês, num estresse hídrico, se explodirem em flores.
Vejo os artistas, num estresse cíclico, se explodirem em artes.
Término da noite!
- Benito, arte ocupa um lugar na cultura, que é ampla, que contém comida e muito mais. É possível se entristecer com a situação cultural no estado e no Brasil, mas não vale a pena lamuriar. É preferível tentar soluções.
- Tá, Godô, mas o artista ou o grupo artístico necessita um corpo permanente...
- Corpo permanente... Corpo permanente? – Pondera Dutidute.
- Aquí no Brasil tiene medo que sin dinero no si cría arte. – Habla Mariña.
- Ética é processo de criação. É cuidar de si para, depois, cuidar do outro. – Fala Cloe Enes e Luxciano encerra a conversa: O ser é individualizado, mas ele está ou é singular?
Durmo para acordar buscando resposta para alguma coisa.



Ofereço aos aniversariantes
Nalva A. Rodrigues, Moisés Correia, Flora Manga, Dayane Andrade, Amauri Krus.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você que me lê e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre os dias 27 de outubro e 05 de novembro de 2012.

¹ Dudude Herrmann, no Café com Crise, “modificou” um pouco o nome do estado por ser assim que a classe artística estar sendo tratada pelo Governo.
ENARTCi 2012. Encontro existente em Ipatinga MG para mostrar e discutir a arte, os artistas e suas ações e reações.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

A CASA


Obax anafisa.


O camelô e a Praça Primeiro de Maio estão vazios de cidadãos. Eu passo entre os cachorros abandonados e as pessoas que se vendem ou compram seus produtos. Um ônibus pára e corro para ele. Minha mãe está lá; ocupa uma parte do banco. Olhando-nos sento ao seu lado e vamos em silêncio, desatentos ou desinteressados a quem passa pelas ruas. Uma hora na barulhada de trabalhadores. Esqueci o número da casa e ligo para um amigo.
Amigo: Doze
Eu: Doze
Amigo: Três
Eu: Três
Amigo: Oitenta e sete
Criança: Cinquenta e sete. – Uma criança me vendo repetir números se intromete e inventa. Eu, em silêncio irritado, olho para os pais sorridentes dela.
- Trocador, pode me avisar quando chegar o ponto mais próximo do número 12.387?
- Sim!
Paramos. Ponto final. Casa 14.300.
- Ei, você não me avisou.
- Não tenho obrigação.
Caminhamos, eu e minha mãe, pelas casas feias na avenida indecisa se fica sem árvores ou se as tem mirradas e empoeiradas. Suados chegamos num buteco-armazem. Três atendem outros dez, agora doze.
Na minha mão, uma sacola com dinheiro. Tudo que tenho, que guardei. Um sujeito olha para mim
- Veio por causa? – Sua voz baixa e seus olhos mostram que sabe o que quero. Afirmo com um aceno.
- Ele num aceitará e nem te perdoará. – Aponta com o olhar para um magro, careca, suado e camisa aberta no balcão. – Tem certeza que quer mesmo? Então vai. Rua Maguinolita quatrocentos. Três ruas acima. Vai e não volta. Não te queremos aqui.
Saímos.
- Oi! – Somos abordados por um homem de trinta anos, roupas escuras com detalhes em prata, borda preta nos olhos. – Ele mentiu para vocês. – Olha para o interior do boteco e continua: Não gosta de gente como nós. É aqui na avenida, número 12.357. Mas não sei se adianta. A mãe é igualzinha ao porco do boteco e... e agora é tarde. Muito tarde para se aproximar.
Andamos. Minha mãe em total silêncio de amargura e eu em silêncio de arrependimento. À nossa volta, casas feias e árvores mirradas, empoeiradas, iluminadas pelos postes. Olho para a lua cheia, sua luz reconforta. À minha frente, a casa.



Ofereço aos aniversariantes
Diane Mazzoni, Ana P. Rocha, Rafael Cabral, Maria das Graças, Marcello Rodrigues, Nena de Castro, Carol Ribeiro, Cristina Abreu e Francklin Meireles.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Embasado num sonho escrevi entre os dias 05 e 29 de outubro de 2012.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

SILÊNCIO NO VENTO


Obax anafisa.


