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segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

MENTES PERTURBANDAS NO PLANETA PESADELO

 "Temos de ser cruéis. Temos de recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis. Que sorte para os ditadores que os homens não pensam"¹.


As quatro da manhã eu com manha no ainda escuro. Minutos depois, o Sol. E eu sem manha para enganar a mim e a outros...

Desânimo; levanto-me, faço café, limpo a casa. - Pra quê? Dez minutos depois parece que meu irmão bailou na cozinha com pés enlameados.

Olhos fatigados, válvula propussora desanimada e hora de ir ao trabalho.

A chuva branda deixa escorregadio o pátio cinza amarronzado da escola.

Os olhos, como nuvens, molham o rosto pálido esverdeado do professor.

A chuva tranquiliza o céu. As lágrimas escoam a tristeza.

Alunos que não fazem atividades; não se interessam em ser mais eles. Contentam-se em ser mais um grão do barro: sem vez, sem voz. Cobranças administrativas para agilizar o não funcional.

Pelo celular leio o discurso da vereadora Karla Coser (Vitória ES) e pensossinto:

Um pai militar, fanático por Boçalnato, aprecia-dor de brigas de galos, estudante - talvez praticante - do nazismo - possivelmente também do fascismo - ensinou seu filho desde tenra infância a atirar, dirigir sem habilitação, sua "superioridade", a ler Minha Luta, de Hitler, a ler a Bíblia, a não ler Machado de Assis, Victor Hugo, Dostoievski, Cervantes, Shakespeare, Marx, Paulo Freire...

Aos quatorze anos o garoto começou a planejar ataque terrorista - será que ele já sabia que era terrorismo ou só pensou no 'quão divertido seria' ou em 'quanta justiça haveria'? -. Aos dezesseis se traja de preto, calça camuflada, suástica no braço direito, pega as duas armas e o carro do pai, sai de casa, vai a uma escola, a mais perto de sua casa, e em seguida vai a sua exescola. Em ambas deixa mortos, feridos, traumatizados. Em Aracruz, no Espírito Santo, no Brasil ficam milhares de confusos, de amedrontados.

Depois de seu grande (de)feito vai pra casa, estaciona o carro na garagem, recarrega as armas e as põe no lugar, retira a suástica montada com fitas vermelhas e almoça em paz com seus pais.

Onde estou as aulas do dia ainda não começaram, mas já há excesso de vozes. Muitas em minha cabeça: lar, extermínio, escola... Outras tantas do professorado. Saio uns três passos da sala dos professores e volto a uns trechos do discurso de Coser: "O ódio, a exaltação às armas livremente, a normalização de símbolos nazistas são base pra esse crime que aconteceu em Aracruz. Quem apertou o gatilho junto? Essa pergunta é pra toda sociedade refletir. A questão dos tiroteios nas escolas e das violências cotidianas que professoras e alunos sofrem é muito complexo e não pode ser olhada apenas pela ótica da segurança pública. O diálogo e a construção precisa passar pela educação e pela assistência. Não é simples e, por isso, não existem soluções fáceis.".

Cansado, escoro-me ao lado de um vaso de plantas fora da sala dos professores.

_ Por que está aqui fora?

_ Gosto de estar próximo das plantas...

_ Elas não falam mal, não ofendem.

Imagino que ela se refere ao como fui tratado pela minha "chefe" dois dias antes. Digo:

_ Plantas são silenciosas. Anseio a sua serenidade, paciência.

A pessoa se vai e sussurro às folhagens:

_ Meu coração se machuca. Dois ou três dias prostrado, cansado. Chuvas e ventanias.

E as plantam me sussurram em resposta:

_ "Minha estrela vai se apagar"². O que tem que brilhar é a escrita de quem veio denunciar, encorajar.


_____

Rubem Leite.


¹ RAVELI, Nicoli. A Mente Perturbanda de Adolf Hitler Através de Trechos do Mein Kampf* Disponível https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/almanaque/a-mente-perturbada-de-adolf-hitler-atraves-de-5-trechos-do-mein-kampf.phtml Acesso 05 Dez 2022. * Minha Luta, em português.

² Música "Planeta Sonho", composição de Flávio Venturini, Márcio Borges, Vermelho.


Imagem: foto tirada a meu pedido por Pedro Henrique.


Escrito e trabalhado entre 16 de novembro e 05 de dezembro de 2022.

domingo, 23 de outubro de 2022

ENTÃO APENAS DIGO

_ ... Não fique preocupado, professor.

_ Não estou preocupado. Estou é estressado. Eu me incomodo muito mais com a mau que sou do que com o mau que os outros são.
Um segundo olhando-a nos olhos conta essa historinha¹:
- Jesus, você é bom.
- Sou não.
-É bom sim, Jesus.
- Só o Pai é bom.

Olha-me como se dissesse a mim: "você não pratica religião e fala de Deus". O que sei é "Deus e religião são totalmente diferentes". Nada iria dizer, mas ela acrescenta:
_ Ânimo! A gente pode mudar o mundo.
_ Queria dizer sobre o professorado: É uma missão mais que profissão, mas não nos veem nem como trabalhadores. Que temos o poder de mudar o mundo, mas somos impedidos de instruir a maioria dos estudantes. Que somos a elite intelectual da cidade, mas tem até quem vota no Boçalnato. Que somos respeitados e amados, mas só gostam de nós enquanto dizemos o que querem e não os fatos - seja comportamental ou acadêmico. - Pauso um, mas pouco efeito teve minha fala. Só digo então:
_ Peço licença.

Volto pra casa matutando:
Não compreendo o medo que se tem da morte. A vida divide as pessoas em classes ou grupos. "Viver é perigoso", segundo Riobaldo (Grande Sertão: Veredas) e já disseram Lau-Tse, Jorge L. Borges, Schopenhauer e...: A morte iguala a todos.
Em casa, sinto-me um pouco melhor, talvez em paz ao regar meu pequeno jardim, depois tomar banho, beber um drinque admirando a terra ainda molhada, o verde, o amarelo, o branco, o rosa e o vermelho das plantas. Botânico, biólogo, psi-cólogo/quiatra - algum cientista - explicaria a química. Poeta pode explicar o 'anima'. Todavia o meu sentir não explico. Sinto e partilho as sensações.
Cara gente que lê, encerro minhas palavras de hoje sentindo o que penso.
Sentado na cadeira, com os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos seguram a testa. A respiração está descompassada, o estômago a revirar e a cabeça dói. Ele é todo cansaço.
O barulho ao redor diminui e ele levanta a cabeça.
Olha para quem, na sala, ninguém mais vê. Sorrindo o compasso volta à respiração, com os braços faz um ninho para as mãos servirem de travesseiro à cabeça que não mais agoniza.
Ele segura a mão de quem sempre quis e se vão juntos.
Se fosse temer algo seria: Não temo a inexistência. Tenho medo da morte. Esta é a continuidade da tragédia da, aparente, existência. Aquela é o fim da comédia humana.


