sexta-feira, 21 de setembro de 2012

FATOS E COSTUMES


Ofereço ao grande amigo e igualmente bom poeta Thiago Domingues.

Obax anafisa.





Não são ainda oito da manhã e algumas lojas já começaram sua faina. E até em Ipatinga pastelaria está se tornando clichê, coisa de chinês. Das cinco existentes no Centro, três são deles. Também uma costureira de camisa laranja põe linha na agulha e costura algum fato ouvindo Maria Bethânia cantar Nem Sol Nem Lua. E a agente da moda, Solange Mª Amorim, passa num longo costume azul de flores brancas e rosas. Talvez pensando em como contribuir na estética local. Talvez sem notar Ana* em uma encardida camisa branca brincar com sua massinha de modelar. Formar um aviãozinho, depois um submarino.
Esqueço-me de todos pensando que o brasileiro, não importa sua origem nem seu grau de instrução, está sempre pré-disposto a criar e a se deliciar com tudo que transmite a sensação de belo, as artes, por exemplo. É o que se percebe na alma de Álvares de Azevedo que se inspirou na dor de quem se desilude com o amor assim como no ambiente onde viveu, e é o que se sente na alma do leitor que se encanta com a organização das palavras. Azevedo parece propor – penso que sem ele saber o que fazia – uma forma do leitor se catarsear, expurgar o desengano que o destrói por dentro. Só assim, livre, estará pronto para amar de novo. É da natureza do brasileiro amar. Amar a natureza, outra pessoa, a pátria. Amar e encantar. Ser amado e se encantar. “Acordei da ilusão, a sós morrendo \ Sinto na mocidade as agonias \ Por tua causa desespero e morro... \ Leviana sem dó, por que mentias? \ ... \ É doce então das folhas no silêncio \ Penetrar o mistério da floresta \ Ou reclinado à sombra da mangueira \ Um momento dormir, sonhar um pouco!”¹.
Ana em sua imunda saia preta brinca com sua massinha de modelar marrom. Faz uma flor e coelhinho ou talvez um ursinho. E depois faz outra flor. Meus olhos se desviam para o ipê rosa e branco. Deu vontade de sentar para apreciar. Não podendo, parei por alguns segundos e me lambuzei em sua beleza. Se é para me lambrecar que seja nos ipês. Voltei mais tarde com a máquina de Eddi e me delicio com cinco pessoas que, vendo-me fotografar, pararam para observar o ipê. Outras três olhando para a árvore ainda conversaram comigo. Agradável.
Ana descalça brinca sem parar com sua massinha de modelar marrom com preto. Agora faz uma menina. Em nenhum momento percebeu o olhar fixo e de nojo das pessoas para o dejeto fedorento que tem nas mãos. Vi ali o que tinha de ver e sigo meu costume de me direcionar para fatos melhores. Lembro dos versos do meu Thiago-poeta “Sábias palavras de pés descalços \ saúdam-me timidamente. \ O esquecimento se foi em pedaços não há mais vida indiferente”² e penso sobre o meu Thiago-amigo: o que o mantém humano é escrever sobre seu primeiro objetivo na vida, que é valorizar o rei das emoções: o amor, para aprender com erros e evoluir.
Mas no fim, interesso-me apenas: O fato do ipê é suas folhas verdes em seu tronco escuro. Seu costume são suas flores.



Em banto, obax anafisa significam flores e pedras preciosas. O texto é minhas flores para você e faço votos de que encontre nele pedras preciosas.

Imagem: Foto de Rubem Leite de um ipê rosa com branco na rua Diamantina, Centro Ipatinga MG.

Escrito entre 13 e 19 de setembro de 2012.

¹ AZEVEDO, Álvares de – Álvares de Azevedo: Poesia / Maria José da Trindade Negrão – 6ª edição – Rio de Janeiro: Agir, 1984. Trechos dos poemas “Por que mentias?” e “Anima Mea”.
² DOMINGUES, Thiago – Soneto Encontrado o blogue foi visitado na tarde de 18 de setembro de 2012: http://palavrasegavetas.blogspot.com.br

Um comentário:

Flávia Frazão disse...

Ana não sabia...
Mas a noiva do Ipê estava lá!
Ela não se afasta um só momento da beleza e encantamento do seu noivo...
Aquela Florzinha rosa do Ipê!