Praça constante num lugar que não existe, do camelódromo ao Banco do Brasil. De costas para BR uma banca de revista de frente ao canteiro circular. Nele, duas touceiras de beijo rosa, abundante folhagem arroxeada e esmilinguidas palmeirinha e boldo. Na lateral direita, vastas palmeira e paineira. Na esquerda, jovens pau mulato, ipê, oiti e, quase sombreado por eles, o banco onde se passa boa parte de nossa estória.
- Instalem o aparelho. Não vou fumar aqui.
Olho para o homem que parou na minha frente. Vejo o sol no seu rosto atrapalhar a visão. A incompreensão estampada em minha face lhe faz continuar.
- Sou viciado, mas preciso do orelhão. Todos precisam dele, né? Então, em troca, não usarei para outra coisa que não seja comunicação.
- Mas porque você está me dizendo isso? Não trabalho na Oi.
- Sei lá. Acho que apenas quero conversar e vim com esse pretexto.
Penso “Escolha de palavras típicas de quem tem estudo” e continuo só olhando para o sujeito, que se senta ao meu lado. Apesar das roupas sujas ele não está fedendo, então não me incomodo.
- Ontem te vi aqui. Você e uma mulher conversavam. E depois saíram. Anteontem também te vi. Estava escrevendo algo enquanto olhava para as árvores e um policial te abordou. Escutei o que ele falou. Perguntou o que você estava manjando. Ele disse assim, manjando. Estou te chamando de você, mas não sei se posso. Tudo bem te chamar de você?
- Pode, prefiro assim.
- Qual é seu nome? O meu é Rudá.
- Benito.
- “E eu criança presa em, brinquedos de trapaças \ Quase sem história pra contar \ Você criança tão liberta me tire dessa peça, \ E assim ter história pra contar”¹. Sabe quem canta isso?
Como resposta dou um sorriso, digo “Benito di Paula” e o presenteio conforme ele me presenteou: “Rudá, Ruda!... \ Tu que secas as chuvas, \ Faz com que os ventos do oceano \ Desembestem por minha terra \ Pra que as nuvens vão-se embora \ E a minha marvada brilhe \ Limpinha e firme no céu!...”...
- “Rudá, Rudá! \ Faz com que amassem \ Todas as águas dos rios \ Pra que tu se banhando neles \ Possa brincar com o marvado \ Refletido no espelho das águas!...”². – Tomando minha palavra encerra cantando com leve mudança no texto, mas com um sorriso...
Ficamos conversando bem tempo ainda. E mesmo no restaurante popular, que ele me convidou a pagar, o assunto se manteve durante o almoço. E depois também.
- Acho que Assis escreveu bem, falando da sociedade da época, mesmo sem se comprometer se reconhecendo mulato. Afinal, o que ele podia fazer? Proclamar sua origem e não ter suas obras reconhecidas por isso? É como um fumante de maconha se expor e não ter emprego por isso.
- Curioso paralelo esse o seu, Rudá. Comparar literatura com drogas.
- Não estou comparando, mas sim dizendo que a sociedade ver com maus olhos quem ela proclama diferente ou errado.
- É! Tem sua lógica. Afinal, ela permite o uso de cigarros, cerveja, jogos lotéricos, mas impede aquilo que ela não consegue usurpar imposto de renda.
Almoçados, voltamos à praça, sentamos no banco, continuamos a conversar até o vento balançar nossos cabelos e nos silenciar. Boa parte da tarde passou assim, nós dois sentados lado a lado, em silêncio olhando o canteiro.
Pela noite saímos juntos.



Ofereço aos aniversariantes
Haras Silveira, William Salgado, Laudemir Silva.
E ofereço aos meus 77 seguidores aqui no aRTISTA e aRTEIRO.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 10 e 22 de outubro de 2012.

¹ PAULA, Benito di – Amigo do Sol, Amigo da Lua – http://www.cifraclub.com.br/benito-di-paula/amigo-do-sol-amigo-da-lua-19754/
² ANDRADE, Mário de – Macunaíma – 30ª edição – Belo Horizonte: Villa Rica Editoras Reunidas Ltda., 1997 – capítulo Boiúna Luna.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

BEIJO AO VENTO


 Obax anafisa.