_____
Rubem Leite.

Escrito entre os dias 18 a 23 de outubro de 2022.

¹ Marcos 10,18.

Foto do autor.

domingo, 2 de outubro de 2022

HÁ DE VINGAR

 

Durante a semana que hoje começou plantarei mudas de jabuticabas, romãs e limão galego. E o céu nublado não é tristeza. É serenidade para refletir. Hoje pode ser um lindo dia se soubermos eleger. Alegria, venha!

Muito falei entre julho de 2018 a junho de 2019 o estranho horror que foi o Nazismo ter como principais apoiadores, diretos ou não, os profissionais da advocacia e os da saúde. E exatamente o mesmo ter acontecido no Brasil no primeiro quarto do século XXI.

Em 2022 se constata que aproximadamente trinta por cento da população continua com ideias fascistas; e a maioria desses nem sabe o que é isso...

Mudando de política para educação.

Semana passada, atipicamente, a diretora, a vice-diretora e uma das duas pedagogas estiveram ausentes. Duas por enfermidade e uma para reunião na Secretaria de Educação.

Aproveitando a sobrecarga:

- O que estão fazendo aí?

- Ah... Nada não professora.

- Raspa fora. - A professora observando que três alunas do nono ano estavam perto do botão de sinal de saída às onze da manhã. - Aqui não é para entrarem sem permissão.

As três então foram de sala em sala:

- Professor, a pedagoga falou para mandar a turma pra quadra.

Foi um caos.

No dia seguinte um professor necessitou voltar para casa ainda na segunda aula por ter adoecido. Não aguentou o descaso dos alunos. E estamos todos - os professores - indo para o mesmo estado.

"Sem luz" é o significado da palavra "a (não, sem) luno (luz)"

Disse acima "mudar de política para educação", mas a verdade é que tudo é política. O que é o comportamento estudantil senão o resultado político de desmonte da educação?

Do ponto de ônibus no bairro Limoeiro, em Timóteo à rodoviária em Coronel Fabriciano e de lá para o ponto de ônibus em Ipatinga muitas pessoas misturavam roupas de diversas religiões e Boçalnato. E nas ruas santinhos separavam a imundície humana, destacando-a e a encobrir a beleza das flores.

Uma das coisas mais amadas por mim é a bandeira do Brasil. O boçalnarismo deixou-me a sequela de, ao vê-la: nos dias que a labirintite me ataca, ter ânsias de vômito e nos outros dias sentir asco. Por Deus, que eu me cure e sinta a paz de seu verde e estrelas; que seu amarelo e em sua "ordem e progresso" retorne o amor.

Um dia depois, segunda-feira:

Observei que ainda sou esperançoso. Achava absurdo um terço da população ser "adepta" à ignorância e ao ódio. Mas constato que, de fato, metade da população é "viciada" no mal.

_____

Autor: Rubem Leite

Imagens: fotos do autor.

02/9/22

domingo, 21 de agosto de 2022

TRABALHO DE SÍSIFO


"Os mergulhos retidos deixam, às vezes, estranhas cãibras":


Acordo mais outro dia, lavo o rosto, faço o café. Misturo com um pouco de leite e me acocoro no meu lugar escolhido de quase sempre.

Ouço galos, pássaros e insetos. Observo as árvores: oiti, mangueira, pé-de-vaca de flores brancas e arbustos de folhas verde-amarelas e outras com variadas flores vermelhas.

Cinco ou seis beija-flores e as plantas fazem a corte.

Vizinhos acordam. À suas histrionias levanto-me e saio pra trabalhar...

A vida tem valor. Quanto você pagará por ela? Tem dinheiro para remédios, Roupas, carros... Tem valor a vida.

O que eu queria era a vida valer por si, por ser vida. O que tenho - essa primeira pessoa do singular representa a primeira do plural - é vida a valer o que se tem.

De volta a casa, no caminho paro num mercadinho:

- Professor, u sinhô votou no B○|$●n@ŕø pra presidente?

- Claro que não.

- Então meus irmão vão ficá contente cunsinhô. Eu votei nele iaté hôji tão cunraiva dimim. Mas fui inganádu.

- Como pode ser enganado se ele nunca escondeu ser corrupto por sonegar impostos, ser racista e tudo mais de ruim?

Sem saber como me responder - eles nunca sabem; conhecimento está acima de suas capacidades - pago o que comprei e retomo meu caminho.

Na minha cabeça: Boçalnato tenta tomar o celular de quem segue seus passos: Wiker Leão, milico expulso do exército, por estar indignado com o - rerrerrê - mito.

Finalmente em casa.

Com um cálice de gin-tônica me sento no jardim. Ouvi o som da água. Era o vento nas árvores do morro perto e nos mais altos. Em seguida o som se elevou ao balançar as árvores próximas à mim. Tocada pelo vento minha pele arrepiou. De não sei onde uma gota caiu em minha face, entre o olho e a bochecha. Flores e folhas dançaram ao vento e quando cansadas repousaram no chão.


_____

Rubem Leite.

Pensado, sentido, vivido e escrito entre os dias 10 e 21 de agosto de 2022.

Citação e foto tirada de um trecho do livro A Queda, de Albert Camus.

domingo, 31 de julho de 2022

PRO-NOMES

 


Pronomes pessoal reto e oblíquo, possessivo e outros.

O mais "importante" e menos bonito é o Eu enquanto o Nós é quase tão "importante", porém como é lindo. E dos possessivos o Nosso ganha dos outros e só não supera o De Todos.

Mas isso, em nossa sociedade, soa ridículo. Vivemos o Mito de Sísifo, tão esclarecido por Albert Camus.


Há quem é ouro ou cobre

Mas nem tudo é nobre

No último dia útil

(Hoje é vinte e nove)

Salário do pobre

Sai nada sutil

Boca aberta corre

A dívida? Cobre

Sua vida, funil.


Quase me sinto Meursault (fala-se Mersô), também de Camus. Praticamente sem emoções a demonstrar; tão ferido estou. E queria, como tal, ser indiferenter ao mundo.

Mas não sou Meursault e sim Benito. Sonhei:


Eu estava indo pra escola, mas passei primeiro na casa do artesão e poeta Kadosh.

A primeira coisa a ver era o belo jardim. Depois uma grande casa simples e com muitos moradores, um longo quintal em declive com árvores e um cristalino riacho atravessando pedras.

