domingo, 24 de abril de 2022

Ciranda, cirandinha. Estamos todos a cirandar.


Un corazón entero

Donde todos son rotos

Es como huir del entierro

Ser un monstruo

Entre los muertos.


Quase ninguém gosta de mim, o que me dá mais tempo de ficar com meus livros no jardim de minha casa.

Gosto bastante de passar quantas vezes puder olhando por minutos meu minúsculo jardim.

Não há nada lá fora que sobreponha o que tenho dentro.

A gravidade nos leva abaixo,

Mas sigo de pé.

Que me sustenta?

Por quê?


Um coração inteiro

Onde todos são pedaços

É como fugir do enterro

Ser um fracasso

Para os em desterro.


Cale-se

Não te ouço

Eu te falo.

Ouvir deixa louco

Histriônico estalo.


Na multidão

Só veio

Só está

Só ficará

Só sairá.


Vezes esgotado

Sempre desanimado

Nem sempre inanimado

Cem vezes admoestado.

A lutar ainda.


tormenta

venta

(des?)merecido

silêncio

imenso

vencido


Nem tudo é morte

Há o que nos tonifica

Há o que nos mortifica

Nem tudo é vida


Há muitos mares, rios e quedas d'águas agindo e reagindo às agressões humanas.

Há lagos grandes, pequenos também a sua maneira mais tranquila na luta.

Aos descrentes sobrou as poças d'águas a aguentar o sol e as pessoas.

Que sou se ainda luto com desânimo, mas com esperança?


_____

Rubem Leite

Foto do jardim do autor.

Obs.:

Fico muito contente por ter quem goste de mim. Quando falo que poucos gostam não é rechaço aos que tem afeto por mim. Muito pelo contrário. O que digo é que não sou importunando pela falsidade dos interesseiros.

Escrito e trabalhado entre 20 e 24 de abril de 2022.

domingo, 17 de abril de 2022

LECIONAR E ESCREVER ATÉ RESSUSCITAR

O muito mais novo dos irmãos era o mais velho em desânimo. Descia a rua para comprar frutas; passos lentos.

Num cruzamento percebeu indistinto um homem empurrando uma bicicleta e acompanhado de perto por um menino.

Ouviu, do outro lado do cruzamento, a voz de uma mãe:

- Pare na esquina, olha bem pros dois lados e só atravesse se não vier carro.

O pai falou baixo, só pro filho, mas alcançou o caminhante:

- Num para não e nem olhe. Cê tá comigo e tôti cuidano.

O zelo da mulher não confiou no marido. O orgulho do marido desensinou o garotinho.

O dramático dessa história não é que tenha acontecido algum acidente à criança (que bom).

O drama é as picuinhas que mantemos a todo custo, a deformação do filho e o peso no caminhante de mais uma descrença na humanidade.

Ainda caminhando até o mercado paro um instante na rua Peroba em frente a uma casa de lindas flores visível acima do muro.

- Vou te contar umas coisas...

- Huuum. --- Minha bela visão é interrompida por algum amigo.

- Vejo muita gente rindo de você, falando mal de você, aproveitando de você.

- Sei...

- E... Não faz nada?!?

- Alguma dessas pessoas me importa? Gosta de mim? Obrigado! Não gosta? Que bom; não terei que me relacionar com elas.

- Mas... Você está sendo trouxa, bobo.

- Não me incomodando, deixando-me em paz... Está bom para mim.

- Isso não te incomoda?

- O que me incomoda é não está olhando meu jardim, lendo um livro e tomando um vinho com meus cachorrinhos e gatinhos por perto. É isto que está ótimo para mim.

- É que...

- Desculpa. Mas quero comprar umas frutas para poder voltar a minha casa para brincar com meus bichinhos, ler, ver as flores e tomar um vinhozinho. Com licença.

Na minha lentidão, tão doce lentidão a permitir-me ver o que só olhava, continuo tão pequena jornada a mostrar-me grandes coisas. Mesmo não sendo todas boas.

- Oi, professor!

Três de meus estudantes me param e sorrio tranquilo para cada um deles.

- Vai ganhar muitos ovos amanhã?

Fala o do meio e o a sua direita diz:

- Ontem foi um dia triste.

- Mais triste foi o Domingo de Ramos... --- Replico.

- Por quê? --- Pergunta o da esquerda.

- Numa mesma semana a imaturidade humana é mostrada em toda sua ingratidão e servidão aos poderosos. Domingo passado conclamaram "Bendito o que vem em Nome do Senhor"; repetindo o que foi bradado dois mil anos atrás e ontem gritaram "morra, Jesus".

- Mas professor... Ninguém fez isso.

- Fazem isso várias vezes ao dia. Com negros, mulheres, LGBTQI+, pobres, doentes, presos, gordos, magros...

- Mas... Não é a mesma coisa.

- Sim, é. Ele disse que fazer isso aos pequenos é agressão a Ele, pois cada pessoa é seu templo.