Praça constante num lugar que não existe, do camelódromo ao Banco do Brasil. De costas para BR uma banca de revista de frente ao canteiro circular. Nele, duas touceiras de beijo rosa, abundante folhagem arroxeada e esmilinguidas palmeirinha e boldo. Na lateral direita, vastas palmeira e paineira. Na esquerda, jovens pau mulato, ipê, oiti e, quase sombreado por eles, o banco onde se passa nossa estória.
- Hoje eu quis lhe dar meu amor, mas meu coração não lhe tem valor. Quis lhe dar meu sorriso, mas minha carteira não tem muitos valores. Quis lhe dar uma flor e meu gesto lhe foi ridículo. Quis dar meu corpo, mas não lhe sou bonito.
- Obrigada pela gentileza. Eu faço programa.
- Eu posso lhe dá estabilidade... meu nome e... e...
- Poderíamos falar da estalibidade e etc. e tal, mas nunvamu perdê tempo não, bobo.
O hotelzinho na rua três pontinhos é bem nojento, mas o beijo no canteiro balança ao vento.



Ofereço aos aniversariantes.
Igino de Oliveira, Flávia Frazão, Victor L. Macedo, Aparecido M. Soares, Warlisson Rodrigues, Lucimar Inácia e Leila Cunha.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 24 de setembro e 15 de outubro de 2012.

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

CANÇÕES À DERIVA


Obax anafisa.


Da biblioteca pública municipal olho a faina inicial de uma segunda-feira. Trabalhadores lavam os pontos de comércio seus ou dos patrões, transeuntes se dividem entre os que sonhadores olham vitrines e os que estão a deriva. À deriva... me lembrou do “concurso” que estamos realizando na faculdade para designar a disciplina IAD (Introdução à Análise do Discurso): IADesgraça, IADiscórdia, IADeriva...
Huuum! Acho melhor voltarmos ao cronto.
Políticos distribuem santinhos. Político e santo, tão antagônicos...
A madrugada foi muito fria e a manhã está ensolarada. Nuvens brancas no céu azul flutuam na indolência que desejo e que Macunaíma¹ descreve tão bem “Ai! que preguiça”.
- Oi! Medê dinheiro pruncafezim.
- Não!
- Eu sou Camila e faço programa. Comocê chama?
- Leo!
- Leo, eu amocê.
- Quem diz isso é a pedra.
- Quero dá procê. Quero dá, quero dá, quero dá procê. Lararilará. – Camila canta.
Uma mulher varre o lixo da rua e o vento espalha o que ela ajunta. Ela varre e ele espalha. Varre e espalha. A mulher pára, pensa e muda de direção. Varre a favor do vento, que lhe ajuda a limpar.
Vejo em um livro a faina diária da vida humana. Vejo na vida humana um livro.



Ofereço com muito carinho aos aniversariantes.
Nilmar Lage, Gustavo Espeschit, Yasmine Pimenta, Andréa Silva, Luciano G. Botelho, Karla Suelen e Shirley Maclane.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 01 e 08 de outubro de 2012.

Macunaíma, de Mário de Andrade, é uma rapsódia, ou seja, é uma soma de temas tirados do povo.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

TERROR NO MANGUEIRAL


Obax anafisa.

 “A vida não fica mais fácil.
É você que tem que ser forte”¹.


Terra de Ninguém.
Relato de D.
Observo duas clientes em potencial passeando. Eu as conheci quando buscava moradores para Terra de Ninguém. Ambas não sabiam quem eu era, mas sei quem são.
Período eleitoral, são tantas pessoas dispostas a se venderem. Talvez não todas. Sempre escapa alguém. Que pena. Mas o importante é que é difícil dar conta. Rsss. Não era o caso delas, por isso precisavam de um empurrãozinho... Poderiam vir a ser ótimas candidatas para trabalharem conosco.  Apresentei-me como um pesquisador da origem das pequenas cidades mineiras e que ficara sabendo delas através do escritor Benito Bardo Júnior.