Não sei o que aconteceu com minhas roupas; se molhou, se rasgou. Só sei que tive que jogar fora. Até meus óculos entortaram.

E tinha que ir dar aula.

Um me emprestou uma bermuda dins super vinhádu. Outro me emprestou uma camisa que berrava: biiiiiiiiiichaaa.

E saí pelas ruas.

Um grupo de mulheres "cristãs" - de velhas a crianças - riu e as afrontei com uma coragem que nem sei se tenho. Encontrei alunos que me cumprimentaram; uns estranharam, mas nenhum desrespeitou.

Na escola as funcionárias me olham, e como olham. Teve uma que falou alguma coisa, mas dei-lhe um chega pra lá. Até enfiei o dedo no nariz da dita cuja e falei que visto como quiser e se não gostar do que vê que fique cega...

E fui dar as minhas cinco aulas.

Uma de minhas estudantes diz-me:

- Nenhuma pessoa sem noção é mais sem noção quando dá uma de com noção.

Isso enriquece meu pensamento:

A vida é um absurdo.

Diz Albert Camus.

Acorda, sai da cama, limpa-se, alimenta-se, sai pra trabalhar, aguenta muita coisa, volta pra casa, limpa-se, alimenta-se, dorme.

Trinta dias seguidos.

Com o salário compra: roupas para trabalhar, comida para trabalhar, remédios para trabalhar etc. para trabalhar.

E o círculo do absurdo repete doze meses, várias décadas.

Morre. E a morte é absurda.


- O pagamento do piso salarial dos agentes de saúde será pago em julho de 2022 reforça a política permanente de valorização dos servidores públicos de Timóteo. - O vice-prefeito e também secretário de educação declara no "tuíter" da PMT.

- E o piso dos professores? Cadê? - Questionam R.C. e C.F.

Responde o dito secretário de educação e vice-prefeito:

- Já foi pago no mês de maio. - Mente.

- Não! Não recebemos nada. - Contesta Benito. - Só se forem pisadas... Eu, por exemplo, tive foi é pesadelos.

- Professor! Não se cansa?

- Muito mais do que o senhor pensa. Mas professor não é Sísifo nem Meursault.


Porém talvez um dia o Nós e o De Todos seja a sociedade. Mas... Será? Quando?


_____

Rubem Leite

Pensado, trabalhado e escrito entre 25 e 31 de julho de 2022.

Foto do autor: filtro dos sonhos produzido pela artesã Erika Aviles em comemoração a um ano morando em nossas casas em Timóteo MG.

domingo, 24 de julho de 2022

ESTOU NU E NINGUÉM VÊ

 

Desde sempre que existe a humanidade o número de violência (não importa a forma), a quantidade de violências é semelhante à quantidade de pessoas. E hoje é tão banal quanto antes.
A diferença é que não tínhamos acesso a internete para vê-las. E hoje as pessoas podem degustá-la.
Antônio Tabet* disse "Não existe ódio maior que o amor cristão".

**

- Agora tudo é homofobia! Só porque não concordo que duas mulheres se beijam sou homofóbica?
- Sim, é! Por um motivo muito simples. Você não tem que concordar nem discordar com nada que não seja assunto seu ou que não tenha a ver com você.
- Ora essa!
- Já temos problemas demais para ficarmos atentos aos outros.
- Mas acho nojento.
- Então não beije outra mulher, uai! Essa é a única coisa que tem que fazer: cuide-se de si.
- Vamos mudar de assunto. Fico vendo os pretos dizendo que não devemos chamá-los assim.
- É. E negro nem é cor...
- Um - aponto pra mim e continuo a contagem apontando os demais -, dois, três, quatro, cinco, seis. Nenhum negro, mas seis branquelos querendo decidir como os negros devem ser tratados. Continuamos com espírito de casa grande e senzala.

E o silêncio é ferino. E a verdade é:

Qual coisa fiz ou falei que melhorou alguém? Dialoguei, escrevi, encenei peças, dou aulas. Mas o mundo não muda. A sociedade não se sacia. Minhas falam foram, são sombras na escuridão. Estou na contramão.

Quero agradecimento? Para que servem agradecimentos?
"Somos empregados inúteis. Realizamos o que tínhamos que fazer".
Não há mérito, pois fiz o que tinha que fazer e somente isso.
Se quiserem fazer-me postumamente algo então que me plantem uma sibiruna ou árvore frutífera. Cada qual tem o que cuidar em sua vida. Nada de perder seu tempo com quem quer ficar a sós e em silêncio (eu).

_____
Rubem Leite
Pensado e escrito entre os dias 16 e 24 de julho de 2022.
* Antônio Tabet é humorista, roteirista e empresário brasileiro.
** Foto tirada da internete. Marcha pra Jesus no Espírito Santo, ano 2022.

domingo, 17 de julho de 2022

RATANABÁ


Iria-me embora para Ratanabá

Porque aqui sou inimigo do rei

- um boçal sem igual -

Lá teria quem eu quisesse

Na casa que escolhesse

Mas como não é Brasil

Quem escolheria

Tinha que escolher-me também.

A verdade, porém,

Lá e cá

Reciprocidade é rara.


Em Ratanabá

Teria a felicidade que aqui não há

A existência seria aventura

Mas desventura está nos dois lugares

Quem crê é inconsequente

Paz só tem os dementes.


Em Ratanabá teria tudo

Seria outra civilização

Menos antiga que a Terra

Mais antiga que a humanidade


E quando eu estivesse mais triste

Mas triste de não ter jeito

Quando de noite tivesse

Vontade de me matar

Não me esqueceria

Sou inimigo do rei

- o boçal sem igual -

Tal qual aqui não teria

Quem eu queira

Quem me queira


Ratanabá não existe

Como não existe

Cérebro funcional

Na cabeça do rei:

Messias sem milagre

A zombar de quem não respira

A comemorar CPF cancelado

Principalmente dos bem mais velhos

E cujo filhos

- Todos zero

01, 02, 03, 04

E, para o rei boçal,

A menos que zero

A 05 -

Todos educados

A não se casarem

Com negros

A tirar até o último centímetro

Dos povos originários

A surrar

Os meios 'gayzinhos'


Ratanabá não existe

Tal qual Brasil pra toda gente.



Só me consola

Ter aos meus

Olhos, ouvidos, narinas, língua e pele

A fauna, os livros e a flora.

E não preciso fugir pra Ratanabá.


_____

Rubem Leite

O que sinto e penso não sei a quanto tempo escrevi na manhã de 17/7/2022.

Foto do autor.

sábado, 18 de junho de 2022

Inspirado no conto Uma Vela para Dario, de Dalton Trevisan

Por que é que quem te escravizou te deu uma Bíblia. Pensa, pensa.


