quarta-feira, 26 de maio de 2010

ELEIÇÃO

Rubem Leite – 26-5-10

A presente estória me invadiu a mente quando ia de minha casa para meu trabalho e ouvia a cada vinte ou trinta metros carros berrando “dingous” políticos.


Era uma vez um Chapéu, uma Ferramenta e um Diploma. Um dia os três começaram a discutir com outros dois e cada um falava assim:

- Eu sou o melhor.

- O melhor sou eu.

- Sou eu o melhor.

- Mentira! Eu sou o melhor.

- Falsa! O melhor sou eu.

- Blasfêmia! Sou eu o melhor.

- Mentira! Você não presta! Eu sou o melhor.

- Falsa! Você não presta! Eu sou o melhor.

- Blasfêmia! Você não presta! Eu sou o melhor.

E assim ficaram discutindo sem parar e acrescentaram:

- Eu sou o melhor porque sou Diploma, a inteligência. E ainda faço caridade.

- O melhor sou eu porque sou Ferramenta, quem trabalha.

- Sou eu o melhor porque sou Chapéu – junta as mãozinhas como em prece – Sou do Alto.

E assim discutiram, discutiram e discutiram sem parar e não contentes, acrescentaram:

Façamos assim: Vamos fazer uma eleição!

Com a concordância de todos mobilizaram mais de cento e setenta mil Cédulas para escolherem o preferido. O Chapéu sendo preterido ficou indignado, moveu as forças de Baixo fez um escarcéu e convocou o Martelo da Justiça, que com três marteladas mais ou menos inutilizou cento e setenta mil Cédulas inocentes. O Diploma ficou na dele, só olhando. O Chapéu e a Ferramenta chiaram, gemeram e choraram no Vale do Aço transformando-o em vale de lágrimas. Então o Martelo cantou “Se gritar pega ladrão \ Não fica um meu irmão \ Se gritar pega ladrão \ Não, não fica um \ Se gritar pega \ ladrão \ Não fica um meu irmão \ Se gritar pega ladrão \ Não, não fica um...”¹. Essas palavras mágicas fizeram todos correrem. Mas só o tempinho de se organizarem deixando confusão e gemidos agonizantes no céu.

Ainda insatisfeitos, esses e outros, expulsaram Panfletos que queriam trabalhar honestamente obrigando-os a mendigarem pelas ruas superpulacionado a cidade com seus maltrapilhos, feios e sujos aspectos.

E agora, meu Deus? E agora?

Agora é esperar o fim do ciclo para uma nova era começar de fartura, paz e sem políticos.


¹"Reunião de Bacana" foi composta por Ary do Cavaco (Ary Alves de Souza) em parceria com Bebeto di São João (Carlos Alberto dos Santos), e lançada em 1980 pelo conjunto ExportaSamba, no festival MPB-80, alcançando, desde então, grande sucesso. O disco do Exporta Samba foi produzido por Gabriel O'Meara, guitarrista, ex-integrante da banda de rock O Peso. O Muçum dos Trapalhões tocava e cantava n'Os Originais do Samba. Essa música foi também gravada pelo conjunto Exporta Samba, no início da década de 1980.


terça-feira, 25 de maio de 2010

NOS BRAÇOS DESSA VIOLA

Ipatinga, 25 de maio de 2010


Caríssimo Bruno


Gostei muito, como já era de se esperar do seu texto. Acho correto o sentimento de gratidão com que encerra seu texto. Pois a vida é gratidão e não ingratidão... Mas não é sobre isso que gostaria de falar.

Penso que cedo ou tarde sempre temos que nos voltar para nós mesmos. Quando adolescente, eu me lembro (Isso foi ontem... Uarrarrá!). Eu sentia necessidade desesperada de ser aceito. Era como vi num desses filmes de décadas atrás do EUA (mas por incrível que pareça, tinha alguma qualidade...). Onde havia uma menina que tinha um pássaro preto de estimação. E como ela amava o passarinho. Era seu único companheiro até que foi adotada e na sua nova família conheceu outras crianças. As coleguinhas vendo o passarinho num toco começaram a jogar-lhe pedras... E a menina também. No início, só olhou. Era grande a necessidade de ser aceita. E maior foi a dor que lhe acompanhou depois... Mas o que quero dizer é que cedo ou tarde acabamos voltando para dentro de nós. Alguns no campo. Outros na religião. Mas sempre a sós com Deus. Nem que seja por algum tempinho... Hoje entendo que só se consegue estar a sós com Deus estando em paz com Ele e só ficamos em paz com Ele estando em paz conosco. Um círculo virtuoso. Nestas mal traçadas linhas reconto o que você diz no quarto parágrafo de seu texto homônimo ao meu atual (seu texto e a ilustração de Tiago Costa em meu “Cronto” é que me induziram este).