Mesquita. Passeando pela praça central.
Relato de D.
- No sobrado azul, azul e branco, o pacto com o D. Ele ofertou o primogênito e por vinte e um anos enriqueceu. – Disse-me uma e outra continuou:
- Até o dia que sua mulher aceitou Jesus e quebrou o D na garrafa.
- Em sete dias ela morreu. De causas dolorosas. Mais sete dias ele morreu. De causas misteriosas. No sétimo dia morreu a Oferta.
- Um tiro no ouvido direito com a mão esquerda... E hoje, por trás dos escombros azul e branco, só a gameleira sobrou.
Rs. O “D” era, sou eu. Rs. E, diga-se de passagem, sou lindo, grandão e musculoso. O sonho de consumo de todas as mulheres e de muitos homens.

Ipatinga, entre o Centro e o bairro Novo Cruzeiro.
Relato de Benito.
Buracos de luz no mangueiral. Não procuro desvendar suas origens. O medo me segura. Medo de quê? Medo, apenas medo. O mangueiral à noite me assusta com suas sombras mal assombradas. No vislumbre da árvore algo se move. Metade da altura é sua largura. Se move na árvore. Medo me dá. Tremulo por dentro e finjo por fora. Encaro a sombra. Se quer me molestar ou se quer se esconder, não sei. Torço para nunca descobrir. Encaro e sigo em frente. A... a coisa ficou para trás. Silencio, escuro, sombra. Meu coração, enfrente! Uma ilha de luz, graças a Deus. Não! Horror! Agora eu vejo com clareza. Corra, Benito! Corra! Não, finja! Passo a passo, um de cada vez. Está acabando, estou chegando. A passarela está ali. Atrás, o silêncio e as sombras. O silêncio, as sombras e
- Que você está escrevendo? Quem é você? Quem te convidou?
Assim encerro minha escrita, interrompido perdi a inspiração. Isso sim é o terror de todo escritor.



Ofereço aos aniversariantes.
Agnaldo Bicalho, Felipe F. Nascimento, Jésus Guimarães, Fábio Sales, Mayara Ferreira, Siloene de Oliveira, Erica Fernandes, André Pôncio e Felipe Ávlis.

Ofereço também às
Maria Aparecida Dionísio de Pinho e Elizeth Duarte de Carvalho. Ambas formaram pela ULBRA (Universidade Luterana do Brasil) em Licenciatura Letras na noite de 26 de setembro de 2012. Enfrentaram reveses sem conta. Como falta de local para as aulas, tendo que, a cada encontro, se reunirem na casa de um ou de outro, ou na biblioteca municipal ou de alguma escola do município. Enfrentaram falta de computadores para o curso a distância, dificuldade de recursos financeiros para as mensalidades, entre muitos outros problemas de fórum pessoal ou acadêmico e outros. Quatorze graduandos pereceram, mas ambas foram, viram e venceram.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 19 de setembro a 01 de outubro de 2012.

¹ Encontrei pregado em uma lixeira no bairro Horto em um cartazinho manuscrito. Pena que o(a) autor(a) não se identificou.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

DIÁLOGOS DAS VIDAS


Obax anafisa.



- Me larga!
-
- Eu não fiz nada!
-
- Sou mesmo, e daí?
-
- Não mexe na minha bolsa.
-
- Por que eu? Não tá comigo.
-
- Bom é seu pai que me come melhor que você.
- Estrago sua cara, vadia, nem que eu passe o resto da vida na cadeia.
Custou, mas escutei a fala do homem. Que pena. Meus cachorrinhos não percebem o conteúdo da conversa e eu não entendo o sentido de certas vidas.
Um folheto dos Testemunhas de Jeová diz que todo o sofrimento acabará em breve. Em contraponto, pensei irritado na Cals, tutora de certa disciplina da faculdade, e tomei uma decisão. Não vou me preocupar com nota nem nada. Apenas vou estudar e cumprir minhas obrigações acadêmicas, independente de qualquer resultado que ela me der. Sem entender o conteúdo de algumas vidas olho para as sombras do chorão e dos oitis na madrugada.
-Benito, Benito, Benito!
- Oi, bom dia! Já de pé, Vinícius?
- Hoje é meu aniversário. É meu aniversário. É! É! É!
- É? Quantos aninhos?
- Cinco. – Fala e mostra os dedinhos de uma das mãos.
Iluminado pelo nascer do sol que já doura o céu entro em casa com meus pensamentos no sentido da vida.