Em Ipatinga, um elegante e maduro senhor começa a tossir, põe a mão direita sobre o coração, com a esquerda se apoia na parede de uma das lojas na avenida 28 de Abril e lentamente vai escorrendo-se até o chão.

Um jovem com dread nos cabelos o socorre, grita por ajuda. Como ninguém aparece o rapaz vai embora com o coração apertado e a pensar no corte no cabelo que será obrigado a fazer ao entrar pra polícia. O homem não percebe a ausência do celular.

Uma garota se aproxima para ajudar, abre-lhe a camisa para ele poder respirar enquanto os transeuntes passam. E a jovem se junta condoída à massa, pois tem que levar os documentos para registrar seu nome como candidata a vereadora. O homem não percebe a ausência do cordão de ouro.

Uma velhinha de Bíblia na mão vai até ele. Em seu desespero abre a carteira para ver o nome do homem e grita: "u hômi sichama Girvany. Alguém u cunhéci?" E atravessa a avenida a perguntar as pessoas se conhecem o caído. "Ó glória" exclama a cada negativa. O homem não percebe a ausência dos R$500,00 que estava na carteira.

- Gente! A mulher gritou "Girvany"? Eu o conheço. É meu amigo; um irmão.

O amigo se aproxima. "Girvany do céu. Que te aconteceu? Pega seu celular e chama o samu. Quando este chega acompanha o irmão até o UPA. Lá os médicos socorrem o homem, mas chegam tarde. Ninguém percebe o amigo indo embora com a bolsa cheia de livros do falecido. Só se ouve o choro de quem se vai: ooorrorrorrorrórróóó.


_____

Rubem Leite.

domingo, 5 de junho de 2022

ABÓBODA FLORAL

 Foi por aqui que passou para chegar.


Antes de sair via o que vivia.

O governo federal incapacitado, o judiciário submisso. O governo mineiro entrando na justiça para não pagar os professores e o judiciário, submisso. Os municípios de Ipatinga e  Timóteo negando aumentar o salário dos educadores. E este último eliminando dos ônibus os cobradores para dar aos motoristas múltiplas funções: conduzir, guiar quem entra, cobrar a passagem, ver quem sai...

O que a gente é diante do capital?

O que é gente diante do capital?

Em nossas intimidades, pelejas, muitas pelejas.

- Boa tarde, professor!

No supermercado do Limoeiro lhe diz um imenso sorriso que muito o prejudicou. Pego de surpresa não soube reagir e só devolveu o cumprimento.

Nas salas de aula, alunos, mas não estudantes.

- "A, e, o" sempre são vogais, mas "i, u" podem ser vogais ou semivogais. Semivogal é quando sua pronúncia é mais fraca. E duas vogais nunca podem estar na mesma sílaba. Para estarem na mesma sílaba tem que ser vogal e semivogal ou o contrário; formando assim ditongo. Hiato é quando "u, i" tem a força de vogais mesmo estando ao lado de outra vogal, mas em sílabas diferentes.

- Como assim, professor?

- Vejamos os exemplos: "saí e sai", "saúde e saudade". Leiam pausadamente essas palavras, prestando atenção nas pronúncias.

- Sa-í / sai /|\ sa-ú-de / sau-da-de".

- Viram que em "saí e saúde" tanto "a" quanto "í" assim como "a" e "ú" foram pronunciadas separadamente?

- Siiim.

- Pois é. Ocorreram hiatos. Quer dizer, todas elas têm força de vogais. Mas em "sai e saudade" foram pronunciadas juntas, mas o dois "a" foram ditas com bem mais força que "i, u"; isso significa que se tornaram semivogais. Ocorrendo, assim, ditongos. Consegui explicar?

- Siiiim, professor.

Passou os próximos dias fazendo perguntas e dando exercícios sobre os encontros vocálicos e eles quase sempre acertando para errarem na prova que, diga-se de passagem, foi muito fácil. Erraram mais por terem pouco ânimo de interpretar os enunciados.

Em casa, ouve as brigas dos vizinhos da frente e as dos vizinhos de trás.

Em casa, pelejas. Seu filho sempre recusando tomar seus medicamentos, bebendo bastante e até a cheirar Paracetamol desfeito a pó.

Em casa, gritos na frente, dentro e atrás. Gritos, gritos e gritos.

E foi assim que atravessou:

Abriu a válvula do botijão, girou o botão da trempe, disfarçou o cheiro espalhando inseticida no ar e saiu deixando o pai professor deitado no sofá, bem perto da cozinha.


_____

Rubem Leite

Foto do autor.

Escrito entre 01 e 05 de junho de 2022.

domingo, 29 de maio de 2022

UM AO LADO DOS DEMAIS

 

  

Solo soy una mariposa en el capullo pero solo ven el capullo.

O vento toca árvores e sua melodia é como o beira-mar ou a chuva. Nesse embalo leio duas preces e de cada uma fica uma oração que me poetiza.

 

“Deus abrange o meu ser”*

Olho pro Sol, pra Lua, Flores

Sinto-me a mim tecer

Vejo gente, tantos indecentes

E tantos socioindigentes

Chego a esmorecer

Todavia ainda há livros

 

“Tenho alma destemida”*

Mesmo sendo gente

Minh’alma não é empedernida

Apesar dos seres humanos

Difícil manter cabeça erguida

Força tenho nos livros e bichos

 

Tento sorrir; compartir meus pensamentos. Ainda não sei ser silêncio onde não querem diálogo. Conversam para ouvirresponder, não para compreender.

- E tem um livro muito interessante e importante para ler: a Bíblia. Experimente; você não vai se arrepender. É um manual de vida.

- Li a Bíblia por vinte anos; algo em torno de sete estudos: três anos para completar cada estudo...

- É ler ao longo da vida, tentar implementar em nossas vidas, refletir a Bíblia. E, acima de tudo, ler, orar e esperar a resposta de Deus todos os dias. Volto a repetir: é nosso manual de vida.

Não respondo. Melhor conversar com os bichos e livros, mas penso: A diferença entre religião e ciência: Esta reconhece quando erra e por isso aprende. Enquanto a religião apenas aprende a dar desculpas melhores. Ciência não é crença. Ciência é o conhecimento adquirido através de pesquisa metodológica. Crença não vem de pesquisa nem de método.

Melhor calar.

Não sei se é uma fase ou se será permanente; talvez só um período, não sei. Mas estou fazendo as coisas; o que posso, o que aguento e quase o que quero. Faço para o nós.

Se me agradecem ou retribuem fico próximo a contente; não supervaloro. Se não me agradecem ou, digamos, me incomodam fico próximo a triste; não supervaloro.