Hoje pela manhã (são agora, 13:26h) estive caminhando por uma boa hora de minha casa até o Centro da cidade e outra de lá para casa. E no retorno fiquei matutando a ilustração do Tiagão. Foram muitas as idéias que me vieram e o que compartilho com você (esse você significa Bruno, Tiago e quem estiver me lendo) são essas e não precisamente na ordem que me vieram.

Tiago conseguiu ler meu texto e o rescreveu em imagem não repetindo o que eu disse, e sim criando sua própria estória. Tendo o cuidado de não deturpar (ou seja, destruir, estragar) o que eu fiz e sim recriando. Pois é isso que, acredito, o artista faz – Devora e regurgita –. Não repetindo minhas “imagens”, mas utilizando as suas próprias “palavras”. Por exemplo: No texto conto entre outras coisas o aniversário de um menino que questiona o livro e o seu valor... (para entender o que quero dizer com valor recomendo a leitura do referido texto). Pois bem, Tiago teve a sensibilidade de não simplesmente “desenhar” um bolinho e um menino ganhando presentes ou algo assim, e sim retratar o vôo, a leveza, o “suspense” que são os livros na vida de alguém. Eu não sabia o que poderia vir a sair e ele superou minhas expectativas. Senti-me enlevado.


Para ver a ilustração de Tiago Costa e ler meu Cronto (ambos na coluna Cronista de 5ª da semana passada) assim como o texto de Bruno Grossi (na coluna Na Prancheta de hoje) acesse www.notaindependente.com.br

Rubem Leite.

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Tiago Costa

Espero que goste do presente.


Do céu chove livros

Guarda-chuva apara arte

’mizade não para.


SEMELHANTES

Rubem Leite – madrugada de 21-5-10

Ofereço como presente de aniversário aos meus queridos

Sinésio Bina, Raquel Fraccaroli, Rodrigo Davila, Júnior Pinheiro.


- Bom dia, Cam. Veio me visitar?

Em cima das revistas, na prateleira de baixo, é um dos lugares que ela gosta de se aninhar. Com seu pêlo cor de hábito carmelita ela olha para mim e com seu focinho esbranquiçado me sorri. Não sei... Dizem que o homem é o único animal que sorri, mas para mim têm alguns outros que parecem sorrir... Cam é a que mais gosta de me acompanhar. Ir sempre para onde vou. A única que sempre faz questão de dormir no meu quarto. E a única que parece sorrir sapeca quando lhe chamo a atenção e, quando não me derreto, sua cabecinha miúda (para seu corpo grande) abaixa triste. Enquanto falo tudo isso e antes de terminar minhas palavras Cam sai do ninho improvisado e sobe na minha cama, bem onde ficariam meus pés. Pressiona o lugar onde está e com seu peso médio inexistente de cão-fantasma afofa o local. Seu calorzinho agradável inexistente de cão-fantasma me aquece. Ela se torna invisível. Mas sinto seu olhar amorosamente apaixonado e seu sorriso sapeca para mim.

Ando pelas ruas remoendo certo pseudo agente cultural que grita feito “louca no cio” por não ter nada a dizer e se passando por “engajado”. Tão absorto que nem presto atenção ao caminhão que em alta velocidade passa raspando ao meio fio da esquina onde eu já tinha um pé no asfalto quando algo me puxa para trás.

- O quê?

Assustado, olho para o caminhão que se afasta.

Espantado, olho para quem me puxara e nada vejo. Ouço latido no nada.

Penso um instante que é verdade que mente atribulada atrai tribulações. Relaxo-me então respirando fundo visualizando uma luz dourada me preenchendo e formando uma dourada aura suave como a lua cheia e só então volto a andar, mais tranqüilo dessa vez.

- Mãe! A Cam me ajudou hoje e...

- Isso é coisa do demônio, Benito. Vou chamar o “Pasdre” para exorcizar.

- Pelo amor de Deus, mãe! Tudo é o diabo? Só mesmo a Regressão Antipática Caquética para ficar adorando-o.

- Respeite a Igreja! São essas suas poesias que te fazem blasfemo. Arte é coisa malig...