Ofereço aos aniversariantes.
Edvania Oliveira, Maria Jany, Cultura UFMG II, Rony Samiec, Sandra Câmara, Célia Galastri, Mª Luisa B. Guadamuz, Marsan Silva.

Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Escrito entre 16 e 24 de setembro de 2012.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

FATOS E COSTUMES


Ofereço ao grande amigo e igualmente bom poeta Thiago Domingues.

Obax anafisa.





Não são ainda oito da manhã e algumas lojas já começaram sua faina. E até em Ipatinga pastelaria está se tornando clichê, coisa de chinês. Das cinco existentes no Centro, três são deles. Também uma costureira de camisa laranja põe linha na agulha e costura algum fato ouvindo Maria Bethânia cantar Nem Sol Nem Lua. E a agente da moda, Solange Mª Amorim, passa num longo costume azul de flores brancas e rosas. Talvez pensando em como contribuir na estética local. Talvez sem notar Ana* em uma encardida camisa branca brincar com sua massinha de modelar. Formar um aviãozinho, depois um submarino.
Esqueço-me de todos pensando que o brasileiro, não importa sua origem nem seu grau de instrução, está sempre pré-disposto a criar e a se deliciar com tudo que transmite a sensação de belo, as artes, por exemplo. É o que se percebe na alma de Álvares de Azevedo que se inspirou na dor de quem se desilude com o amor assim como no ambiente onde viveu, e é o que se sente na alma do leitor que se encanta com a organização das palavras. Azevedo parece propor – penso que sem ele saber o que fazia – uma forma do leitor se catarsear, expurgar o desengano que o destrói por dentro. Só assim, livre, estará pronto para amar de novo. É da natureza do brasileiro amar. Amar a natureza, outra pessoa, a pátria. Amar e encantar. Ser amado e se encantar. “Acordei da ilusão, a sós morrendo \ Sinto na mocidade as agonias \ Por tua causa desespero e morro... \ Leviana sem dó, por que mentias? \ ... \ É doce então das folhas no silêncio \ Penetrar o mistério da floresta \ Ou reclinado à sombra da mangueira \ Um momento dormir, sonhar um pouco!”¹.
Ana em sua imunda saia preta brinca com sua massinha de modelar marrom. Faz uma flor e coelhinho ou talvez um ursinho. E depois faz outra flor. Meus olhos se desviam para o ipê rosa e branco. Deu vontade de sentar para apreciar. Não podendo, parei por alguns segundos e me lambuzei em sua beleza. Se é para me lambrecar que seja nos ipês. Voltei mais tarde com a máquina de Eddi e me delicio com cinco pessoas que, vendo-me fotografar, pararam para observar o ipê. Outras três olhando para a árvore ainda conversaram comigo. Agradável.
Ana descalça brinca sem parar com sua massinha de modelar marrom com preto. Agora faz uma menina. Em nenhum momento percebeu o olhar fixo e de nojo das pessoas para o dejeto fedorento que tem nas mãos. Vi ali o que tinha de ver e sigo meu costume de me direcionar para fatos melhores. Lembro dos versos do meu Thiago-poeta “Sábias palavras de pés descalços \ saúdam-me timidamente. \ O esquecimento se foi em pedaços não há mais vida indiferente”² e penso sobre o meu Thiago-amigo: o que o mantém humano é escrever sobre seu primeiro objetivo na vida, que é valorizar o rei das emoções: o amor, para aprender com erros e evoluir.
Mas no fim, interesso-me apenas: O fato do ipê é suas folhas verdes em seu tronco escuro. Seu costume são suas flores.



Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Imagem: Foto de Rubem Leite de um ipê rosa com branco na rua Diamantina, Centro Ipatinga MG.

Escrito entre 13 e 19 de setembro de 2012.

¹ AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984. Trechos dos poemas “Por que mentias?” e “Anima Mea”.
² DOMINGUES, Thiago – Soneto Encontrado o blogue foi visitado na tarde de 18 de setembro de 2012: http://palavrasegavetas.blogspot.com.br