Aprendi tempos atrás que os que nos elogiam hoje quase sempre, quase todos são os que nos abandonam ou jogam pedras.

Solo soy un colibrí apagando fuego. Una mariposa en el capullo.

 

 

Rubem leite.

* Sutra em Trinta Capítulos para Leitura Diário; Seicho-No-Ie.

Imagem do autor.

Escrito entre 16 e 29 de maio de 2022.

domingo, 15 de maio de 2022

FORA DO CAMPO DE FLORES AMARELAS

Van Gogh e seu campo de girassóis

Eu e meu morro de flores amarelas

Não vejo coisas invisíveis

Vejo a realidade que corrói

Com livros combato as esparrelas. 

O quanto e quanto já foi dito "amanhece, entardece e anoitece; janeiro, fevereiro ... novembro e dezembro; tempo de chuva com calor e tempo de seca com frio; tudo que é vivo morre".

Tudo repetindo.

Nada, surgimento, vida, morte, ressurgimento, vida, morte, ressurreição...

O rio corre entre a terra até chegar a outro rio ou ao mar. A terra se move entre os oceanos.

- E o que tem isso, meu Deus?!?

- Tem que numa mesa cinco discutem se o correto é dizer negro, preto ou moreninho. E todos os cinco são bem branquinhos. É outra vez o eurobrasileiro querendo definir a sorte do afrobrasileiro.

Silêncio para olhar nos olhos.

- Tem que outra vida é corrompida pelo desafeto familiar, pelo desinteresse político-social até ser interrompida pelo traficante ou policial.

Olhos nos olhos silenciosos.

- Tem que ao dizer "Umbanda, Candomblé, Macumba, orixás" ainda se ouve "credo; tá queimado, sangue de Jesus tem poder... são do diabo, são demônios". E quando perguntados se já assistiram alguma cerimônia ou leram suas doutrinas negam. Alguns afirmam que sim, conhecem ou viram. E quando se questiona como são as cerimônias e o que dizem suas doutrinas se calam ou respondem mentiras. Tal qual boçalnarianos "e o Lula, hem?!?".

- Ééé. A Terra não é plana, mas o mundo é chato.

- Enquanto gira o planeta e circula o cotidiano a gente lê, bebe, escreve, dorme, trepa, trabalha, canta, dança, encena, pinta.

- Desses, muitos tecnisam e vegetam.

- E desses, poucos artistam em protestos:

Uma boca morta abre centímetro a centímetro.

É o globalismo capitalista investindo.

Diverte-se o pobre com sua tranqueira nova.

Ignorante ignorado caminha centímetro a centímetro para sua cova.


_____

Rubem Leite

Foto do autor: vista da janela da cozinha.

Escrito entre 12 e 15 de maio de 2022.

domingo, 8 de maio de 2022

OBSERVÂNCIAS

 "Última flor do lácio, inculta e bela [...] Amo-te, ó rude e doloroso idioma [...] Em que da voz materna ouvi: Meu filho".

(Língua Portuguesa, de Olavo Bilac).


Aos onze anos, na antevéspera do Dia das Mães, uma das estudantes chora. Não tem para quem escrever um cartão.

Sem saber o que fazer, em separado, improvisa uma conversa:

- Você acredita que a pessoa continua viva após a morte do corpo? Como alma...

- Não.

- Penso parecido. Tem hora que acredito, mas duvido em outra. Então decidi esperar o dia de minha morte para saber... Mas enquanto isso, no Dia das Mães e no Dia dos Pais falo para eles, lá no meu quarto o que gostaria de dizer-lhes. O pior que pode acontecer é nada acontecer. Mas se tiverem "vivos" falei com eles.

- O que devo fazer?

- Que tal fazer um lindo cartão; escrever tudo o que sente e domingo, assim que acordar, ler o cartão para sua mãe!?!

E o cartão foi feito com esmero.

Em casa no sábado um amigo diz:

- Tive vontade de ir na casa de minha mãe. Mas me machucou muito... É. Ela já me ajudou muito, mas também me agrediu demais. E como ela não me aceita como sou... Não vou não.

- Também não irei até minha mãe...

- Claro. Ela já morreu.

E riram. O professor com tristeza e o amigo parecendo refletir.

- Na próxima semana terei que ir perto da casa dela então passarei lá.

Domingo, na casa em frente.

- Vai tomar no cu, peste. Faz tudo errado.

Grita a mãe pra filha de quatro anos.





Em sua varanda o professor fica de cócoras, toma café com leite e observa seu jardim. Junto-me a ele e admiramos a folhagem, as flores, as aranhas em suas teias, as borboletas e beija-flores.

É no silêncio que a gente ouve. É no parar que pensamos.

Olhamos a outrora flor branca caída no chão; avançou seu processo de arrosear-se. Isso em seu de fenecer antecipado. Quem sabe se seu filosófico significado um dia, imóvel e calado, talvez possamos ver.


_____

Rubem Leite.

Fotos do autor.


Vivido e pensado nos dias 05 a 07 de maio de 2022 e trabalhado na manhã do dia seguinte.

domingo, 24 de abril de 2022

Ciranda, cirandinha. Estamos todos a cirandar.


Un corazón entero

Donde todos son rotos

Es como huir del entierro

Ser un monstruo

Entre los muertos.


Quase ninguém gosta de mim, o que me dá mais tempo de ficar com meus livros no jardim de minha casa.

Gosto bastante de passar quantas vezes puder olhando por minutos meu minúsculo jardim.

Não há nada lá fora que sobreponha o que tenho dentro.

A gravidade nos leva abaixo,

Mas sigo de pé.

Que me sustenta?

Por quê?


Um coração inteiro

Onde todos são pedaços

É como fugir do enterro

Ser um fracasso

Para os em desterro.


Cale-se

Não te ouço

Eu te falo.

Ouvir deixa louco

Histriônico estalo.


Na multidão

Só veio

Só está

Só ficará

Só sairá.


Vezes esgotado

Sempre desanimado

Nem sempre inanimado

Cem vezes admoestado.

A lutar ainda.


tormenta

venta

(des?)merecido

silêncio

imenso

vencido


Nem tudo é morte

Há o que nos tonifica

Há o que nos mortifica

Nem tudo é vida


Há muitos mares, rios e quedas d'águas agindo e reagindo às agressões humanas.

Há lagos grandes, pequenos também a sua maneira mais tranquila na luta.

Aos descrentes sobrou as poças d'águas a aguentar o sol e as pessoas.

Que sou se ainda luto com desânimo, mas com esperança?


_____

Rubem Leite

Foto do jardim do autor.