- Tá, mãe! Obrigado! Vou sair.

- Únfi!

O sol já ia embora, talvez para se recolher no seu sono de beleza... Estamos, eu e você, andando pela Avenida Itália, no bairro Cariru. Ela tem um grande pedaço margeado por uma mata ladeada pelo Rio Doce e com vista para a Zona da Mata. Tem postes que se alimentam de sol durante o dia e à noite iluminam a pista utilizada por pedestres corredores. Reflito sobre minha mãe. Por que ela tanto briga comigo? Será verdade que semelhante atrai semelhante? Acho que sim... Afinal toda vez que me deixo levar pela raiva, e somente nas ocasiões em que me deixo irritar, a pele de minha mão direita começa a coçar, avermelhar e doer aproximadamente uma ou duas horas depois. Então... Minhas reflexões são interrompidas

- Parado aí! É um assalto. – Fala um rapaz. Mais ou menos da minha idade.

- Quê?

- Passa logo o que tem. – Completa o outro jovem. Fala me dando um empurrão.

Um rosnado esganiçado e um grito do primeiro garoto. Ambos olham assustados para a minha surpresa. Agora ouvimos o latido fino da Cam. O rapaz que foi mordido chama o colega pedindo para irem embora

– Tem estranho nele. Ele deve ter parte com Deus ou com o diabo. Simbora.

Sorrindo, volto para a casa. Realmente, “existem mais coisas entre o céu e a terra do que sonha nossa vã filosofia”.


terça-feira, 18 de maio de 2010

ÍNTIMO

Rubem Leite

14-18/5/10

Escrevendo ora ouvindo o cd Lual, de Nando Reis & Os Infernais,

e ora sob o silêncio

eu ofereço aos aniversariantes:

Neuili Mª Macedo Leite, Rosangela Sulidade,

Maxtenios Cara e Léo Coessens.


A camisa velha tinha o vermelho virado rosa com desenho de um imenso R xadrez descascando. Sua saia verde na moda de anos atrás. – “Dispensar por que, se moda vai e volta?”. – Bonita, apesar de assalariada. Mais um pouco e seria mendiga. Ou deveria dizer um pouco menos? Depois de horas escolheu o que podia. Era um dia especial.

Seguindo um recurso literário talvez em moda – como saber, se moda vem a vai? – comecei a estória pelo meio e agora vou para o início.

Era meio de uma tarde fria para os consumidores. Para os trabalhadores do shopping já era dois terços de um turno. E para um segurança, um deles em especial, um turno infernal (É! Só assim para um trabalhador qualquer ser alguém especial... Quando o dia está, na melhor das hipóteses, apenas um inferno). Beth, nossa protagonista, desceu de sua bicicleta, prendeu a coisinha branca, suja, arranhada na portaria número três quando chegou o segurança, nosso antagonista, impedindo furiosamente educado para não fazer. Discussão. Junto com público mais dois seguranças que arrancam educadamente a bicicleta do lugar e a levam para outro canto, afastado dos ricos olhos consumidores. Enquanto ela não entra, eles não se vão. Calada Beth entra. Sai por outra portaria, vai até a bicicleta, procura alguma coisa no chão. Achou. Custou, mas achou. Por sorte ou azar, achou. Desprende a coitada e volta discretamente para onde tudo começou. Observa. Gira em torno de si e ninguém. Dá outra volta em sentido contrário e ninguém perigoso. Fixa discretamente os parafusos que tirara antes de soltar a velhinha e a prende. Entra, compra e volta. A bicicleta continua no lugar. Sorri sarcasticamente e pensa na diferença entre sarcasmo e ironia. Que isso tem a ver com a estória? Nada. Ela apenas associou algumas idéias e eu a reproduzo. Sorrindo com o presente na bolsa. Hoje é um dia especial. Sete anos! Entra no shopping procurando o segurança. Aquele que a afrontara. Chique, não? Afrontara! Pensa ironicamente “Afrontara-me... Palavra elegante utilizada” – não usada, faz o favor, u-ti-li-za-da – “por quem pode. Qual a diferença entre sarcasmo e ironia”? Volta à associação de idéias enquanto circula e circula e circula, quase desistindo, encontra o segurança na sua calça e paletó (aberto) azuis marinho, camisa azul claro e gravata azul guei, digo, celeste. Ele estava conversando com a moça do “Café Brasil é Paris”. Primeiras falas de nossa estória:

- Ei! Estava te procurando.