O da direita nos diz:

Li que Jesus não morreu por nossos pecados, para nossa santificação. Ele não veio para nos separar do mundo. Cristo veio para ensinar que o mundo (a natureza) e a humanidade são um.

Concordo. Contente por ele está abrindo sua cabeça. O do meio continua:

- Jesus morreu porque lutou contra a direita, contra política, religião, economia que sufoca o povo; onde poucos ficam com muitos e muitos ficam com poucos.

Outro aprendiz de pensante. Gosto disso. E o terceiro acrescenta:

- Domingo será uma festa falsa, pois ainda hoje Jesus é caluniado, blasfemado, preso, torturado e morto. Não por "nossos pecados", mas porque ainda preferimos louvar os poderes no lugar de lutar com Cristo.

Não sorrio porque a Verdade não é disso. É a ilusão a nossa embriaguez. Mas me sinto bem pelos três cérebros funcionais.

A gente se despede e em silêncio cada qual caminha. Eu me aproximo do mercado, compro e volto para casa. Leio um pouco, bebo vinho e preparo um simples almoço pascal sem deixar de ver:

No centro, o morto político (Jesus); de um lado, a ciência (perguntas, dúvidas, pesquisas, estudos, conhecimento); do outro lado, vinho para comemorar cada vitória de quem luta ou sangue dos que morrem por culpa de quem cruza os braços à espera das benesses que os milhões de Cristo conquistaram para todos.

Cérebros não têm paz. Chega do nada a mãe de um dos garotos. E sua voz ébria de ilusão:

- Está escrito na Palavra, a Bíblia. Jesus morreu por nós, nossos pecados e para dar pra gente a vida eterna. Pois o que conta é nossa alma. Sarar, salvar, santificar.

Dos gritos e ofensas que me disse não há necessidade de mostrar. Já sabem ou imaginam. Respondo à mãe:

- Não há discórdia entre nossas ideias. Falei da razão histórica, não teológica. Teologia deixo para os sábios dos templos, uns são cristãos realmente; e até para seus mercantes largo-lhes as palavras. Quando luto é com meu cérebro escudado por livros e empunhando caneta.

Paro a conversa para tomarmos um café com bolo e só depois continuo:

- O Jesus histórico morreu por lutar pelo Povo; pela igualdade, dignidade, verdade e esta é ciência, não mito. E até hoje todos os verdadeiros seguidores d'Ele são mortos.

A mãe se vai. Leio um pouco mais e durmo.

Amanheceu um lindo dia nublado. Permitindo-me ver as flores em suas cores naturais, resis.

É o primeiro Domingo de Páscoa. Dia de pensar nas ações a realizar enquanto professor e escritor.

Cristo há de ressuscitar.


_____

Rubem Leite

Fotos do autor.

Escrito no correr da semana passada e hoje (17/4/22) trabalhado.

domingo, 10 de abril de 2022

CUIDO DE QUEM GOSTO. EU ME GOSTO

Quem golpeia

E o golpeado

São duas gotas de orvalho

Juntas se evaporam ao sol da manhã.

(Monje Riocam).


A noite avançava enquanto pulou a janela de meu quarto, engatinhou-se em minha cama, deitou ao meu lado roçou seu corpo no meu. O que veio depois é desnecessário dizer que me afastei de seu corpo. Não quero nada além do sossego a perder se deixasse acontecer.

O vermelho alaranjado do sol iluminou a manhã em meu quarto. Alguns segundos encatados e levanto-me.

Café forte e leite semidesnatado. A sós.

Faço o café

Silêncio é minha música

Não me interessa o muito

Basta-me as flores no pé.

Olhando para cima um céu triangular; azul com poucas nuvens. A minha frente um pé de morro, a direita um oiti e a esquerda meu telhado.

Junta-se a mim, mas ouço as maritacas.

Ontem foi outro dia sem tomar seus remédios para beber cerveja e cerveja e mais cerveja.

Em casa vomita, toma banho, come, vomita e dorme. Vou para o outro quarto.

Não para de verbear e ouço o cachorrinho brincando, os grilos e pássaros.

"Quando a gente gosta é claro que a gente cuida. Diz que me ama, mas é da boca pra fora"*.

Entro em casa, troco minhas roupas para uma conversa sobre educação, cultura e arte no outro lado de Timóteo.

- Enquanto tiver gente dormindo na rua e procurando comida no lixo vou falar de política.

- Prefiro fazer melhor. Prefiro dar assistência.

- Trabalhar duro para que a fome acabe é fundamental. Daí a assistência ser uma boa medida. Mas se assistência é caridade...

- O que tem a caridade?

- Caridade é má, mas denunciar como denuncio em meus trabalhos literários ou esclarecer a meus estudantes as injustiças são, assim creio, excelentes medidas de luta. Solidariedade sim, caridade não. Falar como as caridosas pessoas de direita é perda de tempo. É dizer-lhes que tem que pescar seu próprio peixe sem lhes dá materiais e condições para a pesca.