Obs.:

Fico muito contente por ter quem goste de mim. Quando falo que poucos gostam não é rechaço aos que tem afeto por mim. Muito pelo contrário. O que digo é que não sou importunando pela falsidade dos interesseiros.

Escrito e trabalhado entre 20 e 24 de abril de 2022.

domingo, 17 de abril de 2022

LECIONAR E ESCREVER ATÉ RESSUSCITAR

O muito mais novo dos irmãos era o mais velho em desânimo. Descia a rua para comprar frutas; passos lentos.

Num cruzamento percebeu indistinto um homem empurrando uma bicicleta e acompanhado de perto por um menino.

Ouviu, do outro lado do cruzamento, a voz de uma mãe:

- Pare na esquina, olha bem pros dois lados e só atravesse se não vier carro.

O pai falou baixo, só pro filho, mas alcançou o caminhante:

- Num para não e nem olhe. Cê tá comigo e tôti cuidano.

O zelo da mulher não confiou no marido. O orgulho do marido desensinou o garotinho.

O dramático dessa história não é que tenha acontecido algum acidente à criança (que bom).

O drama é as picuinhas que mantemos a todo custo, a deformação do filho e o peso no caminhante de mais uma descrença na humanidade.

Ainda caminhando até o mercado paro um instante na rua Peroba em frente a uma casa de lindas flores visível acima do muro.

- Vou te contar umas coisas...

- Huuum. --- Minha bela visão é interrompida por algum amigo.

- Vejo muita gente rindo de você, falando mal de você, aproveitando de você.

- Sei...

- E... Não faz nada?!?

- Alguma dessas pessoas me importa? Gosta de mim? Obrigado! Não gosta? Que bom; não terei que me relacionar com elas.

- Mas... Você está sendo trouxa, bobo.

- Não me incomodando, deixando-me em paz... Está bom para mim.

- Isso não te incomoda?

- O que me incomoda é não está olhando meu jardim, lendo um livro e tomando um vinho com meus cachorrinhos e gatinhos por perto. É isto que está ótimo para mim.

- É que...

- Desculpa. Mas quero comprar umas frutas para poder voltar a minha casa para brincar com meus bichinhos, ler, ver as flores e tomar um vinhozinho. Com licença.

Na minha lentidão, tão doce lentidão a permitir-me ver o que só olhava, continuo tão pequena jornada a mostrar-me grandes coisas. Mesmo não sendo todas boas.

- Oi, professor!

Três de meus estudantes me param e sorrio tranquilo para cada um deles.

- Vai ganhar muitos ovos amanhã?

Fala o do meio e o a sua direita diz:

- Ontem foi um dia triste.

- Mais triste foi o Domingo de Ramos... --- Replico.

- Por quê? --- Pergunta o da esquerda.

- Numa mesma semana a imaturidade humana é mostrada em toda sua ingratidão e servidão aos poderosos. Domingo passado conclamaram "Bendito o que vem em Nome do Senhor"; repetindo o que foi bradado dois mil anos atrás e ontem gritaram "morra, Jesus".

- Mas professor... Ninguém fez isso.

- Fazem isso várias vezes ao dia. Com negros, mulheres, LGBTQI+, pobres, doentes, presos, gordos, magros...

- Mas... Não é a mesma coisa.

- Sim, é. Ele disse que fazer isso aos pequenos é agressão a Ele, pois cada pessoa é seu templo.

O da direita nos diz:

Li que Jesus não morreu por nossos pecados, para nossa santificação. Ele não veio para nos separar do mundo. Cristo veio para ensinar que o mundo (a natureza) e a humanidade são um.

Concordo. Contente por ele está abrindo sua cabeça. O do meio continua:

- Jesus morreu porque lutou contra a direita, contra política, religião, economia que sufoca o povo; onde poucos ficam com muitos e muitos ficam com poucos.

Outro aprendiz de pensante. Gosto disso. E o terceiro acrescenta:

- Domingo será uma festa falsa, pois ainda hoje Jesus é caluniado, blasfemado, preso, torturado e morto. Não por "nossos pecados", mas porque ainda preferimos louvar os poderes no lugar de lutar com Cristo.

Não sorrio porque a Verdade não é disso. É a ilusão a nossa embriaguez. Mas me sinto bem pelos três cérebros funcionais.

A gente se despede e em silêncio cada qual caminha. Eu me aproximo do mercado, compro e volto para casa. Leio um pouco, bebo vinho e preparo um simples almoço pascal sem deixar de ver:

No centro, o morto político (Jesus); de um lado, a ciência (perguntas, dúvidas, pesquisas, estudos, conhecimento); do outro lado, vinho para comemorar cada vitória de quem luta ou sangue dos que morrem por culpa de quem cruza os braços à espera das benesses que os milhões de Cristo conquistaram para todos.

Cérebros não têm paz. Chega do nada a mãe de um dos garotos. E sua voz ébria de ilusão:

- Está escrito na Palavra, a Bíblia. Jesus morreu por nós, nossos pecados e para dar pra gente a vida eterna. Pois o que conta é nossa alma. Sarar, salvar, santificar.

Dos gritos e ofensas que me disse não há necessidade de mostrar. Já sabem ou imaginam. Respondo à mãe:

- Não há discórdia entre nossas ideias. Falei da razão histórica, não teológica. Teologia deixo para os sábios dos templos, uns são cristãos realmente; e até para seus mercantes largo-lhes as palavras. Quando luto é com meu cérebro escudado por livros e empunhando caneta.

Paro a conversa para tomarmos um café com bolo e só depois continuo:

- O Jesus histórico morreu por lutar pelo Povo; pela igualdade, dignidade, verdade e esta é ciência, não mito. E até hoje todos os verdadeiros seguidores d'Ele são mortos.

A mãe se vai. Leio um pouco mais e durmo.

Amanheceu um lindo dia nublado. Permitindo-me ver as flores em suas cores naturais, resis.

É o primeiro Domingo de Páscoa. Dia de pensar nas ações a realizar enquanto professor e escritor.

Cristo há de ressuscitar.


_____

Rubem Leite

Fotos do autor.

Escrito no correr da semana passada e hoje (17/4/22) trabalhado.

domingo, 10 de abril de 2022

CUIDO DE QUEM GOSTO. EU ME GOSTO

Quem golpeia

E o golpeado

São duas gotas de orvalho

Juntas se evaporam ao sol da manhã.

(Monje Riocam).


A noite avançava enquanto pulou a janela de meu quarto, engatinhou-se em minha cama, deitou ao meu lado roçou seu corpo no meu. O que veio depois é desnecessário dizer que me afastei de seu corpo. Não quero nada além do sossego a perder se deixasse acontecer.