- Quem é a senhora.

Que ódio sentiu do descaso, mas continua – Sabe minha bicicleta? – Ele mexe discretamente – Voltei para o lugar. Quero ver o senhor tirar. – Fala desafiadora, mas a cara de raiva do segurança assusta Beth que contorna – Se não tirar lhe dou R$10,00.

- Se eu tirar lhe dou R$100,00.

- Não acredito que o senhor tenha todo esse dinheiro.

- Pois tenho. Recebo R$1.800,00.

R$1.800,00 dele contra os R$510,00 dela é muuuita coisa. Bem! É verdade que é melhor do que o de muita gente. Vão, e com as mãos arranca o parafuso. Beth perdeu, mas ganhou. Volta para casa matutando a ida ao shopping, matutando o seu dia, matutando a vida. Esquenta o jantar pensando “Hoje eu quero me regalar” e come feijão com bastante alho, farofa, rúcula – “Realmente! Yo soy chique.” –, bife e arroz. Arruma uma mesa não querendo pensar no segurança – “Mas ele até que é bonitão... E que coisa faríamos hoje... A sós... Não hoje! Hoje é o dia do meu filhinho. Sete anos.”. Leva o prato bem feito para a mesa, liga o rádio pensando no aparelho de cd que viu na loja, pega um livro, senta, come, lê, come, lê, pega seu dicionário e descobre que ironia é o contrário do que se pensa ou sente e é utilizada para criticar ou zombar alguém. Raramente pode ser usada para elogiar ou engrandecer o outro. Já sarcasmo é a zombaria mordaz, ou seja, cruel ou picante. – “Mas chega de pensar nessas coisas”.

- Demorou filhinho. Está na hora de cantarmos o parabéns, né? Não fique triste amorzinho por ninguém ter vindo. É que hoje é quinta-feira... e ... e todos estão ocupados. Mas nós dois somos o suficiente. Só eu e você. Papai não veio, mas telefonou lá para o serviço pedindo para dar-lhe o parabéns e vai mandar entregar o seu presente. – Mente. – Ele não te abandou, filhinho. Foi a mim. Não agüentava me ver sofrendo... Disse que eu estava ficando louca... Mas eu não... EU NÃO SOU LOUCA. Você curou, né filhinho? Você curou! Mas isso não é conversa para agora. ... “Parabéns pra você nesta data querida. Muitas felicidades. Muitos anos de vida”. Faz um pedido e sopra, queridinho. – Então ela sopra a velinha. – Olha o que mamãe comprou para você. – Ela rasga o embrulho – Gostou? – Vendo o olhar do filhinho – É! Custou caro, mas você merece, filhinho. Só se faz sete anos uma vez na vida. – Ela corta duas fatias do bolinho que fizera ontem e põe uma diante da cadeira à sua frente e come o outro pedaço. – Está gostoso, né?


domingo, 16 de maio de 2010

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Farroupilha - Concurso Nacional de Contos de Humor

Aqui é Didi, do Grupo Farroupilha, tudo bem?
Por aqui estamos todos bem e cheios de boas expectativas.
Estamos comemorando 15 anos de atividades artísticas e, dentre as ações comemorativas, está oConcurso Nacional de Contos de Humor. Aberto para escritores de todo o país, o concurso premiará 03 (três) contos, que também servirão de base para a criação do novo espetáculo do Farroupilha. As inscrições estão abertas até 30 de junho de 2010.

Para participar clic no link e baixe o regulamento, ficha de inscrição e liberação do autorwww.grupofarroupilha.com.br

Estamos aguardando sua participação!

Grande abraço.

Didi Peres

Cordenador de comunicação

Grupo Farroupilha

31-38235614 - 87384435

Teatro Circu-Lar Farroupilha

Av. Londrina, 180, veneza II

CEP:35164 -291- Ipatinga/MG

www.grupofarroupilha.com.br




É MUITO FEIO PRA SER ENFEITE

Rubem Leite

08-12/5/10


Escrevo ouvindo Fita Amarela, na voz de Silvo Caldas

e Vapor Barato, nas vozes de Gal Costa e Zeca Baleiro.

E ofereço a Daniel Viana e Cia Bruta de Teatro.

E à aniversariante Lucília Profiro


À gameleira verde, especialmente verde, o capim de ribanceira verdeja com gosto.

