terça-feira, 23 de novembro de 2010

EM TRÂNSITO

Escrito entre 20 a 23 de novembro de 2010.

Ofereço como presente de aniversário a

Nanda Sales, Coyote Wanderley Barros, Edilaine Peres.


JÚLIO

Eu sou Júlio. Estou no ponto de ônibus quando penso na frase “aquilo não era vida, não era gente, mas algo que existia apenas ‘por formalidade’.”, de Anton Tchekhov, no conto Em Serviço.

Sábado pela manhã a funcionária da ótica na rua Ouro Preto lava a calçada. Chinelinhos, calça preta até o joelho, camisa vermelha com laço na cintura e o nome da loja, branca e cabelos castanhos escuros, rabo cotó de cavalo. Ensaboa, esfrega e chega a colega, negra, mesmo uniforme, com balde d’água que despeja enxaguando. A rua vai aumentando seu fluxo. Carros, ônibus, motos, bicicletas, pedestres. Outra loja abre e a ótica continua limpeza.

- Só mais um balde, tá.

O tá é uma pergunta, uma afirmação ou uma interjeição? E isso importa? Ela continua a limpeza para abrir a loja, sorrir para os que chegam e se vão. E o fluxo na rua aumenta. Outro ponto se abre. Escuto sua porta rolante subir. O balde chega para finalizar a limpeza. Um cara passa falando no celular

- Como posso entrar se o portão tá fechado? ... Ah Tá! ... – Ri. – Menino, nem te conto. Falou isso para mim ... É!...

Desaparece. E a maioria das lojas continua fechada. O fluxo se estagna. Uma mulher alisa o cabelo andando. Calça dins preta e blusa verde abacate. Da Diamantina, no cruzamento, uma loura magrela num vestido roxo com listas verticais pretas alisa os cabelos e some. O fluxo diminui. O dia nublado está super quente. Outra funcionária – sabe-se pelo uniforme – de alguma loja caminha apressada a sua cara fechada. E as pessoas transitam. Uma senhora atravessa a rua, olha para mim e sorri.

Penso em Irene.


IRENE

Irene está feliz. Terceiro mês e seu sonho se realizando. O primeiro de sua meia dúzia de filhos. Ou mais. Júlio, seu marido, a beija sorrindo. Então ela divaga: Depois de uma viagem se conheceram quando voltavam, marcaram um encontro, dormiram juntos e agora, futuros pais.

Ele quis entrar na vida dela como entrou em seu apartamento. Irene é vizinha de um desempregado chamado Pedro, de uma atriz chamada Laura e de um escritor chamado João. Os três têm Histórias em Preto e Branco. Assim como Irene, como Júlio, como eu, como você, como. Mas eles nem nós não fazemos parte dessa estória...

Então Irene estava feliz.

Agora, 5º mês. Seu sonho se desfez com seu filho que se foi, com seu útero que se foi, com Júlio que se foi quando o bebê e o útero partiram.

Lágrimas.


JÚLIO

O fluxo aumenta. Uma garota arrasta uma bicicleta. Um garoto vai à escola. Ao sábado? Greve só serve para isso. Outra loja se abre e outra. Mais uma. Gente séria. Trabalhadores. Donas de casa, donos da vida, vidas sem donas. Caras fechadas. Rostos sem expressão. Pessoas caminham comendo. Moça de salto alto anda como modelo de passarela que quebrou um salto. Um sorriso passa por mim. Motos, carros, pedestres. Meu ônibus. Saudade da Irene. Entro no ônibus.

Júlio segue e espero que tenha gostado de viajar conosco.

sábado, 13 de novembro de 2010

MANHÃ

Os cachos de acácia após madrugada de chuva se sentem acompanhados pelos frutos do pé de jaca. Unidos, os bambuís acompanham as árvores enquanto sabiás, melros, bem-te-vis e outros entoam cânticos. E o morto segue impassível, soberano, como se não desse conta ou não se importasse com seu velório.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

ANDANDO NA CHUVA

Ofereço como presente de aniversário à

Isac Silva.


Eu, com minha sombrinha vi que

Um pião da usiminas ia para casa de bicicleta com cara de pinto na chuva.

As prostitutas no botequim olhavam tristes para a chuva.

O vendedor da banca de jornais abria desanimado na chuva.

Os idosos na fila do Banco do Brasil esperavam minguado na chuva.

O cachorro gania triste coçando a sarna debaixo da marquise na chuva.

Eu entrei no ônibus.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

POSSO

Sentado no banco diante do lago no Parque Ipanema leio “Os Mujiques”, de Anton Tchekhov. “Tu tu tu tuuuuuuuuuuuuuuuu. Iiiiiiiiiiiiiiiiiiio. Priiiiiiiiiiiiiiiiiuuuii”. Esses e outros pássaros. No píer Tai Chi Chuan. À minha direita no gramado pombos arrulham e namoram. O lago ondeia e patinhos saem para a margem esperando comida de mim, que nada levei. “Pode não, moça” grita longe a vigia para alguém que colhia erva para fazer chá. “Ainda são sete horas da manhã”, chuto. Uma avó conta estória para crianças que a temem e se encantam com o que ela diz. Tudo isso acontecendo e eu precisando de R$50,00 para me inscrever no Curso a Distância.
Sobre o curso veja
Torça por mim.