O vermelho alaranjado do sol iluminou a manhã em meu quarto. Alguns segundos encatados e levanto-me.

Café forte e leite semidesnatado. A sós.

Faço o café

Silêncio é minha música

Não me interessa o muito

Basta-me as flores no pé.

Olhando para cima um céu triangular; azul com poucas nuvens. A minha frente um pé de morro, a direita um oiti e a esquerda meu telhado.

Junta-se a mim, mas ouço as maritacas.

Ontem foi outro dia sem tomar seus remédios para beber cerveja e cerveja e mais cerveja.

Em casa vomita, toma banho, come, vomita e dorme. Vou para o outro quarto.

Não para de verbear e ouço o cachorrinho brincando, os grilos e pássaros.

"Quando a gente gosta é claro que a gente cuida. Diz que me ama, mas é da boca pra fora"*.

Entro em casa, troco minhas roupas para uma conversa sobre educação, cultura e arte no outro lado de Timóteo.

- Enquanto tiver gente dormindo na rua e procurando comida no lixo vou falar de política.

- Prefiro fazer melhor. Prefiro dar assistência.

- Trabalhar duro para que a fome acabe é fundamental. Daí a assistência ser uma boa medida. Mas se assistência é caridade...

- O que tem a caridade?

- Caridade é má, mas denunciar como denuncio em meus trabalhos literários ou esclarecer a meus estudantes as injustiças são, assim creio, excelentes medidas de luta. Solidariedade sim, caridade não. Falar como as caridosas pessoas de direita é perda de tempo. É dizer-lhes que tem que pescar seu próprio peixe sem lhes dá materiais e condições para a pesca.

- E porque razão isso não é bom. A meritocraci...

- Dar assistência, ou seja, um peixe por mês... é inútil. Dar o peixe e depois de saciado ensinar a fazer o material para pescar, ensinar a pescar e ensinar a preparar o peixe... Isso sim é falar de política, pois não é a fala vazia dos caridosos. Ir aonde estão os que sofrem a desigualdade social para atuar com eles e junto deles no combate à miséria é o significado do escritor, dos artistas e professores falarem de política. Lindas palavras vãs é coisa de políticos.  Nossas falas são ações. 

Em casa, móveis quebrados e um corpo dormindo. Corpo; não alma.

Arrumo o que posso da casa.

Contenho a vontade e não piso no corpo vazio no piso.

Arrumo as malas para que vá ao amanhecer.

Em minha cabeça escuto "é essa a sua fala política?".

À voz:

- Minha fala é cuidar, ensinar, acompanhar quem caminha.



Rubem Leite

* Música Sozinho.

Escrito entre 05 e 09 de abril de 2022.

domingo, 3 de abril de 2022

A ESTRANHA MANIA DE TER FÉ NA VIDA¹

Hormiga maldita. El artista cigarra cantaba limpiando tu sufrimiento, tu cansancio. Y ahora que el artista te necesita tú le niega suministro. Pues bien. Tú comes y ti amargas con tu alimento que perdura hasta el calentamiento y… acaba. El artista hambriento lleva el mismo dolor del pueblo. Sin embargo, lo cambia a – fuerza, esperanza y lucha – cantos de encantos. Mientras tu corazón solo lamentas.

 

Na casa e terreno onde moro há aranhas, pássaros, árvores, matos, flores...

Tem uma planta que uma semana dá flor rosa e na outra, branca.


Pra que ir pra rua se a gostosura está aqui. Ficar “de cocado” espiando as flores, o vento nos galhos, as borboletas, beija-flores. Se quem ou o que é de fora:

Nas sombras do meio da névoa não vi nenhuma cara.

Vi:

Era uma vez um pastor de nome Milton Rameiro. Terrivelmente evangélico. Um belo dia foi até ele o presidente de uma nação sem noção e lhe ofereceu barras de ouro se provasse o quão terrível era:

- Universidade é para poucos. Mas não só isso. Ficarei vinte meses enterrado e sairei vivo.

Passado o tempo estipulado desenterram o pastor da educação. Este não se preocupou em respirar, beber água ou comer. Terrível era seu poder. Saiu do sepulcro gritando:

- Cadê as barras de ouro?!?

Vi:

O pum do palhaço é talco. Na cabeça da Rerreginha Senharte tem algo?

Coração de professor é carne sangrenta e do artista, alma.

O “coração de ouro” do pastor, Rameiro da Educação, é farsante. E da cultura, o secretário canastrão, Fria’alma.

Vi:

- Ai, amiga! – Beijinhos no rosto. – Estou tão angustiada...

- Que foi, amiga?

Afasta a outra para ver a cara da amiga.

- Você sabe que eu costumava abastecer minha casa de víveres no Rabbit Deenny’s desde que o dono do “grande surface” se tornou deputado defensor das famílias e da moral...

- Sei... Mas o que tem?!?

- É que agora tem em tudo quanto é lugar.

- Óóóh!

- E você sabe o que dá em tudo quanto é lugar, né?

- Sei, amiga. Pobre.

Em lágrimas:

- Não poderei mais mandar minhas serviçais fazer as compras lá.

E recebe um abraço solidário pra passar por mais essa provação.

Vi:

O homem de quem compro ração trazer-me o alimento de meus bichos e tremer de medo quando chamei a cachorrinha Iemanjá. Não se assustou com Florbela, a brava; Pessoa, o brincalhão; Plur, no seu cantinho; Neno, homenagem a Nena de Castro.

- Fala isso não! – Diz trêmulo e com a mão no peito arfante.

- Iemanjá?!?

- Não invoque o diabo.

- É só um nome mitológico. Como poderia ser Zeus, se fosse macho.

- Zeus é mito. Aquela é diabo...

Meu silêncio lhe olha.

- É que não entendo nada dessas coisas.

- Então seria bom entender, né? Conhecer para compreender. Saber para ter o que dizer.

- Sei não... Sangue de galinha degolada... Cabeça de bode...

- E o Sangue de Jesus nas missas e cultos?

- Não sei não.

- Eu sei sim.

Vi:

O frio do seu olhar congelar meu coração. A aspereza de suas palavras endurecer meu coração.

Mas o voo das borboletas, o canto do vento co’as árvores; estes fazem bem ao meu coração.

 

 

Rubem Leite

 

¹ Maria Maria, de Milton Nascimento.