Sento-me com as costas apoiada na árvore, pego um raminho do capim e o mordisco. Levei algo para comer e um livro chamado “Poesia de Bolso”, vol. 04 editado pelo CLESI. O vento sopra agradável. Leio os poemas de Gabriel Nascente. Dou uma cochilada. Acordo e como um sanduíche (pão de centeio e queijo minas). Leio os poemas de Rui Barreto. Cochilo com a brisa e quando acordo como pão com soja, mel e queijo, bebo parte do suquinho e volto a ler, dessa vez os poemas de Valéria Amaral. Ontem eu li Carlos Cavalcanti, César Cardoso e acho que amanhã lerei Mª Helena Moreira, Marcelo Maccaferri e Lígia Porto concluindo assim o livro. Por hora, enquanto leio, cochilo e como as frutas que levei,

Paf

...

...

Paf

...

...

Água

...

Sal

...

Água

...

Sal

...

Lágrima

...

Lágrima é só

...

Lágrima é só água e sal

...

Espinho!

Ó espinho!

Não me machuque

Eu sou sua flor

Lágrima é só água e sal

E eu sou sua flor

Espinho não machuca a flor

O vidente se fez cego

E o corpo cego se enrola em fitas

O lago alumínio brilha com velas boiantes

E eu danço com todas as cores

Eu sou poeta das cores

Mas só o preto me possui

Junto com um vento crescente, o balançar dos galhos da gameleira e os raios de sol que prometem ser de despedida, ouço o patear de um cavalo que me acorda. Preto. Completamente preto. Nenhuma outra cor. Não! Sua crina... Seus olhos... Seu focinho... Não são negros. Sua crina, branca?! Amarela?! Verde?! Seus olhos, vermelhos. Com certeza, vermelhos. Seu focinho... Seu focinho. Parece não ter cor. Parece ser fogo. Não estar em chamas e sim ser o próprio fogo. Não é isso... Não consigo descrever. Sobre o garanhão um cavaleiro alto – agigantado por eu estar sentado e ele montado –, magérrimo, branquíssimo – não albino –, longos cabelos pretos cobrem as orelhas impossibilitando vê-las ou mesmo vislumbrá-las, olhos azuis, finos lábios vermelhos, nariz longo e fino, mão imensas – palmas amplas e dedos longuíssimos –, grandes pés – é o que as botas de couro escuríssimo e canos altos sugerem –, toda a roupa é tão preta quanto o cavalo; não dando para distinguir um do outro. É um homem feio. Charmoso, másculo, imponente. Mas feio. Um segundo, se tanto, durou sua chegada e minhas observações. Meu cérebro assimilou, como se o observasse um dia todo. Nada fala. Nada falo. Só nos olhamos. Os três. Eu, o cavalo e o cavaleiro. Um segundo. Um minuto. Dez e ele desce. Suas roupas se apartam do cavalo, parece, como um elástico se esticando – ampliando, não se separando –. O vento mudo me esfria. Sempre e continuamente nossos olhos se tocam. Os meus, os do cavalo e os do cavaleiro. Nada falamos. Ele estende sua mão esquerda, pego e ele me levanta. Nossos olhos se olham. Seus azuis deprimem os meus castanhos. Ele sobe no cavalo. Monto também. Nenhum olhar se encontra. O cavalo olha para frente. Eu olho para frente. Ele, mais alto que eu, atrás de mim, olha para frente. Uma só visão para todos, em todos. Sua roupa me absorve. Minha pele quente encosta na dele, gelada. Seu frio por fora me esquenta por dentro. Meu calor por fora o esfria por dentro. Sua tensão relaxa. Os três – eu, o cavalo e o cavaleiro – ficamos um. Um só ser. Seus/meus cabelos esvoaçam e vejo suas/minhas orelhas. Pontudas. Seus/meus dentes imensos, abundantes, finos rasgam minha/sua pele. Minha/sua carne o/me alimenta. Minha/sua dor me/lhe dá prazer. A parte minha do corpo desfalece. Sua parte do corpo me ampara. Agora somos um. Meu sangue circula nele e ele circula em mim. Dei minha carne e ele se deu.

Agora é você. Dê-nos sua carne e nós nos damos a você. Venha ser um conosco e com o garanhão como ele, o garanhão e eu somos um.