- E porque razão isso não é bom. A meritocraci...

- Dar assistência, ou seja, um peixe por mês... é inútil. Dar o peixe e depois de saciado ensinar a fazer o material para pescar, ensinar a pescar e ensinar a preparar o peixe... Isso sim é falar de política, pois não é a fala vazia dos caridosos. Ir aonde estão os que sofrem a desigualdade social para atuar com eles e junto deles no combate à miséria é o significado do escritor, dos artistas e professores falarem de política. Lindas palavras vãs é coisa de políticos.  Nossas falas são ações. 

Em casa, móveis quebrados e um corpo dormindo. Corpo; não alma.

Arrumo o que posso da casa.

Contenho a vontade e não piso no corpo vazio no piso.

Arrumo as malas para que vá ao amanhecer.

Em minha cabeça escuto "é essa a sua fala política?".

À voz:

- Minha fala é cuidar, ensinar, acompanhar quem caminha.



Rubem Leite

* Música Sozinho.

Escrito entre 05 e 09 de abril de 2022.

domingo, 3 de abril de 2022

A ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA¹

Hormiga maldita. El artista cigarra cantaba limpiando tu sufrimiento, tu cansancio. Y ahora que el artista te necesita tú le niega suministro. Pues bien. Tú comes y ti amargas con tu alimento que perdura hasta el calentamiento y… acaba. El artista hambriento lleva el mismo dolor del pueblo. Sin embargo, lo cambia a – fuerza, esperanza y lucha – cantos de encantos. Mientras tu corazón solo lamentas.

 

Na casa e terreno onde moro há aranhas, pássaros, árvores, matos, flores...

Tem uma planta que uma semana dá flor rosa e na outra, branca.


Pra que ir pra rua se a gostosura está aqui. Ficar “de cocado” espiando as flores, o vento nos galhos, as borboletas, beija-flores. Se quem ou o que é de fora:

Nas sombras do meio da névoa não vi nenhuma cara.

Vi:

Era uma vez um pastor de nome Milton Rameiro. Terrivelmente evangélico. Um belo dia foi até ele o presidente de uma nação sem noção e lhe ofereceu barras de ouro se provasse o quão terrível era:

- Universidade é para poucos. Mas não só isso. Ficarei vinte meses enterrado e sairei vivo.

Passado o tempo estipulado desenterram o pastor da educação. Este não se preocupou em respirar, beber água ou comer. Terrível era seu poder. Saiu do sepulcro gritando:

- Cadê as barras de ouro?!?

Vi:

O pum do palhaço é talco. Na cabeça da Rerreginha Senharte tem algo?

Coração de professor é carne sangrenta e do artista, alma.

O “coração de ouro” do pastor, Rameiro da Educação, é farsante. E da cultura, o secretário canastrão, Fria’alma.

Vi:

- Ai, amiga! – Beijinhos no rosto. – Estou tão angustiada...

- Que foi, amiga?

Afasta a outra para ver a cara da amiga.

- Você sabe que eu costumava abastecer minha casa de víveres no Rabbit Deenny’s desde que o dono do “grande surface” se tornou deputado defensor das famílias e da moral...

- Sei... Mas o que tem?!?

- É que agora tem em tudo quanto é lugar.

- Óóóh!

- E você sabe o que dá em tudo quanto é lugar, né?

- Sei, amiga. Pobre.

Em lágrimas:

- Não poderei mais mandar minhas serviçais fazer as compras lá.

E recebe um abraço solidário pra passar por mais essa provação.

Vi:

O homem de quem compro ração trazer-me o alimento de meus bichos e tremer de medo quando chamei a cachorrinha Iemanjá. Não se assustou com Florbela, a brava; Pessoa, o brincalhão; Plur, no seu cantinho; Neno, homenagem a Nena de Castro.

- Fala isso não! – Diz trêmulo e com a mão no peito arfante.

- Iemanjá?!?

- Não invoque o diabo.

- É só um nome mitológico. Como poderia ser Zeus, se fosse macho.

- Zeus é mito. Aquela é diabo...

Meu silêncio lhe olha.

- É que não entendo nada dessas coisas.

- Então seria bom entender, né? Conhecer para compreender. Saber para ter o que dizer.

- Sei não... Sangue de galinha degolada... Cabeça de bode...

- E o Sangue de Jesus nas missas e cultos?

- Não sei não.

- Eu sei sim.

Vi:

O frio do seu olhar congelar meu coração. A aspereza de suas palavras endurecer meu coração.

Mas o voo das borboletas, o canto do vento co’as árvores; estes fazem bem ao meu coração.

 

 

Rubem Leite

 

¹ Maria Maria, de Milton Nascimento.

 

Escrito entre 29 de março e 03 de abril, mas pensado desde muito antes disso.