 

Escrito entre 29 de março e 03 de abril, mas pensado desde muito antes disso.

domingo, 13 de março de 2022

SORRIR PELA PARTIDA DE UM FRÁGIL A MIM FERE

Mais uma manhã. Um domingo a mais. Acocorado olho os dois que estão perto, mas vejo o jardim. O que eu queria é estar só comigo, meus bichos, jardim e livros. Fala algo sem importância e como não ouço, digo:

- Dos dias eu gosto e também das aves e árvores. É fora do natural que me machuco fácil e nem sempre em minha pele. Por isso temo não aguentar as tempestades. Mas se Lula e Dilma aguentam, se Robinson Ayres e Maura Gerbi aguentam...
- O que tem isso?
- Tem muitas coisas. Uma pequena importante é a discussão que não acaba nunca...
- A aluna veste bermuda de homem. Vem toda masculinizada pra escola.
- Uai! O que você tem com isso? A pessoa veste a roupa que quer.
- Não concordo!
- E você tem concordar com alguma coisa? Só tem que cuidar de sua vida.
- Tem crianças na escola. Elas não têm que ver isso.
- Tem que ver sim. As diferenças existem e têm que ser respeitadas.
- Não podem ver duas garotas se beijando.
- Não tem que ver nem garoto e garota se beijando.
- Pois é, Benito. Não pode ter namoro na escola.
Não pode. Não pode. Não pode... - Ecoa.
- Isso é a ação de quem não tem razão. Estávamos falando de roupa; como não tem argumento, do nada muda de assunto. Numa tentativa de invalidar o argumento do outro.


Olhando a luz do Sol atravessando o compacto de nuvens audivelmente meditei:
Queremos ser amados por quem amamos. Ninguém quer ser amado por quem não ama. Acredito ser um bem-aventurado, pois muitos que amo igualmente me amam.
Amorosamente me pica:
- Sinceramente não me preocupo mais com isso. Preocupo em ser uma pessoa ética. Ser, na medida do possível, bom e generoso. Não passando dos limites e indo até onde não me prejudique ser solidário.
- É, ética é importante.
- É importante que gostem de verdade.
- Não existe gostar de acordo com as ocasiões.
Levanto-me e entro na casa. Amanhã terei trabalho, mas até lá vou ficar com meus pensamentos.

domingo, 6 de março de 2022

EU, O BOBO


Acordei nesta madrugada e olhei pela janela. O céu estava tão lindo. Não vi a lua, mas quantas estrelas. Não sei quantos anos que não via tantas estrelas. Quase como Pessoa conversei com elas. Disse sobre a ‘inexistente pandemia que estamos passando’; o governo brasileiro; a comoção pela situação da Ucrânia, e como são as coisas, quem se comove pelas invasões Latino-americanas, africanas, árabes...?

Como são as coisas pra Lúcia.

Ucrânia foi atacada

E Urucânia se sente ameaçada

Pelas ogivas da Rússia.

Universidade de Milão proíbe curso sobre Dostoievski por causa da questão Rússia-Ucrânia. Não é só no Brasil e em USA que a imbecilidade impera.

Mas não falei de mim.

Simplesmente as admirei e conversei por poucos minutos e voltei para a cama. Tinha ainda um último dia de feriado para atravessar antes de começar a semana pelo seu final.

Pouco depois das sete da manhã fui ao mercado. Havia um delicioso silêncio. Pássaros, galos, cachorros; não trânsito nem outras coisas “humanas”.

 


Os bairros Limoeiro (onde moro) e Recanto Verde nos confundem onde fica a divisa e neste descubro por acidente uma pracinha construída no fim da Rua Oiti por um morador local. Soube que se chama Quintão.

Sento em um dos bancos a contemplar e a pensar.

Ah, estrelas!

Não falei de mim para elas.

Por um lado, quem sou eu para ser do interesse dos astros e, por outro lado, ainda não sei se posso confiar nas estrelas a ponto de desabafar-me.

O que passo, passo sozinho. O bobo paga por suas ações e o esperto por suas omissões.

 

 

Imagem: foto do autor.

 

Pensado e passado na semana que ontem se encerrou e escrito hoje, 06 de março de 2022.

domingo, 27 de fevereiro de 2022

FESTIVAL DA CARNE MAIS BARATA DO MERCADO

 

 

Não inspiro ninguém a nada.

As que me olham

As que me ouvem

Não me veem, não me escutam

Não existo, não insisto.

 

Carnaval está aí

Um dia só não basta

Tem que ser quatro ou quarenta.

E disse o presidente:

Preto é besta

Útil pra carga

Tudo aguenta

E tá ok isso aí.

 

Preto é pobre

Branco é nobre

Bicha é porre

Hétero é cobre

Hétero branco é prata

Hétero branco rico é ouro.

Quem pensa

Essa triste verdade descobre.

 

Enquanto isso

Os últimos raios de sol no céu foram um obséquio prateado e cinza.

Num plácido doce dia

O som de algo pesado batendo nas telhas conduziu meus olhos ao telhado.

Nada vi além do esperado teto.

– Por alguns segundos. –

Um macuco pousara no telhado

E do seu pescoço preto um par de pele vermelha

Balançava.

Ao me ver observando-o, retrocedeu

Afastou-se a esconder-se de meus olhos.

Isso umas quatro vezes.

Para o sossego do pássaro disfarcei meus olhares.

Vigiou-me um tempo e não sentido perigo voou para a mangueira em frente.

Talvez para dormir em seu ninho.

Talvez a esperar seu par.

O céu e o sol, a ave e a árvore formaram a visão de minha vida.

 

Cada um dá o que tem.

Quem não tem nada

Não vale nem centavo nem vintém.

E você nada vale

Destrutivo como a Vale

Gasta mil reais em livros

Se passa por santarrão

Fingindo-se nosso irmão.

– Diz-me quem me busca

Para pedir ou agredir.

Nada respondo

Tudo penso –

Mil reais em livros

Ou quinhentos em crack.

Nos primeiros invisto

Ao contrário de ti

Que no segundo gasta.

 

Que importa.

Quem se importa.

 

Sou bobo.

Descobri faz tempo e empiricamente o quanto sou tolo.

O que não sei ainda é se o bobo descrito por Leon Tolstói e Clarice Lispector.

Ou se sou apenas um vulgar tolo.

 

Chega! Cansei de falar.

Ouça-me

Quem quiser

Se quiser.

Pense

Quem quiser

Quem puder.

 

 


 

Gin, amêndoas, uva passas, pimenta Jamaica e água tônica

Bebo

E o que vejo?

Na escola nenhum professor negro.

Não tem problema

É carnaval.

Depois tem mais futebol.

Por fim adeus,

Livraria Ouvidor.

 

 

De Rubem Leite

 

Dia 26 de fevereiro de 22 a Livraria Ouvidor, em BH, abriu suas portas pela última vez em cinquenta e dois anos.

 

Começado a escrever em 30 de dezembro de 2021 e encerrado em 27 de fevereiro de 2022.