À gameleira verde, especialmente verde, o capim de ribanceira verdeja com gosto.


terça-feira, 11 de maio de 2010

CINE DOCUMENTA

Revista Cultural NOTA INDEPENDENTE

:: FOLLOW! ::
Toda Segunda-feira abordagens e dicas relacionadas à Moda, Tendências e Contemporaneidade.
Por Paula Salerno

:: NA PRANCHETA ::
Toda Terça-feira um bate papo sobre Ilustração, Arte Música e Literatura
Por Bruno Grossi

:: EU NÃO SABIA... ::
Toda quarta-feira um texto com pequenas descobertas...
Por Diane Mazzoni

:: CRONISTA DE 5ª ::
Toda Quinta-feira crônicas e contos diversos.
Por Rubem Leite

:: MINEIRANDO ::
Toda Sexta-feira comentários sobre a arte e a cultura de Minas Gerais.
Por Marina Mazzoni

quarta-feira, 5 de maio de 2010

O CRUZEIRENSE E AS UVAS

Rubem Leite – 04-5-10

Ofereço ao meus sobrinho, Atleticano, Pedro H.P. Leite, que aniversaria hoje.

La Fontaine era um homem desorganizado e boêmio. Foi também poeta e, como se tornou melhor conhecido, fabulista francês. Morreu em 1.695. Suas obras são um pouco pessimistas onde muitas vezes o fraco paga pelo forte. Dentre suas inúmeras fábulas uma das mais curiosas e, penso, profética foi “A raposa e as uvas” que repasso a seguir numa visão/versão atualizada.

Sob um belíssimo por do sol uma parreira e dentre seus frutos um cacho se destacou. As mais roxas, num brilho destacado pelo poente, o aroma... huuuuum que cheirinho, nada melhor para as narinas sensíveis. Que aparência. Que odor. Realmente, só pode ser saborosa, deliciosa. Inigualável. Um rapaz, sob o peito na camisa azul, uma pequena constelação, cantarolava quando de repente viu a parreira e sob ela o cacho fabuloso, perfumoso, com jeito saboroso.

- Que vejo? Um cacho de uvas lindo, cheiroso, gostoso.

E tentou de todos os modos e jeitos e possibilidades pegar as uvas. E nada. Jogou pedra. E nada. Deu pulinhos. E nada. Não conseguiu experimentar, saborear, degustar as uvas do cacho. Então, depois de muitas e muitas tentativas, desistiu dizendo

- Estavam verdes.

E foi embora falando daquilo que quando ganha comemora como melhor coisa do mundo, mas quando perde é porcaria...


segunda-feira, 3 de maio de 2010

lançamento livro: CAIXA DE DESEJOS


Olá, pessoal!

É um prazer tê-los como leitores de um dos meus espaços literários (Canastra de Contos, Ficção de Gaveta e/ou Sobrecapa).

No próximo dia 11 de maio, às 19h, na Livraria Argumento do Leblon (RJ), lançarei meu livro juvenil, Caixa de Desejos.

Também estarei na Bienal do Livro de Minas, em Belo Horizonte, dia 15, às 14h.

Segue o convite. Se estiverem no Rio ou BH, ficaria muito feliz de tê-los me ajudando a abrir essa caixa mágica.

Podem ajudar a espalhar a notícia.

Importantíssimo: a promoção da quinzena do site Sobrecapa é do meu livro. E serão 3 (três) exemplares, com direito a um brinde especial.

Um grande abraço,

Ana Cristina Melo
http://www.sobrecapa.com.br
http://canastradecontos.blogspot.com
http://ficcaodegaveta.blogspot.com


PLANTEI UMA ÁRVORE NA ESTRADA

Rubem Leite

Ofereço a Genaina N. Rodrigues, Ogasawara A. Fernando, Juliano Fernandes como presente de aniversário.


, está plantada na estrada, uma goiabeira, eu mesmo só comi uma única goiabinha. Não fico triste não, por não comê-las, pois senão a teria plantado no meu quintal. O que me contenta é ver a festa da passarada. Como fico feliz ao ver pessoas debaixo de seus galhos olhando para cima, escolhendo a que quer, pegando e comê-las enquanto vão embora... E eu fico olhando a pessoa até perdê-la de vista. Aí olho para a árvore e a minha cara mostra minha cabeça. Aí entro para casa e até a próxima vez que vir aqui fora me mantenho com essa sensação. Espero ter respondido sua pergunta: Que sou. É que não tenho mais nada para dizer, minha vida é só isso. Bem, então inté. Quê? Ah! É prá falar sobre a vez que comi da goiabeira? Foi bão. Ela era vermeinha, cheirosa e